Sob fogo constante do Exército russo, moradores de Nikopol encontram maneiras de sobreviver. Cidade que era um próspero centro industrial no sul da Ucrânia viu sua população diminuir ao meio desde a invasão russa.”Aqui ficava a represa e ali era a nossa praia”, disse Vladislav, de 30 anos, apontando pela janela do carro para uma paisagem coberta de grama e árvores jovens. É possível ver à distância a usina nuclear de Zaporíjia, a maior da Europa.

Nikopol costumava estar às margens da represa de Kakhovka, do qual pouco restou. A represa e a usina hidrelétrica foram destruídas em julho de 2023 em consequência de uma explosão. Um grande volume de água fluiu pelo rio Dnipro e inundou vilas inteiras.

O Exército russo ocupou o sul das regiões de Kherson e Zaporíjia na primavera de 2022, após sua invasão em grande escala da Ucrânia. Os russos não apenas assumiram o controle da usina hidrelétrica, mas também da usina de Zaporíjia, próxima à cidade de Enerhodar.

Desde então, as forças russas estão a apenas cinco quilômetros de Nikopol, que tem sido alvo de ataques de artilharia e drones.

“Expostos como em uma bandeja”

O prefeito de Nikopol, Oleksandr Sayuk, disse à DW que a população de 100.000 habitantes da cidade havia diminuído pela metade. Vladislav decidiu ficar apesar dos ataques constantes. Ele trabalha para a empresa de energia DTEK.

A reportagem da DW foi com ele e seus colegas até a parte mais perigosa da cidade, bem nas margens do antigo reservatório. O bombardeio russo danificou as linhas de energia, e os moradores de várias ruas estavam sem eletricidade.

Vladislav contou que um ataque era frequentemente seguido de outro, motivo pelo qual os técnicos nem sempre conseguiam realizar imediatamente os reparos.

“Tivemos que fugir de drones várias vezes”, explicou. Repentinamente, a sirene de alerta de ataque aéreo volta a soar. Somente os porões de prédios residenciais podem oferecer proteção. “Estamos expostos como em uma bandeja aqui”, disse um técnico de 27 anos chamado Maksym.

Antes de voltar ao trabalho, os homens aguardaram atrás de uma cerca cheia de buracos de fragmentos de bombas até receberem o sinal verde. “É bom dar eletricidade às pessoas novamente”, disse Maksym. “Enquanto essas pessoas viverem aqui, continuarei voltando.”

“Ainda estamos vivas”

Uma senhora de idade chamada Yelena apareceu em uma rua deserta. Ela foi até o quintal atrás de sua casa incendiada para alimentar seus cães. A casa foi destruída enquanto ela trabalhava em uma fábrica. Ela contou que tinha que constantemente procurar abrigo dos ataques de drones e, como não conseguia mais suportar essa situação, foi morar com sua irmã, que vive mais distante das margens do Dnipro.

“Você tem que alimentar os cães rapidamente e depois ir embora”, disse a ela Vladislav. “Sim, eu sei”, ela respondeu calmamente.

Enquanto os técnicos consertavam as linhas de energia, duas aposentadas — Faina e Ludmila — saíram de suas casas. Elas eram possivelmente as últimas pessoas a morar nesta rua.

“Como você pode ver, ainda estamos vivas”, disse Ludmila ao comentar sobre um bombardeio ocorrido na cidade, “mas um gato foi morto”. As duas mulheres tinham as chaves das casas de seus vizinhos, cujos animais de estimação elas continuaram a alimentar.

A casa de Ludmila também sofreu danos no ataque russo. Mesmo assim, ela disse que não quer se mudar, e até plantou algumas flores na frente da casa. “Por que eu não deveria plantar? É minha própria terra”, disse, acrescentando que costumava levar uma vida boa ali.

“Vai trabalhar e não sabe se volta”

Há muito poucas pessoas no centro de Nikopol. Os ônibus, porém, continuam a circular pelas ruas vazias.

“A vida é difícil”, disse o prefeito Sayuk. “Mas, de alguma forma, ela continua para as pessoas aqui.” Ele destacou o fato de que as empresas locais continuaram a operar, mesmo que o movimento não seja o mesmo de antes.

“Quando você vai trabalhar, não sabe se vai voltar”, disse o prefeito, explicando que 60 civis foram mortos por bombardeios russos e mais de 400 ficaram feridos. Nikopol costumava ser uma das cidades mais industriais da Ucrânia.

A DW conheceu Mykhailo em um café no centro da cidade. O homem de 36 anos se alistou no serviço militar logo após a invasão em grande escala da Rússia. “Pensei no que aconteceria se os russos ocupassem a Ucrânia. Como seria minha vida? Eu não queria ter que receber ordens deles.”

Desde que voltou a Nikopol, no início do ano, ele começou a trabalhar em uma fábrica: “Vi muitas casas destruídas. O cemitério cresceu de tamanho. Quase ninguém ficou aqui”, disse.

Seu pai também foi junto com ele quando se alistou. Ambos se juntaram à mesma brigada de infantaria, com Mykhailo comandando uma bateria de artilharia e seu pai servindo como motorista.

“Foi difícil assistir a artilharia inimiga disparar contra a unidade do meu pai. Fumei um maço inteiro de cigarros em apenas uma hora”, lembrou.

Seu pai teve de deixar o Exército no início de 2023 após ser ferido no peito por um fragmento de um projétil.

Um ano depois, Mykhailo também teve baixa devido a problemas de saúde resultantes de um ferimento. Hoje em dia, ele cuida de seu pai de 57 anos. “Ainda tenho a sensação de que não terminei o trabalho”, disse, explicando que lutou para se reajustar à vida civil e até fez terapia.

“O trabalho é minha salvação”

Lilia Shemet também decidiu ficar na cidade. A mulher de 49 anos explicou que estava sozinha, e o trabalho era sua “salvação”. Ela disse que ficou na cidade e continua trabalhando em uma fábrica. Ela mora em um subúrbio de Nikopol com seus gatos e cães.

Lilia já teve uma família grande. Suas filhas mais velhas fugiram com seus próprios filhos, e seus filhos mais novos foram levados para um lugar seguro com a ajuda de seu empregador. Seu marido foi morto enquanto ajudava a consertar casas que haviam sido destruídas. Um de seus cachorros morreu quando uma granada atingiu seu jardim e danificou sua casa.

“No começo eu queria pedir demissão e ir embora.” Ela porém, acabou encontrando algum conforto em seu trabalho. Ela conta que aprendeu a dirigir um caminhão, e isso a ajudou a ficar menos preocupada.

Lilia disse que visitava seus filhos no fim de semana e ligava para eles durante a semana para garantir que eles fizessem o dever de casa. “A infância deles não é o que era antes da guerra. Eles já pensam como adultos”, disse. Eles vivenciaram o primeiro bombardeio no bairro e sempre perguntam se houve mais explosões. “O que posso dizer a eles? Eles mesmos leem as notícias.”

Exército russo “caça” equipes de resgate

Os moradores contam que mais recentemente o Exército russo tem bombardeado Nikopol e seus subúrbios em plena luz do dia. “Mais de dez vezes por dia”, disse o bombeiro Ihor Tkachuk.

Ele estava em frente a um prédio em chamas, onde dois andares desabaram. Tkachuk e seus homens passaram dois dias tentando apagar o fogo.

Os bombeiros também são frequentemente alvos de ataques russos. Um colega de Tkachuk morreu, quatro ficaram feridos e nove caminhões de bombeiros foram destruídos. O bombeiro disse que o Exército russo “caçava equipes de resgate”.