30/07/2008 - 7:00
EMPRESÁRIOS QUE ENXERGAM oportunidades em crise têm uma máxima a respeito do tema ?enquanto uns choram, outros vendem lenço de papel para enxugar as lágrimas?. O espanhol Amancio Ortega Gaona, 72 anos, parece ver esse lema como um dogma. Dono do grupo Inditex, conglomerado de moda que faturou 9,4 bilhões de euros em 2007, cujo principal ativo é a cadeia de lojas Zara, ele está dando de ombros para a desaceleração da economia e a iminente crise que bate à porta da Espanha. No dia 16 de julho, contra todas as análises de mercado que apontam para a queda no consumo, ele inaugurou mais uma empresa de moda. Batizada de Uterqüe, ela vende sapatos e acessórios em couro para o público feminino e já nasce com cinco lojas espalhadas pelas cidades de Madri, La Coruña e Barcelona. Até o fim do ano, anunciou a empresa, a meta é abrir 30 lojas e partir para outros países como Portugal e Grécia. Para isso, pretende replicar o consagrado modelo de negócios da Zara, o chamado fast fashion, na nova rede de lojas de acessórios. ?A Zara é a empresa que melhor implementou esse modelo?, diz Alberto Serrentino, sócio da Gouvêa de Souza & MD, consultoria especializada em varejo.
![]() |
CHIQUE ACESSÍVEL: os produtos da nova marca custarão de 20 euros a 200 euros |
As lojas da Uterqüe, que têm entre 150 m2 e 250 m2, apresentam uma decoração sofisticada, com móveis desenhados especialmente para abrigar acessórios, e todas ficam em pontos nobres. É a mesma tática usada pela Zara, que, apesar de ser uma loja de departamento destinada principalmente à classe média, têm cara de butique de luxo. Os produtos desenhados pela equipe de criação do grupo seguem os conceitos da marca mãe. Elegantes e antenados com as tendências da moda, têm preços acessíveis, pois oscilam de 20 euros a 200 euros. A estratégia do grupo Inditex é vista com desconfiança. ?Está na contramão do que está acontecendo no mercado de moda?, diz José Roberto Martins, diretor da Global Brands, consultoria especializada em gestão de marcas. ?A tendência hoje é otimizar espaços e a Zara poderia abrigar uma marca de acessórios?, explica. Pode ser, mas cada passo de Ortega, dono do grupo, é analisado com muito cuidado por quem acompanha o setor de moda. Considerado um gênio no setor de varejo, ele é um dos homens mais ricos do mundo ? possui uma fortuna de US$ 22 bilhões ? e, nos últimos anos, levou a Zara ao Olimpo do varejo. ?Costumo dizer que a Zara é a soma da Toyota com o Wall-Mart?, diz Serrentino. ?Ela consegue entregar o que o mercado quer com antecedência e com uma impressionante eficiência logística.?
ATÉ O FIM DO ANO, O GRUPO PRETENDE INAUGURAR 30 LOJAS NA EUROPA |
O segredo do sucesso da empresa está no seu formato. Enquanto tradicionalmente a indústria de moda produz as roupas e depois investe em marketing para vender aos clientes, a Zara procura saber o que os clientes querem para depois produzir e vender nas lojas. Isso só é possível devido a uma estrutura verticalizada: quem dita o rumo da empresa não é a fábrica, mas sim as lojas. Como isso acontece? Religiosamente, duas vezes por semana, os funcionários das mais de 1,3 mil lojas da Zara fazem pedidos para a matriz, que filtra as informações e descobre o que os consumidores desejam. ?Eles têm flexibilidade para planejar as roupas em semanas, enquanto o restante da indústria leva meses?, diz Serrentino. Isso é possível porque a Zara começa a temporada com 50% de suas compras definidas; já a concorrência apresenta uma média de 80%. ?Assim fica mais fácil de fazer alterações no meio da temporada?, diz Serrentino. O difícil, contudo, será transportar esse modo de trabalho para o setor de calçados, no qual as mudanças são mais lentas. A resposta para esse problema só poderá ser dada com o tempo. Até lá, Amancio Ortega pode usar uma outra máxima: ?dar um passo de cada vez?.