14/11/2012 - 21:00
Investidores felizes com os lucros de suas aplicações vão a restaurantes de luxo. Investidores infelizes com seus prejuízos vão a seus advogados. Foi o que fizeram diversos municípios australianos ao processar o banco holandês ABN Amro por ter recomendado derivativos de crédito bastante rentáveis que, aparentemente, eram isentos de risco. Ao julgar o banco, o Tribunal Federal da Austrália, a autoridade judicial mais alta do país para assuntos não constitucionais, não apenas o condenou. Na segunda-feira 5, a corte também considerou a agência americana de classificação de risco Standard & Poor’s corresponsável pelo ocorrido, fato inédito no mercado.
Ao avaliar o risco dos derivativos, a agência considerou que eles eram seguros para investir. Os municípios acreditaram e, posteriormente, tiveram de arcar com os prejuízos. Os derivativos de crédito foram, em última análise, os responsáveis pela crise bancária que se abateu sobre os Estados Unidos em 2008 e levou de roldão boa parte das economias. Esses contratos sofisticados serviram para banqueiros de investimento agruparem empréstimos imobiliários de má qualidade e venderem-nos como títulos seguros, e essa falsa segurança foi chancelada pelas agências de classificação de risco.
Na hora de cobrar os devedores, ficou claro que títulos considerados de excelente qualidade não tinham nenhum valor, algo que as agências de avaliação falharam tragicamente em perceber. Não foi o primeiro caso. Em meados de 1994, todas as agências atribuíam baixo risco aos títulos da dívida mexicana denominados em dólares. No fim daquele ano, o México simplesmente não conseguiu honrar seus compromissos, o que lançou uma sombra de dúvida sobre todos os países da América Latina, e tornou mais difícil o trabalho do governo brasileiro nos primeiros meses do Plano Real. No caso australiano, os modelos matemáticos de análise de risco da Standard & Poor’s adotaram, sem discussão, as premissas do banco holandês.
Como resultado, contratos que não eram apenas arriscados, mas que assumiam riscos sucessivamente maiores em caso de prejuízo, foram considerados tão seguros quanto os títulos do Tesouro americano. A Standard & Poor’s anunciou que vai recorrer da decisão. Nos casos semelhantes, em sua maioria correndo em tribunais americanos, a estratégia de defesa das agências de classificação de risco – a Moody’s e a Fitch são as concorrentes mais conhecidas –, é frisar que suas avaliações não são recomendações de investimento, mas apenas opiniões. Além disso, elas ressaltam que apenas investidores imprudentes tomam decisões baseadas apenas nas classificações de risco.
É por isso que a decisão judicial australiana é importante. “O banco que lança um produto financeiro contrata uma agência de classificação de risco para avaliá-lo porque essa informação é muito relevante na tomada de decisão do investidor”, escreveu o juiz que lavrou a sentença. A decisão australiana deve ser comemorada. Mesmo eximindo-se de responsabilidade, as agências de classificação de risco têm uma visão privilegiada das empresas que avaliam. Sua análise é baseada em dados muitas vezes não disponíveis aos investidores e deveria garantir a tomada de melhores decisões, e compartilhar a responsabilidade no caso de surpresas desagradáveis.