Imagine assumir o comando de uma empresa, cuja metade das vendas depende de um único produto. Para complicar, pense que a patente desse produto vai expirar mundialmente em quatro anos. Para lançar um novo, você precisa de anos de pesquisa intensa e muito dinheiro. Quando encontrar um substituto, terá de lidar com uma grande burocracia para aprová-lo nas agências públicas. E, depois de fazê-lo, um de seus maiores clientes será o sistema público de saúde do Brasil, conhecido pela sua histórica debilidade. Este é o cenário que a Abbvie enfrentará no País nos próximos anos, mas nada disso abala a confiança de José Antonio Vieira, o presidente da operação local.

 

?O Brasil será um polo importante de desenvolvimento de produtos?, afirma Vieira, que conta com 30 anos de experiência no setor farmacêutico. A Abbvie nasceu há um ano, quando a gigante americana Abbott iniciou uma reestruturação mundial. Com a Abbott, ficaram os mercados de diagnósticos, farmacêuticos, nutricionais e dispositivos médicos.

 

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Vieira, presidente da Abbvie no Brasil: desafio de vender medicamentos sofisticados para a rede pública

 

Já a Abbvie surgiu para atuar no mercado de biofármacos e medicamentos patenteados. Trata-se de uma área que requer pesados investimentos em pesquisa e anos de desenvolvimento até colocar um novo produto no mercado. O problema é que a Abbvie vive uma corrida contra o tempo. A patente do Humira, seu principal produto, vai expirar nos Estados Unidos em 2016; no resto do mundo, a licença acaba em 2018. O biofármaco, indicado, entre outros, para artrite reumatóide, responde por praticamente metade do faturamento mundial, que alcançou US$ 18,7 bilhões no ano passado.

 

A lista de produtos que perderão sua proteção não para por aí. Em 2016, vence também a patente do Kaletra, um medicamento usado para tratar portadores do vírus HIV e segundo maior sucesso de vendas da companhia. Outros quatro produtos já trabalham com patente vencida globalmente e, no Brasil, são comercializados pela Abbott sob licença da companhia, exceto o Norvir. Esse problema, aliás, levou os analistas de mercado americanos a afirmarem, no ano passado, que a criação da Abbvie era uma estratégia da Abbott para não ser contaminada por uma potencial perda de receitas.

 

?Lado positivo?

 

É nesse cenário que Vieira encara o desafio de comandar a Abbvie no Brasil. Para quem lhe apresenta essas preocupações, o executivo responde que prefere ver o ?lado positivo? da reestruturação. ?Com o desmembramento, poderemos focar muito mais em pesquisa e desenvolvimento?, diz, acrescentando que a empresa já possui dez projetos em fase avançada de desenvolvimento.

 

O plano para crescer no Brasil passa por três pontos, segundo Vieira. O primeiro é o desenvolvimento de estudos clínicos locais. Traduzindo, a Abbvie quer mapear as áreas com maior ocorrência de doenças que possam ser tratadas por seus produtos, a fim de elaborar parcerias com o sistema local de saúde. O segundo é encontrar novos usos para os medicamentos já lançados. Por último, está a criação de novas drogas. ?Até 2017, queremos apresentar, pelo menos, 15 submissões regulatórias?, diz. O jargão refere-se ao pedido de registro de novos medicamentos e, também, à licença para novos usos de produtos já existentes.

 

Entre as apostas da Abbvie, está a criação de um novo tratamento para a hepatite C, que afeta 160 milhões de pessoas no mundo. Previsto para chegar ao mercado nos próximos 12 meses, os testes mostraram um percentual de cura de 96%, com um tempo menor de medicação. No Brasil, estima-se que até 1,4% da população sofra com a doença.

 

Lentidão

 

Criar um novo produto, porém, não é tudo. É preciso obter a licença para vendê-lo no Brasil ? e é aí que a velha burocracia nacional dá as caras. Nos Estados Unidos, a FDA, agência responsável pela tarefa, leva cerca de seis meses para aprovar um novo medicamento. Por aqui, o prazo supera 600 dias (ou 20 meses), segundo Vieira. ?Isso atrasa, sim, o lançamento de produtos, mas é a realidade com que temos de conviver?, diz.

 

Ao contrário da Abbott, que escoa muitos de seus produtos por meio de farmácias, a distribuição da Abbvie é feita sobretudo pelos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Por isso, estreitar laços com o sistema público de saúde também é vital para o sucesso da Abbvie no Brasil. ?Esse mercado cresce 12% ao ano e, hoje, é praticamente o nosso único cliente?, diz Vieira. A operação local já nasce com 350 funcionários. Por isso, Vieira pretende intensificar os contatos com as secretarias de saúde, para levantar demandas e propor projetos.

 

A rede privada brasileira de saúde começou a se abrir há pouquíssimo tempo para a Abbvie. O motivo foi a recente ampliação, pela Agência Nacional de Saúde (ANS), da lista de medicamentos e doenças com os quais os planos de saúde devem arcar. Um dos tratamentos é, justamente, o da artrite reumatóide, para o qual o Humira é prescrito. ?No futuro, a rede privada assumirá um papel maior nos negócios?, diz Vieira, lembrando que o País conta, hoje, com cerca de 50 milhões de beneficiários de planos de saúde.

 

Em alta

 

A companhia investiu R$ 20 milhões em um laboratório de controle de qualidade no País. Instalações mais sofisticadas para pesquisa básica, porém, não estão nos planos da Abbvie, que opera seis centros de pesquisa no mundo. Tampouco, há intenção de implantar uma linha de produção aqui, já que a empresa possui 12 fábricas.

 

A vida da Abbvie no Brasil, sem a Abbott, não será das mais fáceis, mas para os mais céticos, Vieira guarda um último argumento: nos Estados Unidos, onde a reestruturação começou há um ano, os resultados já agradam os investidores. Desde que foram lançadas, as ações da Abbvie subiram cerca de 50% – sem dúvida, o melhor calmante para qualquer acionista.