Lula tem problema com pelo menos meia dúzia de ministros. Nesse balaio há os que vieram de PSB e PDT e teimam em dançar punk rock numa loja de cristais. E de outros três ou quatro aparentemente encrencados mesmo. Vai dar em nada. Porque qualquer cutucada irá amplificar a débil situação do Executivo no Congresso. Lula é refém. Neste momento, não tem força para demitir ninguém que não seja do PT. Ele também sabe que nenhum militar está do seu lado. Assim como sabe que a economia em 2023 não será nenhum espetáculo. Lula igualmente já cheirou que seu protagonismo global não deverá acontecer. O mundo de Joe Biden, Vladimir Putin e Xi Jinping já traz protagonistas demais. Caberá ao nosso mandatário a agenda ambiental. E olhe lá. Conquistar uma COP da vida. Já será muito.

Esse é o retrato. Junte-se a ele um Lula vaidosamente onipresente e personalista. Muito abaixo de Lula I e Lula II. Um ser rancoroso e desprovido de trava verbal. Talvez fruto da reação, compreensível até, por uma prisão que não deveria ter existido e ser alijado de uma disputa (a de 2018) pela mão invisível (mas pega em flagrante) da Justiça de Moro. Esse passado pesado talvez o atormente. Ou o fato de saber que metade do País ainda o odeia e nunca o perdoará. Um pedaço ruidoso do Brasil para quem Lula não passa de ladrão solto. Isso tudo é um problema de Lula. Suas reações, não. Elas são um problema do Brasil.

Descontroles presidenciais nos fizeram viver o ignóbil período 2019-2022. Não acredito que temos espaço para mais descontroles. Em especial na economia. E aqui o presidente teima em boicotar seus únicos braços com cérebros, a trinca de Fazenda, Planejamento e Gestão & Inovação. Empurrar o Arcabouço Fiscal para depois da viagem à China foi inconsequência ­— que contrariou inclusive Fernando Haddad, cuja palavra tem virado pó a cada desmentido ou reprimenda de seu patrão.

Lula adiou a decisão para fazer entrar no monstrengo do texto um exótico conceito de que gastos em saúde & educação não são gastos. São investimentos. Vamos lá: pegue uma família endividada cujo pai ou mãe perdeu o emprego e isso derrubou a renda pela metade. A casa já não consegue pagar mais a escola particular dos filhos. Na teoria, a família pode chamar o dinheiro da mensalidade de gasto ou de investimento. Na prática, a molecada sairá da escola privada para uma pública.

Em resumo, você pode chamar alguém próximo de Docinho, Amor ou Mano Véio. Dane-se. Isso não mudará a realidade. O que muda a realidade é o que você faz. Lula, aliás, para se autojustificar nas lambanças e falácias andou disparando bizarrices: “Eu prefiro um político competente a um técnico”, disse. Imediatamente pensei: “De quem ele fala?” Seria o caso de o presidente apontar esse arsenal de políticos competentes. Refere-se a Arthur Lira? Porque é evidente que há competências em Lira. Mas sou forçado a perguntar se são hard skills ou soft skills.

O presidente ainda tentou argumentar, afirmando que “o político entende um pouco de tudo e muitas vezes o técnico não entende de nada”. Se for verdade, cabe outra questão: “Aquela dinheirama liberada a pesquisadores era para quê? Torrar na formação de incompetentes?” Lula está presidente — e que bom ter derrotado Bolsonaro —, mas antes de mais nada é um animal político que está sendo corporativista sentado numa cadeira quente. Mas espera-se dele mais bom senso & atitude do que gritaria & rancorzinho. “O que mais importa é o quão bem você anda através do fogo”, ensinou Charles Bukowski.

Por fim, mas não menos importante, a maior lição a Lula neste momento vem de alguém que ele deve admirar, mas odiar por estar no endereço em que está: Abel Ferreira. O treinador do Palmeiras tem muito a ensinar ao corintiano Lula. O treinador português chegou a sua 11ª disputa de finais de campeonatos em apenas 30 meses ­— venceu seis (incluindo duas Libertadores) mais o Brasileiro de 2022 (que não tem disputa de jogos finais). Acima disso, há algo que explica essa jornada vencedora. Abel não faz loucuras exigindo reforços milionários a um time ainda endividado. Abel trabalha. E a seu modo o clube construiu o balanço positivo de 2022 com superávit, de R$ 18,2 milhões (2,1% sobre a receita total). Pouco? Sem dúvida. Mas porcentual que seria lindo para o Brasil. Leila Pereira, presidente do Palmeiras, acaba de ser convidada por Lula (e aceitou) para fazer parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Tomara que tenha a chance de ensinar ao soberano da Nação o motto de Abel: “Cabeça fria, coração quente”. E não o contrário.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO