14/11/2012 - 21:00
O que dizer sobre o arquiteto Oscar Niemeyer? Em seus 104 anos de vida, praticamente tudo foi dito e redito a respeito dele. Seria desnecessário classificá-lo como um gênio. Ou um visionário. Muito menos como a mente mais criativa que a arquitetura brasileira já produziu. Poderia soar repetitivo afirmar que seus rabiscos curvos de tinta no papel criaram os principais cartões-postais do País. Quem não se lembra, afinal, que de suas mãos surgiu Brasília, a planejada capital federal, no meio do cerrado goiano, em apenas três anos e meio? Em São Paulo, o edifício Copan se impõe como onda em uma metrópole sem mar.
Na capital de Minas Gerais, a moderna Cidade Administrativa abriga as principais repartições públicas do Estado, em harmonia com o horizonte. Em seu Estado natal, o Rio de Janeiro, um legado definitivo é uma obra da maturidade, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Além da inspiração no traço e nas propostas, cada obra projetada por Niemeyer era um autêntico desafio a tantos quantos se envolviam na arte de construir. Traduzir em materiais e calcular com precisão o volume em que estes seriam empregados para colocar de pé o fruto de sua imaginação foi um desafio permanente, que contribuiu para o avanço da indústria da construção no País.
Descrever a genialidade do comunista carioca Niemeyer talvez seja possível apenas contemplando suas criações, replicando seus pensamentos – o que peço permissão para fazer a partir de agora. Em uma de suas tentativas de definir a vida, ele disse, com a simplicidade que alimentava sua criatividade: “Amo a vida e a vida me ama. Somos um casalzinho insuportável.” Numa outra ocasião, questionado sobre a viabilidade de transformar suas curvas em concreto, afirmou: “A gente tem de sonhar, senão as coisas não acontecem.” Indiscutivelmente, Niemeyer enxergava o mundo com um olhar único. Talvez porque tivesse um especial carinho pelas formas. “Se a reta é o caminho mais curto entre dois pontos, a curva é o que faz o concreto buscar o infinito.”
E suas inspirações nunca estiveram nos livros acadêmicos. Ele as encontrava em qualquer obra da natureza, por mais simples que fosse. “Quando se vê um arvoredo, o mais importante não são as árvores, mas os espaços entre elas.” Niemeyer não apenas ficará imortalizado nas obras que concebeu, mas será eternizado como um dos ícones da criatividade brasileira mundo afora, expresso nos projetos que ele próprio assinou e nos trabalhos de gerações de arquitetos que influenciou. Foi ele quem projetou o Brasil no círculo dos grandes pensadores contemporâneos, assim como João Gilberto e Tom Jobim fizeram com a nossa música lá fora. Niemeyer era um humanista. “Toda escola superior deveria oferecer aulas de filosofia e história.
Assim fugiríamos da figura do especialista e ganharíamos profissionais capacitados a conversar sobre a vida.” Era também um defensor da ideia de que a inteligência e senso de humor caminham juntos. “Existem apenas dois segredos para manter a lucidez na minha idade: o primeiro é manter a memória em dia. O segundo, não me lembro.” Sem perder a classe e a paixão pela vida, Niemeyer desenhou o último capítulo de sua vida na quarta-feira 4. No começo da noite em um hospital da capital fluminense, tratando de uma infecção renal, pediu café e pastel. Discreto e imponente como suas ideias, se despediu. Como ele mesmo disse certa vez: “A vida é um sopro.”