11/06/2003 - 7:00
Kombi lotação, Kombi escolar, Kombi da padaria, Kombi ?faz-se carreto?, Kombi do cachorro-quente, do pastel, do caldo de cana… Há 50 anos o Brasil vai de Kombi, um fenômeno de longevidade na indústria automobilística nacional. O utilitário leve da Volkswagen ganhou as ruas do País em 1953 e continua aí ? firme, forte e feio de doer. Mas quem liga? Dono de Kombi que se preza não quer saber de design, potência, aerodinâmica e conforto. Para eles, só duas palavras interessam: custo e benefício. E aí ela é imbatível. Nada no mercado que carregue uma tonelada de carga custa R$ 26 mil, o preço inicial da Kombi. Talvez por isso, mesmo depois da invasão das vans asiáticas, 1.600 unidades continuem saindo do pátio da montadora alem ã em São Bernardo do Campo, todos os meses. E o que é mais impressionante: o modelo sofreu apenas mudanças cosméticas nesse meio século. ?Em 1997, até desenvolvemos uma versão mais luxuosa, a Carat. Tinha vidros verdes, aquecimento, desembaçador traseiro e bancos de tecido. Mas não pegou?, conta Paulo Sérgio Kakinoff, diretor de marketing da VW. Quer dizer: no Brasil, Kombi boa é Kombi pé-de-boi ? robusta, de mecânica simples, manutenção barata e sem firulas tecnológicas.
Só que o futuro do modelo aponta para a direção oposta. A nova geração da Kombi, batizada de Microbus, é um arraso de modernidade. Foi criada pelo centro de design da VW na Califórnia especialmente para o mercado norte-americano. Nos Estados Unidos, sobretudo em Los Angeles e São Francisco, a Kombi mantém um ar ?cool? até hoje. Ícone da cultura hippie dos anos 60, foi uma espécie de carro-apartamento para bichos-grilos e surfistas em geral. A equipe de desenhistas da VW não queria perder essa característica e fez uma releitura e tanto. O Microbus tem câmbio automático e portas que deslizam sozinhas ao acionamento de um botão. As luzes internas são suaves e criam um ambiente sereno, propício a uma soneca. O assoalho é feito de material translúcido, formando figuras geométricas. Há cinco monitores de TV a bordo. Um deles, pendurado no teto e ligado a uma câmera de vídeo que fica na parte traseira, faz as vezes de espelho retrovisor. Os bancos, com ajustes elétricos, transformam-se em camas ou mesa de reuniões. De semelhança com a irmã mais velha, só mesmo a carroceria arredondada e pintada em duas cores. Até o motor mudou de lugar ? e de potência. Ele agora fica na parte dianteira e arrasta o Microbus a 170 km/h. O modelo, ainda sem preço definido, será fabricado em Hannover (Alemanha), provavelmente a partir de 2005.
Mas é evidente: trata-se de outro veículo, que no Brasil não deve fazer cócegas na hegemônica Kombi cinqüentona. E não só pequenos comerciantes são os seus fiéis defensores. A Kombi ainda é peça importante na logística de grandes corporações. Faz parte, por exemplo, da história da Souza Cruz há 40 anos. Nesse tempo, 7 mil Kombis passaram pela frota da empresa, percorrendo 700 milhões de quilômetros para entregar cigarros em mais de 200 mil pontos-de-venda. ?É um vínculo que fica fácil de entender quando, na porta de um botequim, alguém grita: ?Lá vem a Kombi da Souza Cruz??, conta Divino Souto, gerente de operações da empresa. ?Que outro veículo possibilitaria a troca do motor inteiro no mesmo local onde ele quebrou??, pergunta Evaldo Assunção, coordenador de frota da Elma Chips, que chegou a ter 2 mil Kombis e hoje conta com 800 para abastecer bares e padarias com os seus snacks. ?Não existe utilitário à altura para substituir nossas Kombis. A manutenção de qualquer outra van chega a custar dez vezes mais?, afirma Assunção.
É por essas e por outras que a VW não arrisca dizer quanto ainda resta de vida ao seu primeiro modelo montado no País. ?Enquanto houver gente querendo, vamos produzir?, diz Kakinoff. Para felicidade geral da nação, a Kombi deve continuar por muito tempo transportando verduras, pastéis e até a torcida da Portuguesa de Desportos ? toda ela.