24/04/2015 - 8:30
Na tarde da quinta-feira 9, no décimo primeiro andar da sede da Anbima, associação que representa o mercado de capitais, em São Paulo, um grupo de trinta jornalistas foi convocado de última hora para uma entrevista que reunia o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e a presidente da entidade, Denise Pavarina. Com tantos nomes de peso da economia brasileira, os gravadores, microfones e câmeras logo estavam apontados para captar o que imaginavam ser a notícia mais importante do dia.
O problema é que nenhum dos quatro conseguiu explicar de forma clara o que estava por vir, e a falta de sintonia quase ofuscou o lançamento de uma agenda positiva para o mercado de capitais. Coube a Coutinho, do BNDES, tentar explicar que as empresas só conseguirão tomar empréstimos do banco estatal com taxa de juros de longo prazo (TJLP) – leia-se, com crédito subsidiado – se fizerem concomitantemente uma captação via debêntures. Na prática, o BNDES está exigindo que as companhias emitam esses títulos para conseguirem dinheiro mais barato.
“O financiamento de longo prazo não pode estar quase todo sob a responsabilidade do BNDES”, disse Coutinho. No ano passado, os desembolsos do banco chegaram a R$ 187,80 bilhões, o que representa um recuo de 1% ante 2013. Em 2015, deve haver nova retração. O orçamento previsto é de R$ 170 bilhões, queda de 9,5%. Nesse cabo de guerra pelo dinheiro, o mercado de capitais poderá ganhar mais força, a depender das intenções de Levy e companhia. Projeções preliminares do BNDES apontam que, com esse novo incentivo, existe um potencial de emissão de debêntures de R$ 5 bilhões a R$ 10 bilhões, nos próximos três anos.
A questão é que, somente no primeiro trimestre de 2015, já foram emitidos R$ 8,25 bilhões em debêntures. Ou seja, as expectativas são bastante tímidas. Como esse tipo de operação tem custos mais altos do que a TJLP, por exemplo, as captações devem ter um valor mínimo de R$ 50 milhões, o que restringe o número de empresas com acesso a este instrumento. A AES Eletropaulo é uma das possíveis tomadoras que se enquadram nesse perfil. A distribuidora de energia, que captou R$ 190 milhões via debêntures em janeiro deste ano, estuda aproveitar as mudanças para equacionar o volume captado via BNDES e o total proveniente do mercado de capitais.
“O setor de energia terá de buscar alternativas diante de uma redução de crédito subsidiado”, afirma Britaldo Soares, presidente da AES Eletropaulo. “O problema é definir a que taxa vamos captar, porque os preços de energia no Brasil estão defasados, o que tem impacto sobre a precificação da operação.” Os bancos de investimento também estão interessados em obter mais detalhes sobre a agenda positiva, e estão otimistas. “Estamos trabalhando para ajudar o mercado de capitais a desenvolver novas formas de captação, entre elas, as debêntures”, diz Alberto Fernandez, vice-presidente executivo da área comercial do Itaú BBA.
Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, acredita que esses títulos podem ajudar a desenvolver, inclusive, a infraestrutura no Brasil. “É um setor que tem um espaço relevante na economia, mas há um déficit enorme de investimentos e precisa de recursos”, afirma. A divulgação da agenda positiva coincide com um momento de incertezas da economia brasileira, o que tem feito as empresas rever a necessidade de capital e até postergar captações. A situação foi agravada pela Operação Lava Jato que trouxe mais um grau de dúvidas para a equação.
“Estamos vivendo em um cenário de ajuste e isso vai ser saudável”, diz Helcio Tokeshi, diretor-geral da gestora GP Investments. “Neste momento, estamos olhando vários negócios na área de mercado secundário de engenharia, não será por falta de capital que esse mercado não vai crescer.” Para Arturo Profili, gestor da Capitânia, que nos últimos oito anos investiu R$ 700 milhões em debêntures de empresas como Triunfo, JHSF e Sabesp, por meio de seus fundos, o produto terá compradores. “Os executivos apenas demonstraram uma intenção, mas não foi publicada nenhuma regra clara a ser adotada pelo mercado”, diz Profili.
“Eu tenho interesse em adquirir mais debêntures, mas as emissões das empresas vão depender das definições do BNDES.”Prova de que há interesse por papéis como esse é que a captação da Salus Infraestrutura Portuária, de R$ 320,90 milhões, no final de março, atraiu o interesse de 2.100 investidores pessoas físicas. “Existe mais demanda de investidores pelas debêntures do que oferta de bons projetos”, afirma Marcelo Michaluá, sócio da RB Capital, que estruturou a operação. Os recursos captados serão usados para aumentar o calado do Canal Piaçaguera, ao lado do Porto de Santos, no litoral paulista, obra que permitirá a embarcações maiores atracar no terminal.
“O modelo de dependência do BNDES começa a se exaurir, mas ainda falta liquidez no mercado secundário de debêntures, o que dificulta a existência de uma demanda ainda maior por parte do investidor”, diz Michaluá. Ricardo Magalhães, gerente-executivo de relações e projetos da Cetip, empresa que detém a custódia de 98% desses títulos no Brasil, concorda. “Acho que as emissões e o mercado secundário vão crescer concomitantemente”, diz. “Na hora de escolher um papel, o investidor deve ficar atento aos riscos associados e aos prazos das aplicações.” Feito isso e definidas as regras da agenda positiva, o caminho para mais emissões de debêntures no País estará aberto.