Há muito que os executivos que dão expediente na sede da Parmalat, em São Paulo, não sabem o que é cumprir a jornada padrão de oito horas de trabalho por dia. O excesso de horas-extras, no entanto, não tem sido suficientes par azedar o humor da equipe. Muito pelo contrário. O ambiente é quase de festa. Isso porque, eles já conseguiram tirar do limbo a concordatária companhia ? que quase foi à lona devido ao escândalo contábil que gerou um rombo de US$ 20 bilhões nas conta da matriz, na Itália. A Parmalat que emerge desse processo é menor em tamanho, mas bem mais forte que a antecessora. A começar pelo balanço financeiro. Pela primeira vez em sua história, a filial brasileira deverá fechar um ano no azul. As projeções indicam um lucro operacional de R$ 40,4 milhões em 2005 e receitas de R$ 1,18 bilhão (57% acima do apurado em 2004). A luta dos executivos agora é para zerar a última linha do balanço. Ou seja, a empresa poderá não exibir lucro líquido, mas pelo menos consegue afastar a possibilidade do prejuízo. Nada mal para quem vinha registrando perdas anuais na faixa dos R$ 200 milhões desde 2002. A Parmalat também recuperou a liderança no segmento de leite longa-vida, abocanhando uma fatia de 6,3% do mercado. É bem verdade que o percentual ainda está abaixo do patamar pré-crise (8,7%). Mas nem por isso é um número que não mereça ser celebrado, pois o segmento lácteo (leite e derivados) responde por 60% de seu faturamento. ?Alguns concorrentes aproveitaram nossas dificuldades para espalhar boatos e tentar nos tirar de cena. Agora chega!?, desabafa Bernardino Costa, diretor comercial da Parmalat Brasil SA Indústria de Alimentos. Sem dinheiro para projetos mirabolantes, os executivos concentram suas apostas na chamada ?prata da casa?. Em 1º de agosto a companhia vai inundar o mercado com as novas embalagens do produto, estampadas com a figura de crianças fantasiadas de bichinhos. Batizados de Mamíferos, esses personagens fizeram bastante sucesso na década de 90 e agora voltam para coroar a nova fase da companhia. ?Vamos distribuir 15 milhões de caixas no primeiro mês?, conta Othniel Rodrigues Lopes, diretor superintendente de Operações da Parmalat.

O que fez a companhia se livrar da fase sombria foi uma mistura de faxina corporativa e muita criatividade. Marcas adquiridas no passado e deixadas de lado na estratégia de unificação dos produtos sob a bandeira Parmalat, por exemplo, foram ressuscitadas. É o caso do leite Lecesa ? produto premium que chegou a deter uma fatia de 40% do mercado no Sul do País ? e do atomatado Cajamar, forte no interior de São Paulo. Outra novidade é a versão longa-vida do leite Glória, lançado no Rio de Janeiro e que chega em São Paulo e nos Estados do Nordeste até o final de junho. Para tirar proveito da elevada ociosidade de suas oito fábricas, a empresa está costurando acordos até mesmo com concorrentes. No Rio Grande do Sul, ela assinou contrato com a MuMu e a Cooperativa Aurora para o processamento de leite in natura e produção de leite condensado. Fez o mesmo com a Nilza em São Paulo e está prestes a assumir a fabricação de sucos de terceiros em sua planta de Jundiaí ? a única divisão na qual ainda opera no vermelho e da qual só ocupa 30%. ?São plantas modernas que não valem a pena ser vendidas?, argumenta Costa.

Mas como uma corporação que foi quase fechou as portas consegue se manter viva diante dos consumidores. Para José Roberto Martins, consultor especializado em marcas, a Parmalat goza do mesmo prestígio que ícones como Bombril e Varig. ?Para a dona-de-casa pouco importa se o dono da empresa é fulano ou beltrano ou se a companhia passa por uma crise contábil. O que ela quer é que o produto esteja disponível e mantenha a qualidade e o preço que ela está acostumada a pagar?, avalia. Não foi por outro motivo que a direção da Parmalat canalizou os recursos excedentes para trabalhar os pontos-de-venda. ?Gastamos R$ 400 mil por mês para participar de folhetos promocionais dos supermercados?, explica Costa.

Os números até aqui, de fato, são alentadores. No entanto, a companhia ainda tem pela frente outra prova de fogo. No início de maio, o comitê de bancos credores (são 17 no total) recebeu a minuta de proposta de renegociação da dívida estimada em R$ 1,8 bilhão ? que ainda não está sendo honrada. O cardápio inclui a conversão de parte do débito em títulos: ações ou debêntures, por exemplo. Nelson Bastos, presidente do Conselho de Administração da Parmalat nomeado pela matriz, espera para até o final deste mês uma solução favorável. ?A situação operacional da Parmalat evoluiu e já resgatamos a credibilidade com os fornecedores?, argumenta. Na verdade, o relacionamento apenas melhorou. Quando assumiu a gestão, em abril de 2004, o time de executivos comandado por Bastos precisava quitar antecipadamente as compras de matéria-prima. Atualmente, o fornecimento de caixas tetra-pak, por exemplo, é pago seis dias após à entrega do produto. Os concorrentes, por sua vez, recebem com prazo médio de 30 dias, dependendo o tipo de mercadoria. ?Ainda estamos operando em condições pouco favoráveis?, reconhece o diretor Lopes. ?Mas a situação deve mudar quando publicarmos o balanço de 2005?. A filial ainda tem que enfrentar diversos problemas jurídicos, um deles com a sua controlada Batavo. No auge da crise, a Batavo conseguiu na Justiça afastar a Parmalat da gestão. De quebra, ficou com a marca dos italianos na linha de iogurte. A briga segue nos tribunais.

R$ 1,8 bilhão É o valor da dívida que a companhia negocia com os bancos