A onda de má sorte da empresa também se espraia pelos mercados em que atua. O faturamento do setor de autopeças caiu 12,4% no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Sindipeças, entidade que representa as fabricantes do setor. “Com o arrefecimento do mercado, nossa receita deve ser 4% menor este ano”, diz Besaliel Botelho, CEO da Bosch na América Latina. Para piorar, as perspectivas não são nada boas. “Sei que o mau momento na indústria automobilística vai passar no Brasil e que logo voltaremos a crescer, mas não posso dizer o mesmo da Argentina”, diz Botelho.

“E não existe Brasil que vai bem sem a Argentina.” Para amenizar seu inferno astral, a Bosch começa a testar algumas cartas escondidas na manga, provenientes de seu porte e da diversificação de seu portfólio de negócios – além de autopeças, a empresa fabrica eletrodomésticos, ferramentas e equipamentos de segurança para mineradoras. “Vamos expandir nossas atividades em países latinos que crescem mais do que o Brasil e a Argentina, como Chile, Colômbia e Panamá”, diz Botelho. “No Chile, temos lucrado vendendo equipamentos e serviços para a indústria de exploração de cobre.”

Além disso, a companhia criou, no ano passado, uma divisão de novos negócios. Chamada de “new business team”, sua função é buscar novos mercados a serem explorados. Dessa maneira, a Bosch ficaria menos dependente do setor automobilístico. Segundo Luiz Carlos Mello, ex-presidente da Ford no Brasil, as fornecedoras de peças sofrem muita pressão das montadoras. “O modelo de produção das fabricantes de automóveis trabalha com margens altas e preço final baixo”, diz Mello. “É um assunto delicado.” Cerca de 70% do faturamento da Bosch, que foi de R$ 5,1 bilhões na América Latina, vem das vendas do setor automobilístico.

O restante das receitas vem da comercialização de ferramentas elétricas, como furadeiras e parafusadeiras, e de insumos e serviços para a indústria de construção. No caso dos eletrodomésticos, a Bosch, que produziu equipamentos como geladeiras, fogões e micro-ondas para o mercado premium, vendeu suas operações no Brasil para o grupo mexicano Mabe, dono das marcas Continental e Dako, em 2009. Na esfera jurídica, a estratégia desenhada para se livrar de uma eventual punição pela formação de cartel é de colaborar com a Justiça.

Ao tomar a iniciativa da autodenúncia, através do acordo de leniência, a companhia recebeu uma garantia de imunidade. Na prática, não poderá ser processada – o que não a livra, no entanto, de ter de pagar uma multa sobre os lucros obtidos de forma ilegal, futuramente. De acordo com o Cade, a Bosch e a concorrente japonesa NGK definiam previamente os preços que seriam praticados para a venda de velas de ignição – componente do motor responsável por “dar a partida” no carro. As duas empresas também decidiam a distribuição das montadoras que caberiam a cada uma.

Praticamente todas as fabricantes de automóveis que atuam no País foram afetadas. Afinal, como afirma Botelho, não há um carro no Brasil e na Argentina que funcione sem os produtos da empresa alemã,que fabrica desde airbags até freios, buzinas e injeção eletrônica. A NGK, por outro lado, não revelou se vai colaborar com as investigações. Segundo sua assessoria de imprensa, a empresa ficou sabendo do acordo entre Bosch e Cade pelos jornais e não confirmou a participação no esquema. “Ao longo de mais de cinco décadas, nossa conduta foi regida pela ética e pela legalidade”, disse em nota a companhia, que é comandada no Brasil pelo japonês Mikihiko Kato.