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O engenheiro Gianni Coda recosta-se na cadeira em frente à mesa de reunião, em sua sala. Ali, meio largadão, pernas esticadas para a frente, retira um cigarro do maço de Carlton, acende-o e dá uma baforada. Enquanto solta a fumaça, um gesto repetido centenas de vezes ao longo do dia, gesticula com as mãos (afinal, é um italiano) e fala em um português carregado de sotaque. ?Nós não corremos atrás da liderança. Perseguimos uma boa posição no mercado e rentabilidade?, diz ele para, em seguida, erguer o tom de voz. ?Agora, se tivermos de fazer guerra com a concorrência, nós fazemos. Se a guerra tiver de ser pesada, ela será.?

Eis o engenheiro Gianni Coda, principal executivo da Fiat Automóveis na América Latina. Eis uma clara demonstração de seu estilo de trabalho e de fazer negócios: a alternância de frases políticas com declarações francas e objetivas e, por isso mesmo, provocativas. Pode-se concordar ou não com esse jeitão de ser. Pode-se chamá-lo de ciclotímico. Mas foi assim, batendo aqui alisando ali, que o engenheiro Coda colecionou duas conquistas marcantes para a Fiat. Primeira: o balanço de 2000 estampa um resultado azul significativo. As primeiras estimativas indicam que o lucro foi de R$ 250 milhões, para um faturamento de R$ 5,5 bilhões. Segunda: neste ano, pela primeira vez em 25 anos de história no Brasil, a empresa conquistou a liderança do mercado, com uma participação de 29,8%, deixando para trás a líder histórica, a Volkswagen com 29,4%.

Nunca a Fiat havia despachado um executivo do porte de Coda para tocar as operações brasileiras. Em geral, eram profissionais do segundo escalão da companhia, em fase de preparação para atingir vôos mais altos. Com Coda é diferente. Ele faz parte de uma espécie de tropa de elite do grupo italiano. São sujeitos com larga experiência internacional, passagens por diversos negócios e conhecimento de variadas áreas dentro de uma empresa. Aos 54 anos, 22 dos quais dedicados à Fiat, Coda trabalhou nos Estados Unidos, Bélgica, Alemanha e Inglaterra, além da Itália, é claro. Seu currículo inclui atuação nos setores siderúrgico, de máquinas agrícolas e ferroviário. A herança de tal trajetória foi uma forte visão global. Coda fala com desenvoltura de mercados tão diferentes como o brasileiro e o chinês. A experiência diversificada também dotou-lhe da capacidade de tomar decisões rápidas e certeiras. Em menos de quatro meses de América Latina, fechou uma fábrica deficitária na Venezuela, remodelou a operação argentina e investiu US$ 500 milhões de dólares no Brasil (leia quadro à pagina 72). ?Sempre falo aos meus filhos: a cada três anos, busquem nova especialização. Depois de dez anos, vocês estarão prontos para qualquer parada?, diz.

Coda não poderia realmente vacilar diante do quadro que encontrou ao desembarcar por aqui, em agosto de 1999. Um mês antes, em uma manhã ensolarada de sábado, fora chamado no escritório do chefão da Fiat no mundo, Paolo Cantarella. Ali, em uma rápida reunião, foi informado (e não convidado) sobre seu novo desafio. A indicação para o Brasil foi, conforme comenta-se nos corredores da empresa, um exílio dourado. Coda teria mantido uma queda-de-braço com Cantarella durante o processo de sucessão de Césare Romiti para o posto número um da companhia no mundo. Cantarella foi o ungido e, para se livrar da presença incômoda do adversário, despachou-o para longe. Mas não teve força suficiente para impedir que Coda aterrissasse na subsidiária mais importante da Fiat Automóveis, responsável por 20% dos negócios mundiais da empresa.

Um tremendo desafio, constatou rapidamente. O mercado desabara 40% em um período de dois anos. A subsidiária brasileira era uma empresa sem garra ou disposição de reagir diante do vermelho que inundava o balanço. ?Encontrei uma empresa dividida em feudos, onde as pessoas não conversavam entre si?, diz ele. ?A recessão era justificativa de tudo.? Coda não fala, mas outro ingrediente entornara o caldo da Fiat: a queda repentina e misteriosa de Giovanni Razelli, até então o todo-poderoso no Brasil. Mais do que as planilhas de vendas, a saída do executivo, surpreendente e mal-explicada, criou um clima de insegurança e desmotivação entre os funcionários.

Coda não anunciou grandes reestruturações, como se costuma fazer nessas situações. Seguiu o estilo de um pregador religioso, preocupado em difundir mandamentos: trabalho em equipe, transparência e muita conversa. ?Não demiti um só profissional. Não mexi em uma só peça do organograma. Não criei um só novo departamento?, diz ele. De cara, convocou uma reunião com os 100 gerentes da empresa para expor a situação e buscar saídas para a crise. Desde então, todos os meses, ele reúne os executivos para mostrar os resultados. Coda aproveita a ocasião e dá lições de gestão de empresas. A sessão é encerrada com uma rodada de questões. ?O que é criar valor para a empresa??, pergunta para um. Se o executivo erra, recebe uma ovação puxada por Coda ? além de correr o risco de ser questionado novamente na reunião seguinte. ?É uma espécie de segunda época?, brinca ele.

? Em 20 meses, lançou oito modelos de automóveis no Brasil

? Na Venezuela, ele fechou fábrica e aumentou a fatia da Fiat

? Coda reduziu a linha de carros e estancou o prejuízo na Argentina

Os participantes são estimulados a transmitir para seus subordinados as informações que recebem. ?Esse comportamento se espalhou pela companhia?, diz um dos gerentes, Sérgio Oliveira. ?O principal executivo influencia o comportamento de todos. A empresa hoje é mais informal.? É o que Coda chama de ?pedagogia do exemplo?. Não há festas de funcionários em que ele não esteja presente. Pode ser a entrega de um prêmio interno, pode ser festa de debutantes para filhas de funcionários, e lá está o italiano. Em um desses encontros, no final de 2000, 45 mil pessoas, entre funcionários e familiares, visitaram as instalações da empresa. Nunca Coda vira tanta gente da Fiat reunida em um só evento. Na hora do sorteio de dois automóveis para os convidados, ele ordenou que mais dois carros fossem sorteados. Com os executivos, prefere jogar tênis, e ganha invariavelmente ? graças aos próprios méritos, garantem os adversários. Em outras ocasiões, reúne alguns deles em torno de uma refeição preparada por ele. Bacalhau e javali são as especialidades.Fora da empresa, o ambiente encontrado por Coda era menos amistoso. Os atritos entre a montadora e a rede de concessionárias eram históricos. Mais uma vez, Coda adotou a política do corpo-a-corpo. Desde sua posse, visitou pessoalmente 70% das revendas em todos o País. ?Conheço todos os Estados brasileiros?, garante ele. Nos finais de semana, toma um jatinho e percorre uma região. Lá se encontra com concessionários. ?Não são visitas paroquiais. São reuniões de trabalho?, diz. Sua primeira ação é apelar para o diálogo. ?Precisamos trabalhar juntos?, diz ele. Senta-se com eles e relaciona todos os problemas. A seguir, ali em torno de uma mesa de jantar ou de uma escrivaninha na loja, ele percorre cada ponto da lista e oferece a solução no mesmo momento. Quando isso não é possível, marca uma data para dar a resposta. ?O importante é respeitar religiosamente o que foi combinado?, diz ele. Nessa peregrinação, nasceram decisões importantes. Os prazos de pagamento subiram de cinco dias para 20 dias após a entrega do veículo. Com taxas de juros nas nuvens, a medida tem o efeito de um refresco no deserto.

Coda, porém, alternava o jeitão conciliador com trombadas barulhentas. Em uma de suas primeiras visitas, um concessionário apanhou-o no aeroporto e no caminho para a revenda alertou sobre ?a guerra com a Fiat?. O italiano mandou parar o carro: ?Pode voltar para o aeroporto. Se você falar em guerra, volto para Betim. Mas se falar em problemas e soluções, conversaremos.? O concessionário corou, pediu desculpa e seguiu caminho. Em fevereiro passado, Coda ligou para ele. Encontrou-o feliz da vida. As vendas que, no primeiro encontro, estavam em 120 carros por mês, saltaram para 350.
As conquistas de Coda na filial brasileira podem pavimentar o caminho rumo ao posto mais alto do QG da Fiat em Turim. Coda não fala sobre o assunto. Desconversa e usa o argumento típico para essas situações. ?Minha prioridade é o Brasil?, diz ele. ?Não tenho prazo para voltar à Itália.? Ao embarcar para cá, Coda deixou a família lá ? a segunda mulher e uma filha de oito anos. Os dois filhos do primeiro casamento, gêmeos de 25 anos, também não o acompanharam. Além disso, se desfez de uma adega de 3 mil garrafas de vinho, pois não teria condições de cuidar pessoalmente dela. Vinho é uma de suas paixões. Segundo os amigos, é capaz de reconhecer alguns pelo cheiro. Em sua opinião, os tintos de Piemonte são imbatíveis, assim como os brancos da região ao norte de Veneza. Nos eventos sociais da Fiat, ele dá sugestões, sempre acolhidas, sobre as bebidas a serem servidas. Sua opinião também foi fundamental na decisão de investir em marketing esportivo, com patrocínio a times de futebol. Um dos eleitos foi o Atlético Mineiro, time adotado por Coda para substituir o Fiorentina, clube pelo qual é fanático. A escolha do Galo, garantem os executivos da Fiat, foi mera coincidência.