23/08/2006 - 7:00
Dias atrás, ao remexer nos arquivos pessoais, guardados numa casa de campo em São Paulo, André Lara Resende achou no fundo do baú seu último artigo publicado na Folha de S. Paulo. Era uma crônica de 1998, editada na segunda página do jornal. O encontro acidental com o passado evocou a lembrança de um diálogo, travado no mesmo ano, entre o economista e o empresário Octávio Frias, dono da Folha. Frias insistia para que André, uma das mentes mais brilhantes da sua geração, não abandonasse a vida pública. E com a autoridade de amigo do escritor Otto Lara Resende, pai de André e também ex-articulista da Folha, Frias dizia: ?Ele jamais o perdoaria por isso”. Essa conversa entre os dois ocorreu no momento em que André, alvejado pela divulgação dos grampos do BNDES na própria Folha, já havia decidido deixar o governo. E, do encontro, restou aquilo que os franceses chamam de réflexion d?escalier, uma ?reflexão de escada?. É a resposta que só funciona se dita de bate-pronto. Presa na garganta, ela foge, desce a escada e nunca mais é alcançada. ?Mas por que você me elogia tanto em privado, se o seu jornal me esculhamba em público??, André gostaria de ter perguntado ao dono da Folha.
Embora tenha descido as escadarias da memória, esse pensamento voltou a assombrar a mente de André na noite da terça-feira 15, quando ele recebeu o prêmio de ?Economista do Ano?, pela Ordem dos Economistas do Brasil. Isso porque, em sua primeira aparição pública após anos de planejado ostracismo, André foi cercado por empresários, banqueiros e jornalistas que lhe faziam a mesma cobrança: por que não retornar à vida pública? Era como se esperassem dele um novo lance de genialidade. Afinal, foi André quem publicou, em 1984, o artigo ?A Moeda Indexada?, que lançou a semente da URV e que, mais tarde, foi a base do ?Plano Larida?, o embrião do Real, feito em parceria com Persio Arida. Graças à força dessa idéia, um grupo de economistas da PUC-RJ conseguiu, em 1994, começar a apagar a inflação da história econômica do País. No entanto, 12 anos depois, André continuava fugindo da questão. ?Não tenho vocação?, dizia a uns. ?Já não tenho mais nada a oferecer?, pontuava a outros. ?Não tenho estômago?, concluía.
Há um quê de verdade em cada uma das respostas, mas o drama vivido por André em 1998, com a divulgação dos grampos sobre a privatização da Telebrás, dirigiu sua vida intelectual nos últimos anos. Numa das gravações, André falava em ?acionar a bomba atômica? ? o presidente Fernando Henrique ? para que a Previ apoiasse um dos consórcios. Traumatizado, André não só deixou o governo como deixou o País. Foi viver na Inglaterra, como fellow scholar da Universidade de Oxford. Chegou a escrever um ensaio sobre a atuação da imprensa e a desmoralização da vida pública, que está guardado numa de suas gavetas. ?Os jornais hoje já não têm rabo preso com anunciantes, mas têm rabo preso com a audiência?, diz ele. ?E isso, em mercados competitivos, cria a tentação sensacionalista.?
Mas o que isso tem a ver com a economia? Tudo, diz ele. Na visão de André, não haverá solução para questões como pobreza e desigualdade, alguns dos impasses econômicos atuais, fora da política. E os incentivos para que uma pessoa ? bem-intencionada, é claro ? se aventure na vida pública são cada vez mais escassos. ?O Brasil só perde por tratar tão mal aqueles que se dedicam ao setor público?, endossa Gustavo Franco, companheiro de André no Plano Real, que lhe entregou o prêmio. Longe do governo, o pai da URV hoje vive bem. Ainda participa de corridas de Porsche quando vem ao Brasil e encontra tempo para rever amigos como Armínio Fraga e Edmar Bacha. Na Europa, ele pretende dividir seu tempo entre Londres e Lisboa ? André acaba de comprar uma quinta em Portugal. Se alguém lhe pergunta sobre juros, crescimento ou câmbio, ele muda de assunto. ?Sou um economista jubilado?, brinca. Depois de ajudar o Brasil a se livrar da inflação, André só não se livrou dos seus fantasmas pessoais.