entrev_02.jpg

“Viver sem sonho foi complicado. Me fez pensar nas favelas”

entrev_03.jpg

“Nos EUA eles têm horário. Cinco horas cai o lápis. É mais produtivo”

 

 

DINHEIRO ? Que mensagem o sr. pretende passar às pessoas com o seu livro?
EDUARDO MARAFANTI
? Eu escrevi o livro para ajudar as pessoas. Elas querem ouvir a história do cara que ganhou a luta. Ninguém quer ouvir um perdedor. Claro que não me considero exemplo para ninguém, nem me imagino assim. Mas vivi dois episódios de leucemia e no primeiro tive muita exposição porque fui o primeiro brasileiro a participar dos testes de uma droga nos EUA. Isso me deu uma certa presença na mídia e recebi milhares de telefonemas de gente pedindo ajuda, conselhos. Pensei que a partir do livro eu conseguiria transmitir o meu exemplo, a forma como eu lidei com o problema.

DINHEIRO ? Como foi que o sr. lidou com o problema?
MARAFANTI
? A vida é cheia de problemas, mas não há problema maior que perder a própria vida. Como passei por isso duas vezes, achei que deveria transmitir a minha visão dessa história. Eu tinha certeza de que iria morrer.

DINHEIRO ? Como é trabalhar todos os dias com a certeza de que vai morrer?
MARAFANTI
? O mais complicado é viver sem sonhos. É como alguém chegar para você e dizer: esqueça o plano da casa nova, do casamento, da viagem. Tudo perde o sentido. Quando alguém diz a você que não há mais futuro, você perde o chão. É o pior de ter hora marcada para morrer. Você pensa: trabalhar para quê? Viver sem sonho é complicado. Pense em uma criança que nasce e cresce na favela, cercada de violência e de morte. Ela não tem acesso à educação e aos sonhos que toda criança deveria ter. O Brasil deveria se preocupar mais com isso.

DINHEIRO ? Como o sr. superou esse estado de espírito?
MARAFANTI
? No primeiro momento, eu queria me matar. Fiquei 15 dias tentando me matar. Ou melhor, pensando na melhor maneira de fazer isso sem que se tornasse uma coisa traumática para as pessoas que eu amo, como a minha mulher e a minha família. Mas, operacionalmente, matar-se não é fácil.

DINHEIRO ? O que fez o sr. desistir da idéia?
MARAFANTI
? Foi numa conversa com um amigo. Ele disse que, quando se está mal da cabeça, se adoece. Há comprovação científica sobre isso. Para o contrário não há pesquisa, mas valeria a mesma teoria. Achei o argumento racional e decidi fazer a minha parte. Morrer já não seria responsabilidade minha. Deixei na mão de Deus.

DINHEIRO ? O que mudou na sua vida a partir disso?
MARAFANTI
? Eu aprendi a valorizar as coisas que realmente têm valor, que são as coisas simples, que não se pode comprar, como amigos, o carinho da família. Tudo aquilo que realmente não tem preço.

DINHEIRO ? E na vida profissional? O sr. continuou trabalhando muito ou reduziu o ritmo?
MARAFANTI
? Workaholic eu nunca fui. Sempre gostei muito de viver, gosto de viajar, conhecer lugares novos, de ter bons amigos, beber bons vinhos, da boa mesa. E isso não é vaidade.

DINHEIRO ? Sua rotina de trabalho era pesada?
MARAFANTI
? Sim. Comecei a trabalhar com 14 anos e desde então acordo antes das 6 h para praticar esporte antes de ir trabalhar. Tive sempre uma rotina muito agitada, cheguei a trabalhar 18 horas por dia. Mas posso dizer que sempre trabalhei para viver e nunca vivi para trabalhar. Acho que renunciar à própria vida não vale a pena. Sempre pensei assim.

DINHEIRO ? Mas o que mudou na sua vida profissional depois da doença?
MARAFANTI
? Eu era mais ambicioso e depois da doença percebi que caixão não tem gaveta: mesmo que ficasse bilionário, eu não levaria nada comigo, teria morrido do mesmo jeito. Prefiro viver a vida agora. Há coisas que não têm preço. Qualquer um que tenha dinheiro compra um avião. O que o dinheiro compra não vale nada. O que o dinheiro não compra é que vale muito. Eu aprendi a valorizar mais isso. A amizade, a saúde. Esses são os verdadeiros valores da vida.

DINHEIRO ? Por que, para algumas pessoas, é tão difícil pensar assim?
MARAFANTI
? Eu descobri, depois de tudo o que aconteceu, que não adianta se estressar por fatores que não se pode administrar. Isso não quer dizer não ter responsabilidade ou compromisso. Hoje, se precisar trabalhar das 8 h às 24 h, eu fico. Se o esforço estiver ao meu alcance, eu faço. Senão, não esquento a cabeça.

DINHEIRO ? Mas isso se aplica à vida corporativa?
MARAFANTI
? Isso se aplica na vida pessoal e na corporativa. Veja um exemplo: o trânsito de São Paulo. O cara está lá, parado no congestionamento, e fica buzinando, dando soco no volante, com o stress lá em cima. Não adianta. O carro não vai andar. Esse é um comportamento, para não dizer burro, pouco inteligente. E serve para o mundo corporativo.

DINHEIRO ? Como?
MARAFANTI
? Vamos dar o sangue e trabalhar o quanto for preciso na hora e no momento certo. Como dizem os americanos, doing my best. Mas eu não consigo fazer mais do que isso. Para atuar no mundo corporativo é preciso ter foco. Com isso, as coisas acontecem. O que não se pode é ficar sofrendo antes de os problemas acontecerem. Não adianta.

DINHEIRO ? Mas essa é uma tranqüilidade que pouca gente possui. Como alcançar isso?
MARAFANTI
? É preciso disciplina, treinamento. Só se aprende fazendo, exercitando. Às vezes, no final de semana, eu me pegava pensando em problemas, cheguei a perder noites de sono. Até decidir que não faria mais isso. Comecei a me exercitar a deixar os problemas para trás.

DINHEIRO ? Quando descobriu a doença, como conciliou o tratamento com sua vida profissional?
MARAFANTI
? Só o pessoal com quem eu trabalhava diretamente sabia do problema. Os clientes, fornecedores e os que não eram do meu convívio diário não sabiam de nada. Achei melhor assim, seguir com a vida normalmente. Continuei jogando tênis, nadando, trabalhando e tomando o meu vinho.

DINHEIRO ? Como foi a reação na empresa onde o sr. trabalhava quando souberam da doença? O sr. teve medo de perder o emprego?
MARAFANTI
? Eu nunca tive esse medo. Na época, estava trabalhando com um sujeito que era muito humano, que me deu apoio. O presidente da empresa me chamou na sala dele e disse que poderia contar com a empresa para o que precisasse. Isso não quer dizer que ele deixou de me cobrar empenho. A cobrança continuou igual.

DINHEIRO ? Mas como costuma ser a reação das empresas com os funcionários doentes?
MARAFANTI
? Não sei. Eu acho que, se o chefe da pessoa não apoiar, azar do chefe. A pessoa tem de ter em mente que a saúde dela é o mais importante e que trabalho sempre há outro. A vida não se substitui.

DINHEIRO ? Essa percepção foi a sua cura?
MARAFANTI
? Eu não estou curado. A minha doença está apenas sob controle. Mas não fico nervoso com isso. Quando o medicamento que eu uso não servir mais, começo a me preocupar. E, se isso acontecer, já vai existir outro remédio para substituir.

DINHEIRO ? O sr. sempre teve essa tranqüilidade?
MARAFANTI
? Não. Eu era neurótico, ficava remoendo problemas, virava a noite pensando em como solucionar determinado problema. Até que eu decidi ?departamentalizar? a minha vida, minhas emoções e meus problemas.

DINHEIRO ? Essa decisão atrapalhou ou melhorou a sua produtividade?
MARAFANTI
? Melhorou muito. E isso não acontece só comigo, mas com todo mundo. Quando se está no trabalho, há que se cuidar dos problemas do trabalho. O segredo é não levar problema de trabalho para casa e vice-versa. Isso ficou cristalino para mim.

DINHEIRO ? No setor corporativo existe isso? Os executivos estão ligados 24 horas sempre…
MARAFANTI
? São coisas diferentes. Uma é estar ligado 24 horas por dia. Outra é estar estressado por 24 horas. Você pode estar ligado o tempo todo e não ficar sobrecarregado. Mas tem que departamentalizar.

DINHEIRO ? Como fazer isso?
MARAFANTI
? Já fui empresário e acho que o bom empresário, o bom executivo nunca desliga. Você pode estar em Jericoacoara, no Ceará, e ouvir alguém do lado comentar algo interessante que pode virar um contato de negócios. Outra coisa é você ir para a praia e ficar pensando nos problemas que ficaram. Se for assim, não vá para o Ceará. É melhor ficar cheirando fumaça em Cubatão.

DINHEIRO ? Isso não é fácil de fazer.
MARAFANTI
? Sim, mas é um exercício. Os problemas nunca vão acabar. Mas não dá para viver em estress, com excitação o tempo inteiro. O problema que existe hoje é que ou a pessoa fica alienada ou é o workaholic. É preciso achar um meio termo. Mudar é treino.

DINHEIRO ? Comportar-se assim depende mais de postura pessoal ou da cultura das empresas? Como ser assim em tempos tão exigentes?
MARAFANTI
? Se você está numa empresa americana, por exemplo, há horário de trabalho. Cinco horas cai o lápis. As pessoas conseguem ter qualidade de vida e uma produtividade no trabalho muito maior. É um estágio. Tem chefe que valoriza quem se mata, mas não deveria ser assim. Há uma diferença em dar um gás, virar a madrugada para concluir um trabalho. Mas não há quem agüente ficar nesse ritmo por tempo indeterminado. As coisas têm um limite.