A trajetória do empresário Benjamim Steinbruch é uma seqüência de lances surpreendentes. Herdeiro do Grupo Vicunha, maior conglomerado têxtil do País, ele embarcou no trem da privatização para se tornar um dos pesos pesados da indústria de base brasileira, nome obrigatório nas páginas de notícias e nos debates econômicos do País. Em poucos anos, tornou-se controlador de dois símbolos, a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e com seu estilo arrojado angariou admiradores e inimigos. A agressividade na hora de fazer negócios lhe custou a participação na Vale do Rio Doce e a herança de uma dívida de US$ 2 bilhões na CSN. A queda parecia iminente e inevitável. Na semana passada, Steinbruch mais uma vez surpreendeu a todos, mais uma vez deu a volta por cima e, mais uma vez, deu um salto inesperado em seus negócios. Ao anunciar uma fusão com o grupo anglo-holandês Corus, uma das maiores siderúrgicas do mundo, Steinbruch alçou a CSN da condição de esforçada participante no mercado brasileiro à quinta posição no ranking mundial do setor.

Quando deu a partida nas negociações, há cerca de três meses, Steinbruch controlava uma empresa avaliada em US$ 1,2 bilhão.
Na última quarta-feira, 17, ao bater o martelo e selar o acordo,
era dono de 17,5% de um conglomerado três vezes maior,
uma participação avaliada em US$ 1,8 bilhão, Ou seja, a assinatura valeu
aos acionistas da CSN um ganho imediato de US$ 600 milhões no valor de seu patrimônio. Mais: Steinbruch torna-se o maior acionista individual de um grupo multinacional com faturamento
de US$ 14 bilhões e uma geração de caixa de US$ 2,5 bilhões anuais. ?Esse negócio revela a impressionante competitividade
da siderurgia brasileira e sua capacidade de gestão?, disse Steinbruch à DINHEIRO. ?Foi isso que os acionistas da Corus
vieram buscar por aqui.?

O negócio torna-se mais imponente por envolver o nome CSN. À semelhança da Petrobras e da Vale do Rio Doce, a empresa é uma espécie de ícone da industrialização brasileira. Foi o primeiro grande investimento em infra-estrutura realizado no País, conquistado com uma jogada de mestre pelo presidente Getúlio Vargas em meados da década de 40. O dinheiro para a construção da usina de Volta Redonda veio praticamente de graça dos cofres americanos, em troca da simpatia (e principalmente do apoio geopolítico) do Brasil na guerra contra os alemães, italianos e japoneses. Foi a partir das chapas de aço fabricadas em seus fornos que setores como o automobilístico e metalúrgico se desenvolveram no País. Diante de seus portões, fatos históricos ocorreram, a exemplo da greve de 1988, que custou a vida de três operários, e as violentas manifestações contra a privatização da companhia em 1995, quando Steinbruch assumiu o controle.

Há cerca de um ano e meio, sua trajetória começou a dar uma nova guinada. Um representante do banco inglês HSBC procurou o diretor financeiro da CSN, Lauro Resende, com uma proposta. Por que a empresa de Steinbruch e a Corus não uniam forças? Resende gostou da idéia e a levou a uma reunião de diretoria. Seu entusiasmo não foi acompanhado pelos colegas. Na ocasião, a prioridade era a compra de uma companhia nos Estados Unidos. A proposta ficou em banho-maria, até que Resende voltou à carga e convenceu Steinbruch a se encontrar com executivos da Corus. A reunião aconteceu em Nova York em julho de 2001. A partir dali, os encontros de Steinbruch com o chairman da Corus, sir Brian Moffat, tornaram-se mais freqüentes ? cercados sempre do sigilo típico desses casos. Sir Brian era chamado pelo codinome Arthur, enquanto Steinbruch recebeu a alcunha Lancelot. Os nomes foram retirados da lenda do Rei Arthur e a Távola Redonda por decisão dos dois bancos ingleses que assessoravam o negócio. ?Se a escolha fosse feita no Brasil, provavelmente usaríamos Ronaldo e Rivaldo?, brinca Steinbruch. ?Mas eles também marcaram um gol com o acordo.? Mesmo as viagens de executivos ingleses era cuidadosamente planejada para evitar vazamentos. Em maio, por exemplo, o CEO da Corus Tony Pedder desembarcou discretamente no Brasil. Durante alguns dias, visitou a CSN, a CST e a Usiminas. A inclusão de tantas empresas em seu roteiro tinha o objetivo de dar um caráter ?institucional? à sua visita, mas seus olhos já estavam inteiramente voltados para a empresa de Steinbruch.

Nos encontros, Sir Brian e Steinbruch concordaram em definir um foco para a nova companhia. Assim, a Corus vendeu negócios na área de aço inoxidável e está à procura de compradores para sua empresa de alumínio. A CSN, por sua vez, vai abrir mão das participações em usinas hidrelétricas no Brasil. ?Nosso negócio é aço?, diz Steinbruch. A gestão será compartilhada pelos dois grupos.

Mas por que a CSN transformou-se, num passe de mágica, no maior acionista individual da Corus, se sua capacidade de produção é um terço da antiga concorrente? Uma série de números e vantagens brasileiras podem dar uma resposta a essa questão. Dos fornos da siderúrgica brasileira, saem placas de aço a US$ 100 a tonelada. O preço em outras partes do mundo é pelo menos o dobro disso. A pedra de toque é a Mina da Casa de Pedra, com produção de 10 milhões de toneladas de minério de ferro por ano e fonte de matéria-prima barata para a CSN. Por essas e outras, a união das duas companhias deverá gerar uma economia anual de US$ 250 milhões.

A família Steinbruch e seus sócios, os Rabinovich, também saem fortalecidos desse casamento. A CSN amargava dívidas próximas a US$ 2 bilhões e 90% desse total estava atrelado ao dólar. Com a união com a Corus, a empresa ganha fôlego financeiro e acesso a linhas financiamentos mais baratas. Além disso, poderá utilizar a estrutura de distribuição da Corus para colocar seu produto no mercado europeu.

Durante o anúncio do acordo, numa coletiva de imprensa na Quarta 17, Steinbruch não escondia a euforia. Mais de uma vez lembrou que, agora, uma das maiores multinacionais do setor tinha controle brasileiro. Sua alegria, porém, não chegou ao outro lado do Atlântico. Na City londrina, a notícia foi recebida com frieza e até certa desconfiança. Analistas criticaram a ?desproporcional participação acionária? dada aos brasileiros. Mostraram-se também preocupados com a absorção do endividamento de US$ 2 bilhões e com a excessiva exposição da companhia ?à economia da América do Sul?. Um dos mais renitentes críticos do acordo, o jornal The Guardian, escreveu que o anúncio ?caiu como uma viga de aço sobre a City? londrina. As ações da Corus caíram 3,5% naquele dia. Steinbruch deverá ocupar o posto de Sir Brian até abril de 2004, segundo o acordo. Até lá terá de mostrar que o negócio é bom para todos os envolvidos. Será a oportunidade do Rei do Aço promover mais um de seus lances surpreendentes.

Colaboraram Christian Carvalho Cruz e Fernando Thompson

A MAIOR CONQUISTA DE LANCELOT

Juliana Simão

 

Benjamim Steinbruch era Lancelot. Sir Brian Moffat era Arthur. Com esses codinomes, os chefões da CSN e da Corus negociaram durante mais de um ano a fusão das duas companhias. Mesmo depois do anúncio do acordo, Lancelot não diminuiu o ritmo de sua atividade e concedeu a seguinte entrevista à DINHEIRO:

Como o sr. se uniu a uma empresa três vezes maior e se tornou o maior acionista do novo grupo?
O Brasil é reconhecido no mundo inteiro por sua incrível competitividade no setor siderúrgico. Temos uma tradição fortíssima em logística e produção. Graças a isso, nossa geração de caixa é surpreendente e causa inveja aos concorrentes de outros países. A CSN tem um EBITDA de 42%, contra cerca de 10% a 15% das empresas européias. Então essa foi a base para conquistar tal posição acionária.

As reações na Inglaterra não foram positivas em relação à fusão. O sr. teme que possam surgir resistências ao negócio?
Isso é fruto do desconhecimento do negócio, uma reação precipitada. O prêmio aos acionistas da CSN será diluído em quatro anos e é coerente com os ganhos de sinergia. Assim que os ganhos ficarem claros não haverá resistência. Com a união, seremos a companhia menos alavancada do setor. Nosso faturamento será de US$ 14 bilhões e nossa geração de caixa próxima a US$ 2,5 bilhões. Esse é o mesmo valor de nosso endividamento. Enfim, a dívida corresponde a um ano do EBITDA, uma proporção excelente. Criamos uma empresa global, com forte capacidade de investimento e muito consciente de nossa vocação, que é a fabricação de aço.

A saída de Maria Silvia Bastos Marques da companhia foi provocada por divergências a respeito do negócio?
Não. Ela saiu por decisão pessoal, conforme anunciamos na época. Aliás, em nossa primeira reunião com representantes da Corus, em Nova York, ela nos acompanhou.

Nos últimos dois anos, o sr. passou por situações desgastantes, como o descruzamento acionário CSN-Vale do Rio Doce. O sr. considera esse acordo uma virada em sua vida?
O mundo de negócios tem uma continuidade e nem sempre de forma linear. Quando participei da privatização da Vale já tinha a idéia de gerar um grande grupo brasileiro global. Não foi possível naquele momento. Mas quando estava negociando o descruzamento também tinha em mente esse objetivo. Acho que o acordo permite o surgimento de uma corporação brasileira global, onde teremos uma forte participação acionária e de gestão.

Até abril de 2004, o sr. assumirá a presidência do conselho de administração da nova empresa, em substituição a sir Brian. O sr. pretende se mudar para Londres?
Se for necessário, sim. Recentemente seu nome foi envolvido
num eventual pagamento de comissão para o sr. Ricardo Sérgio durante o processo de privatização da Vale do Rio Doce… Não gostaria de comentar esse assunto. Já escrevi sobre ele e agora tenho uma missão mais importante e agradável que é construir a nova Corus-CSN.