Em um ano marcante no campo das recuperações judiciais (RJs) no Brasil, devido à alta taxa de juros e o consequente encarecimento das dívidas de companhias, a operadora brasileira de telecomunicações Oi protagonizou mais um episódio pioneiro entre as companhias que recorrem ao instrumento. Em 10 de novembro último, a juíza Simone Chevrand, da 7ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decretou a falência da concessionária depois de dois processos de recuperação judicial. Era o que deveria ser o ponto final em quase dez anos de luta pela sobrevivência da gigante da telefonia sediada no Rio de Janeiro. Dias depois de decretada a falência, dois credores, Itaú e Bradesco, trouxeram a telecom de volta à vida – ainda que na forma de um zumbi corporativo, sem chances de recuperação.

+‘Recuperação judicial salva empresas, não as encerra’, dizem especialistas

Credores puxarem empresas do túmulo é um fato inusitado, disseram advogados e um administrador judicial à IstoÉ Dinheiro. Via de regra, no Brasil, quando a empresa volta à RJ após recorrer à Justiça é obra dela mesma – não dos que esperam dela receber. O pedido de suspensão da falência partiu do Itaú Unibanco. Endossada pelo Bradesco, a solicitação foi aceita pela desembargadora Mônica Costa, da Primeira Câmara do Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), no dia 14 de novembro, apenas quatro dias depois da sentença que havia enterrado de vez a operadora. Os dois bancos são credores quirografários, ou seja, aqueles que vão para o final da fila quando uma empresa está falida. Em uma falência, a fila de recebimento é encabeçada por trabalhadores (dívidas trabalhistas), seguidos por credores com garantia real (por exemplo, hipotecas), os tributários (municípios, estados e a União) e, por fim, os quirografários. Ficam de fora os empréstimos que tenham sido feitos após o início da recuperação judicial.

A empresa deve R$ 2,066 bilhões ao Itaú, e R$ 47,1 milhões ao Bradesco. Os dados são de relatório da assembleia de credores. Ao final do segundo trimestre deste ano, a dívida líquida da Oi somava R$ 10 bilhões, dado disponível em balanço. Mas não é só o fator dívida que conta para trazer a empresa de volta à recuperação judicial. No recurso que a Justiça aceitou, o Itaú argumentou que a Oi ainda não se desfez de ativos importantes durante o período de RJ, e mais: decretar a falência agora geraria prejuízos mais graves não só aos credores. Afetaria também “o interesse público”, visto que a telecom ainda presta serviços essenciais. Mesmo com a profunda reestruturação vivida ao longo dos anos, e a venda de negócios como a operação móvel e ativos de infraestrutura, a concessionária ainda têm clientes relevantes.

Telefone público da Oi
Telefone público da Oi

A concessionária garante estrutura de internet, telefonia e troca de dados entre instituições como as Forças Armadas, o Judiciário, a Caixa Econômica Federal e suas lotéricas, e também atende empresas privadas. Os serviços de emergência como o 190, da Polícia, Samu e os Bombeiros também estão na lista da Oi, que ainda presta serviços por meio de ativos de interconexão entre operadoras, que permitem chamadas e dados circulando entre as redes Vivo e Claro, que seguem de pé até que haja conclusão de transferência para outras prestadoras. É, ademais, a principal prestadora de serviços em comunidades remotas Brasil afora, onde as pessoas ainda usam o antigo orelhão para se comunicar. São informações amplamente divulgadas. A Oi não respondeu a um pedido de entrevista da IstoÉ Dinheiro, e nem os dois bancos credores.

Neste ano, ainda sob a batuta de Marcelo Milliet, o último CEO da Oi (um especialista em reestruturação empresarial), a concessionária vendeu ativos na contínua tentativa de reajustar-se e sobreviver num mercado competitivo onde se movem Vivo, Claro e TIM. Especialistas afirmam que as duas RJs da Oi foram frustradas porque, em suma, faltou agilidade para adaptar-se às mudanças tecnológicas – as gigantes concorrentes tiveram êxito. Em 2025, a venda das operações de fibra óptica e TV paga foi concluída em março por cifra total próxima a R$ 6 bilhões. A divisão de fibra ficou com uma controlada do BTG Pactual. O balanço do segundo trimestre da Oi informa que, já sem essas duas divisões, a receita líquida do período somou R$ 684 milhões. Em outubro foi a vez dos serviços de controle de tráfego aéreo passarem para o controle da Claro após uma decisão judicial.

Fotografia de Marcelo Milliet, o último CEO da Oi
Marcelo Milliet,o último CEO da Oi, vendeu ativos neste ano (Crédito:Divulgação)

A luta da Oi pela sobrevivência é longa e marcada por episódios inéditos na jurisprudência das recuperações empresariais. A retirada da falência por dois credores talvez seja o mais insólito, mas há outros marcos. A operadora foi a maior empresa a optar pelo instrumento de recuperação judicial até o ano de 2016, quando a diretoria da época escolheu a ferramenta pela primeira vez. Em 2023, tornou-se a primeira companhia a solicitar uma segunda recuperação judicial. Sem muito sucesso nas duas tentativas, em julho de 2025, foi outra vez a primeira empresa brasileira a tentar viver um processo de RJ em dois países: nos Estados Unidos e no Brasil, simultaneamente. Francisco Satiro, professor da Universidade de São Paulo (USP), diz que suspensão de uma falência não é tão original no Brasil.

“Original é o fundamento neste caso, em que a desembargadora analisa que a empresa está mal, mas a liquidação dentro da recuperação judicial pode ser uma solução melhor do que a liquidação da falência”, avalia. Agora que a Oi retornou da tumba, a pergunta que resta é como se dará o desfecho para a companhia. É consenso entre os especialistas ouvidos pela Dinheiro que a Oi está em vias de extinguir-se. A dúvida é como a liquidação ocorrerá – se dentro de uma recuperação judicial ou em um processo de falência. “Não se tem a esperança de que a Oi volte a operar, mas sim de que venda patrimônio, ativos e contratos, para que outros players interessados assumam o lugar que um dia foi da Oi”, opina o membro da Comissão de Estudos de Recuperação Judicial e Falência da OAB/PR, Matheus Kalinke.

Como a companhia vale menos se for liquidada em falência, os credores deverão buscar uma saída consensual para liquidar os ativos de modo que haja o menor dano possível. O desafio segue nas mãos dos administradores judiciais, Wald Administração, Preserva-Ação e o gestor judicial Bruno Rezende, que voltaram ao posto de acordo com uma nova decisão de 12 de dezembro – a qual confirma a situação de RJ e posterga algumas obrigações financeiras da companhia.

A decisão de falência da Oi

A tentativa da Oi se manter viva é repleto de peculiaridades, tão insólitas quando a ideia de transformá-la em um campeão nacional das telecomunicações no início dos anos 2000. Especialista em recuperação judicial e falências pelo Insper e pela FGV, Thiago Groppo Nunes, do escritório IW Melcheds, explica que a falência ocorreu após o administrador judicial reportar problemas como a impossibilidade de equacionamento entre ativo e passivo e a inviabilidade financeira para cumprimento de obrigações. Há dois entendimentos pela Justiça. Sobre a decisão de falência, a Justiça entende que a Oi deveria têla decretada, mas com a continuidade de alguns contratos específicos e essenciais à população. Por outro lado, a decisão que favoreceu o retorno à recuperação judicial prioriza continuidade total dos serviços para que a companhia efetue o pagamento aos credores.

Mesmo em meio a aparente contradições, especialista apontam que há coerência na condução do caso pelo Judiciário. Tanto a decisão da juíza de primeira instância, favorável à falência, como a desembargadora que devolveu a Oi à vida reconhecem que será preciso liquidar a companhia. “O que muda é a preocupação no voto da desembargadora [favorável à RJ] de fazer a liquidação com o menor impacto possível”, diz Francisco Satiro, da USP. É que em casos como o de concessionárias é comum que o valor de liquidação da companhia seja menor em falência do que fora dela.

De ‘super tele’ a morto-vivo

A trajetória da Oi teve início em 1998, com a privatização do sistema de telefonia estatal Telebrás. A empresa foi inicialmente constituída como Tele Norte Leste, que mais tarde adotou a marca Telemar, operando em grande parte do território nacional. O marco de virada ocorreu em 2002, quando a Telemar lançou a sua unidade de telefonia móvel sob a marca Oi. Em 2007, a marca Oi consolidou-se de vez, absorvendo a Telemar e concentrando todos os serviços de telefonia fixa, móvel e banda larga do grupo. A empresa acelerou seu crescimento com aquisições, como uma ambiciosa fusão em 2013 com a Portugal Telecom. A estratégia acabou por gerar grande endividamento. O primeiro pedido de recuperação judicial da Oi ocorreu em junho de 2016. Naquela altura, o otimismo com a empresa era tanto que as ações chegaram a subir após a solicitação. Em dezembro de 2017, o pedido foi oficialmente aprovado. Durante a recuperação, a Oi chegou a vender em leilão toda a sua operação de telefonia móvel, que foi dividida entre as outras três empresas líderes do mercado (Claro, Tim e Vivo). A venda foi aprovada pela Anatel e concluída em abril de 2022.

Em dezembro daquele mesmo ano, a empresa solicitou o encerramento do processo de recuperação judicial, cinco anos após sua aprovação. Mas em fevereiro de 2023, a empresa solicitou um processo preparatório para uma nova recuperação judicial, já que seguiam os desafios operacionais e financeiros. Como a lei determina um prazo de cinco anos entre uma recuperação judicial e outra, o caso gerou a jurisprudência sobre o tempo ser contado a partir da aprovação da primeira, e não de sua conclusão. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que processos muito longos prejudicam a recuperação judicial de uma companhia. O instrumento, contudo, pode ser considerado eficaz: a taxa de falência após a conclusão do processo está próxima a 30%.

(*Colaborou Érica Polo)