Quarta-feira, 19 de julho de 2006. Em Brasília, no início da noite, o Comitê de Política Monetária anuncia uma decisão que assume caráter histórico: reduz a Selic, taxa de juro básica da economia nacional, em meio ponto percentual, fixando-a em 14,75% ao ano. O número, elevadíssimo para os padrões internacionais, esconde uma novidade. Descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, de 4,39%, a taxa de juro real cai para 9,9%. É a primeira vez que o juro real fica abaixo de 10% desde 2004. Mas é a primeira vez que isso acontece com a inflação domesticada. Em 2004, a taxa de juro foi comida por uma inflação de 7,6%. Embora o Brasil continue recordista de juro real, o marco é importante. Em 2003, ao receber o prêmio de Economista do Ano, o professor Pérsio Arida, um dos quadros mais brilhantes da sua geração, perguntou por que, no Brasil, toda vez que o juro real esbarra em 10%, por algum motivo misterioso sobrevêm um surto inflacionário. Em outros países, o juro real capaz de deter a inflação está perto de 1% ou 2%. Provisoriamente, Arida atribuíu o fenômeno ao que chamou de ?instabilidade jurisdicional?, e o assunto foi esquecido. Na semana passada, rompida a barreira dos 10%, com inflação sobre controle e os juros caindo, a questão se coloca novamente: chegou-se ao limite ou é possível descer o juro ainda mais? Árida está certo ou a tal barreira não existe?

De cara, há duas posições sobre o assunto. O deputado Delfim Netto, ministro-chefe da economia em dois governos militares, diz que a barreira dos 10% só existe na cabeça de economistas. ?É a crença dos nossos ?cientistas? que inventa essas limitações?, diz ele. Delfim lembra que a China só reconheceu a propriedade privada em 1994 e, mesmo assim, sua taxa de juro real é de 1,7%. ?O que garante a segurança jurisdicional na China, os retratos de Mao na parede??, ironiza. A outra posição, mais conciliatória, vem do economista Chico Lopes, também ele um dos formuladores do Plano Real. Lopes diz que o passado da taxa de juros brasileira não antecipa o futuro. ?Nos últimos dez anos se fez uma mudança radical da economia brasileira?, diz ele. ?Agora podemos ter taxas de juros muito menores.? Lopes prevê que dentro de três ou quatro anos o juro real estará em 5%. E olhando ainda mais longe, para 2015, o professor prevê 3% de juro real. ?Não há por que ser diferente?, afirma.

Na semana passada, o cenário parecia confirmar os otimistas. Nos Estados Unidos, o presidente do Federal Reserve fez um pronunciamento otimista no Congresso, sugerindo que as taxas de juros dos EUA não subirão. Trata-se de um sinal positivo para a economia mundial. No Brasil, o ministro Guido Mantega, avisou, na quinta-feira, que ?as causas que mantinham a necessidade de juros altos estão sendo superadas?. Sugeriu, à revelia de Henrique Meirelles, do Banco Central, que a a Selic vai seguir caindo. Mesmo economistas conservadores acreditam que a Selic estará em 13,75% em dezembro. Com juro real ainda menor. Onde a luz ainda não chegou foi ao juro cobrado pelos bancos aos seus clientes. A despeito da queda da Selic, o juro ?na ponta? continua extratosférico: 66 % anual para as empresas, na média, e 139% para as pessoas físicas. O ?spread? elevado segue alimentando lucros recordes do setor financeiro. Na semana passada, o presidente Lula pediu aos bancos oficiais que reduzissem suas taxas, forçando os bancos privados a fazer o mesmo. Houve a chiadeira de hábito, seguida pelos desmentidos de sempre. É uma pena. A idéia de puxar a redução dos juros pelos bancos oficiais é boa ? e não viola uma única regra da economia. Assim como a barreira de 10% no juro real, a impotência do Estado diante dos juros exorbitantes pode ser apenas produto da imaginação econômica.

AS MAIORES TAXAS DE JURO REAL

País

taxa (%)

Brasil

9,9

Malásia

9,3

Cingapura

7,1

Hong Kong

4,7

Turquia

4,5

México

4,0

Hungria

3,9

Polônia

2,9

África do Sul

2,8

Austrália

2,8