RESUMO

● Estimativa é que a atividade econômica dos mercados em que Musk atua movimente cerca de US$ 400 bilhões nos próximos dez anos só no Brasil
● Brasil reúne condições políticas, geográficas e sociais melhores do que outros países para a exploração de lítio e níquel – minerais de grande interesse de Musk, fundamentais para seus veículos elétricos
● Musk tem duas empresas menos conhecidas, Neuralink e a xAI, que, para crescer, precisam absorver dados. E o Brasil é uma grande amostragem para auxiliar o desenvolvimento de tecnologias generativas
● Especialista diz que todo o fluxo de informações que circula na Amazônia está sob controle do grupo estrangeiro: dados das Forças Armadas, Saúde, Educação, biomas e ambientais passam pelas redes de satélite de Musk

Estavam em uma sala de conferências um empresário bilionário, um ex-presidente dos Estados Unidos e 15 dos mais renomados professores ligados à tecnologia e internet do mundo. Pode até parecer a introdução de uma anedota, mas foi uma situação real. O ano era 2022 e eles debatiam interesses políticos, econômicos e sociais olhando para um imenso mapa mundi. Tratavam sobre a importância do controle da narrativa em uma era ultraconectada, avaliavam os melhores mercados e os direcionamentos políticos em locais estratégicos. México, Brasil, Rússia, Alemanha, Índia e China estavam entre os países marcados pela cúpula como de interesse potencial (seja como problemas ou oportunidades).

Corta para 2024. Donald Trump derrota Kamala Harris com ampla maioria e se torna o 47º presidente da maior economia do mundo. Elon Musk, que agora detém a própria rede social e consolidou seus negócios pelo mundo, tornou-se arauto de uma nova onda conservadora-tecnológica global.

Dois anos após o encontro, e mais juntos do que nunca, eles prometem uma revolução no entendimento do mundo sobre Inteligência Artificial, digitalização, negócios on-line e transferência de dados. Em meio a uma nova era de transformações, abrem-se mercados. Opositores desse pensamento viraram detalhes circunstanciais, e não há limites para essa mudança. Pelo menos é o que eles esperam.

As ambições de Musk são justificadas pela sua trajetória meteórica como empresário, que chacoalhou diversos setores depois de adotar os Estados Unidos, após uma infância solitária e apagada (com problemas de desempenho) na África do Sul. Depois de fracassar como sócio do PayPal, redefiniu o mercado automobilístico ao criar a Tesla, que se tornou a maior montadora do mundo em valor de mercado com uma aposta radical em carros elétricos. Com a SpaceX, mudou o conceito de viagens espaciais e abriu caminho para a exploração privada do espaço. É essa aspiração desmedida que chega agora ao governo Trump.

(Chandan Khanna) (Crédito:AFP)

A SpaceX mudou o conceito de viagens espaciais e abriu caminho para a exploração privada do espaço. É essa ambição que chega ao governo Trump.

A descrição do encontro citado acima foi dada por Jéssica Trancik, professora de economia para tecnologia com foco em Inteligência Artificial do Massachusetts Institute of Technology (MIT), maior polo do pensamento tecnológico atual. Ela, que esteve presente na reunião, contou à DINHEIRO como o Brasil, àquela época, figurava no olhar de Trump e Musk. “Há imensos potenciais no Brasil. Além de tudo que envolve acesso à internet, há outros negócios que podem ser explorados pelas empresas de Musk, em especial as de lítio e níquel”, afirmou.

Somando o potencial dos negócios diretos ou indiretamente afetados por mercados em que Musk atua ou tem interesse em atuar, a estimativa é que a roda econômica movimente cerca de US$ 400 bilhões nos próximos dez anos só no Brasil.

E essa perspectiva explica, em parte, as últimas movimentações de Musk por aqui. Em 2022, ano do encontro que abriu este texto, governava o País o então presidente Jair Bolsonaro, um político que já havia deixado claro seu apreço pela forma como Musk conduzia seus negócios, além de se autointitular o “Trump dos Trópicos”, tamanho alinhamento dizia ter com o ex-presidente americano.

Em maio daquele ano, Bolsonaro e Musk firmaram acordo com a Starlink, o braço de internet via satélite da SpaceX, gigante do setor aeroespacial comandada por Musk. A parceria buscava levar internet a 19 mil escolas nos rincões do Brasil, em especial na região Amazônica. Na segunda etapa do projeto, seria possível mapear via satélite regiões mais afastadas, coletar dados biológicos e de biomas, além de expandir os estudos para boa parte da América do Sul.

Ministro do STF Alexandre de Moraes foi o algoz do X no Brasil e levou o tema para discussão no plenário do Supremo (Crédito: Ton Molina)

Também em 2022 Elon Musk anunciou a compra do Twitter. Rede social de textos curtos que era popularmente conhecida por abrigar discursos de todos os espectros políticos – inclusive os extremos. Com a regulamentação das redes sociais em diversos países, o apelo (e valor de mercado) do Twitter despencou. A desvalorização, entre 2020 e 2022, ficou na casa dos 45%.

Mesmo diante desse cenário, Musk desembolsou US$ 44 bilhões para comprar a companhia, que, meses depois, passou a se chamar X. Ao enfrentar os países que queriam, nas suas palavras, “calar a população”, Musk despertou uma maratona de processos sobre a anuência da plataforma a discursos de ódio e ao acobertamento de usuários que cometiam crimes virtuais.

  • No Brasil, a briga envolvendo o X colocou Alexandre de Moraes, ministro do STF, como algoz da rede social no Brasil, mas ele foi apenas uma das personas que Musk enfrentou pelo mesmo motivo.
  • Na Alemanha, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália, houve processos bastante similares – mas só por aqui a rede social acabou efetivamente suspensa.
  • Nesse ponto, e com o Brasil representando apenas 2% das receitas globais da empresa, era esperado que Musk deixasse o mercado brasileiro de lado, mas não foi o que aconteceu.
  • Depois de quase dois meses de suspensão, Musk negociou o retorno da plataforma no Brasil, no que parecia uma vitória de Moraes.

Fora do Brasil, no entanto, a percepção é outra. Segundo James Porteba, professor de economia do MIT, o valor do X no Brasil é indiretamente econômico. “Não é sobre receitas, é sobre influência política e social. A compra do X nunca foi sobre faturamento, mas sobre como capitalizar com movimentos de massa”, afirmou.

Elon Musk, Donald Trump, Donald Trump Jr. e o futuro secretário de Saúde Robert F. Kennedy Jr. (de gravata): governo em formação (Crédito: Divulgação)

Novos projetos

Se é possível entender como e por que o X se encaixa no emaranhado econômico e político brasileiro, alguns dos outros interesses de Musk são menos evidentes.

● Com a expectativa de explosão na demanda por carregadores elétricos e a inevitável transição energética para diminuir a dependência dos combustíveis fósseis, outros minerais devem se tornar o petróleo da próxima década.
● No topo dessa lista, lítio e níquel, dois minerais que devem ter a demanda quintuplicada até 2030, segundo a OCDE. Neste contexto, o Brasil tem importantes reservas, ainda que não figure entre as maiores do planeta.
● Estima-se que 53% do lítio na América Latina esteja concentrado em países como Chile, Bolívia e Argentina.
● De acordo com o Serviço Geológico dos Estados Unidos, o Brasil tem a 15ª maior reserva de lítio, com 800 mil toneladas do minério estimadas. Esse número, no entanto, é questionado pelo Ministério de Minas e Energia, que defende ser do Brasil a sétima colocação no ranking, com mais de 1,2 milhão de toneladas de lítio.
● O mesmo vale para o níquel, que o Brasil possui mais de 30 milhões de toneladas para exploração e figura entre as dez maiores reservas do planeta.

A primeira-dama Janja, durante o evento G20 Favelas, falou “Fuck You, Musk” após a internet no evento ocilar e ela dizer que ele não a intimidava (Crédito: Luis Robayo) (Crédito:AFP)

Seja entre os dez ou entre os vinte maiores, o fato é que o Brasil reúne condições políticas, geográficas e sociais melhores para a exploração dos minerais do que outros países, em especial pelo avanço de pesquisas para extração. E não é apenas Musk que sabe disso. Em outubro, correu pelo mercado financeiro mundial a informação de que a chinesa BYD estaria em negociação para aquisição da Sigma Lithium, o que poderia ampliar bastante a capacidade de extração do minério por preços menores que os praticados pela Tesla. Com a aproximação do Brasil e da China, em especial com os presidentes Lula e Xi Jinping, a abertura da exploração para os chineses seria um risco operacional para a Tesla, a maior das empresas de Musk.

O caminho está aberto. No fatídico ano de 2022, o governo Bolsonaro publicou um decreto abrindo a exploração de lítio no Brasil ao determinar que a exportação e importação do mineral “não são sujeitas a critérios, restrições, limites ou condicionantes de qualquer natureza, exceto aqueles previstos em lei ou em atos editados pela Câmara de Comércio Exterior – Camex”. Conversas palacianas deram conta que Musk havia enviado ao presidente Bolsonaro uma carta de intenções para a exploração do mineral e usaria, inclusive, uma nova estatal para dividir a exploração. O assunto, no entanto, não saiu do papel.

“Com a entrada de Musk no governo norte-americano, ele ganha uma carta nova para apresentar ao mundo. Passa a negociar em nome da maior economia do mundo. A conversa tem outro nível”, disse Porteba. Segundo o professor do MIT, ainda que não pareça óbvia uma aproximação de Lula com Trump, na política e na economia “tudo é circunstancial”.

Também apostando no futuro, Musk já afirmou que seu papel dentro do governo Trump será prezar pela eficiência no que chamou de “era da explosão dos dados e da Inteligência Artificial”. E até nesse ponto o Brasil se torna interessante. Há duas empresas menos conhecidas de Musk que, para crescer, precisam absorver dados. E o Brasil é uma grande amostragem para auxiliar o desenvolvimento de tecnologias generativas. São elas a Neuralink e a xAI, nascida em julho deste ano e que já captou US$ 11 bilhões em rodadas de investimentos ao fazer frente à OpenAI

Olhando o céu

A nova era de exploração espacial também é umas das prioridades do bilionário. Em janeiro de 2022, a Anatel aprovou o uso dos satélites Starlinks, da SpaceX, no País. De acordo com a Anatel, das atuais 398 mil assinaturas de banda larga de internet via satélite, 149 mil são da Starlink Brasil, o que representa 37% do total dos contratos de internet.

Para o professor da Universidade Federal do ABC Gilberto Maringoni, na era da conexão, ter dados é ter poder. “Todo o fluxo de informações que circula na Amazônia está sob controle do grupo estrangeiro.” Segundo ele, dados das Forças Armadas, Saúde, Educação, biomas e ambientais passam pelas redes de satélite de Musk.

Em outubro, depois do conflito de Musk com a Justiça brasileira, o Ministério Público do Tribunal de Contas da União (MP-TCU) pediu que o Tribunal exija informações do governo federal de quais contratos mantém com a Starlink, incluindo as Forças Armadas. Curiosamente, foi três dias após a incitação do TCU que o empresário cedeu às interpelações de Moraes sobre o X, e aceitou as condições para atuar no Brasil.

Mostrando como o tema é sensível para o americano, Lula e Xi Jinping assinaram um acordo na terça-feira (19) para que a chinesa SpaceSail, concorrente direta da Starlink, forneça internet via satélite ao Brasil. O fato aconteceu, inclusive, um dia após a primeira-dama, Janja, durante o G20 Favelas dizer “fuck you, Musk” após a internet no evento oscilar. No dia seguinte, inclusive, Lula precisou reforçar que troca de farpas e xingamentos não leva ninguém a lugar algum.

Mas, quando o assunto é a exploração dos céus, ainda não há decoro. A expectativa da OCDE é que a indústria espacial global deve movimentar cerca de US$ 1 trilhão em 2030. A cifra contempla vários subsegmentos do setor e mostra um crescimento de 330% em relação aos números movimentados em 2021.

Para Rubens Nogueira Filho, professor de tecnologia espacial do ITA, o Brasil pode abocanhar pelo menos US$ 200 bilhões, caso se torne referência global para uso de satélites nos próximos 10 anos. “Sem dúvida pode ser líder na América Latina, mas precisa desenvolver a tecnologia e exportar, e não apenas deixar que um estrangeiro o faça”, disse.

Cargo no governo dos EUA

Onde tem bons negócios, o lado empresário de Donald Trump acompanha. Por isso, inclusive, ele anunciou, dias após sua vitória, que Musk seria o chefe do novo Departamento de Eficiência Governamental. Segundo Trump, o objetivo do órgão será realizar reformas estruturais de grande porte e criar uma “visão empresarial para o governo nunca antes vista”. Isso talvez não seja uma coisa boa.

Segundo Ryan Mac, um dos autores de Limite de Caracteres: Como Elon Musk Destruiu o Twitter, o papel do bilionário à frente da rede social foi “empurrar as pessoas para extremos políticos e afastá-las do debate honesto sobre os rumos do país”. De acordo com a imprensa americana, colocar Musk no governo abre caminho para conflitos de interesse: as empresas do bilionário trabalham de perto com diversos setores do governo americano, em especial o aeroespacial e de Defesa, com a SpaceX.

Mas, ainda assim, nada impediu que o mercado financeiro vibrasse com a notícia. As ações da Tesla dispararam, e o patrimônio de Elon Musk saltou US$ 15 bilhões, para US$ 319 bilhões. Isso porque surgiu uma notícia que Trump estuda regular veículos autônomos assim que assumir o cargo. Aqui, cabe citar outra sala da reunião em que Musk estava em 2022. Musk, em reunião com os diretores de sua recém-comprada rede social, teria dito em uma teleconferência: “Meu estilo é esse. Primeiro quebre, depois conserte”.