08/03/2024 - 20:02
Termina nesta sexta-feira, 8, o prazo para que empresas com mais de 100 funcionários preencham um questionário sobre igualdade salarial. Os dados precisam ser inseridos no Portal Emprega Brasil e devem explicar os critérios de remuneração adotados, como existência de plano de carreira ou se apoiam contratação e promoção de mulheres.
Os dados serão cruzados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com informações já cadastradas pelas empresas no e-Social (plataforma para transmissão de dados trabalhistas ao governo) e serão usadas para a produção de um relatório de transparência salarial. Segundo o governo, o objetivo é assegurar igualdade salarial entre homens e mulheres, além de evitar outros tipos de discriminação, por motivos de raça, etnia, origem ou idade.
O documento apontará as diferenças salariais entre homens e mulheres, assim como outras falhas nos critérios de remuneração e deverão ser disponibilizados pelas próprias companhias em seus canais de comunicação, como site ou redes sociais.
A falta de informações sobre os relatórios, porém, acendeu um alerta em empresas de diferentes segmentos, de pequenas até grandes companhias. Apesar de julgarem a iniciativa como positiva, elas temem possíveis consequências jurídicas e de imagem por conta da publicação dos documentos, além da falta de espaço para questionamento sobre o teor ou metodologia adotada na produção do relatório.
A situação fez com que algumas empresas entrassem na Justiça para não preencher nem publicar o questionário do ministério. É o caso da Drograria São Paulo e Drograrias Pacheco, que obtiveram decisões liminares neste sentido nas últimas semanas.
O Grupo DPSP, que controla ambas as empresas, afirmou em nota que tomou a medida “unicamente para evitar o risco de exposição de informações sensíveis de colaboradores e estratégias de negócios da empresa”. O DPSP menciona ainda que adota medidas para desenvolvimento profissional e equidade salarial dos funcionários e que 64,4% dos cargos de liderança na empresa são ocupados por mulheres.
Caso não preencha o questionário, a empresa pode ser multada em até 3% da folha salarial, limitada a até 100 salários mínimos, algo em torno de R$ 140 mil atualmente. A multa também se estende para o caso de não publicação do relatório nas próprias mídias, ou do descumprimento de outras medidas previstas na lei.
Falta de informação preocupa empresas
As empresas alegam não saber exatamente quais informações serão usadas pelo governo para confecção do relatório, tampouco as medidas exatas que o MTE poderá tomar a depender do resultado das análises.
As exigências estão regulamentadas pela lei 14.611, aprovada no ano passado, a mesma que estabeleceu a obrigatoriedade de igualdade salarial entre homens e mulheres. Além disso, uma portaria do MTE de novembro trouxe mais detalhes sobre como o processo deverá ocorrer.
“O problema é ter que dar publicidade a um relatório que não se sabe ao certo como foi feito, qual dado geral foi buscado, como ele foi interpretado e se as especificidades de cada cargo foram vistas e respeitadas. Isso sem ter o direito de impugnar ou se manifestar de qualquer forma, como trazendo um dado novo”, afirma Silmara Monteiro Bernardo, sócia do escritório Viseu Advogados e especialista em direito trabalhista.
“Depois que você deu publicidade ao relatório, a sua reputação já foi afetada, interna e externamente”, complementa.
Ministério diz que prazo não será prorrogado
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) afirmou que o prazo para preenchimento dos dados terminará nesta sexta e não será prorrogado. O prazo final, originalmente 29 de fevereiro, foi estendido por pouco mais de uma semana.
O MTE, porém, não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre quais critérios adotará ao cruzar as respostas enviadas pelas empresas via Portal Emprega Brasil e os dados do e-Social, tampouco quais outros tópicos serão abordados no relatório.
O governo disse durante uma live, transmitida no final de fevereiro, que não vai revelar os valores de salários. O que seria divulgado publicamente é se uma empresa tem disparidade muito grande entre rendimentos de homens e mulheres, por exemplo.
Judicialização pode abrir precendente
A judicialização por parte de algumas empresas pode abrir precedente para que outras companhias também questionem o governo sobre o cumprimento das medidas previstas pela nova legislação.
“A judicialização do caso pode abrir um precedente importante, com certeza”, afirma Marcel Zangiácomo, especialista em direito processual e material do trabalho, e sócio do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados. Segundo ele, esse risco pode se estender, inclusive, para outros desdobramentos, como o caso de cobrança de multas e processos individuais de funcionários.
“A ideia é boa, mas o problema é como ela está sendo colocada em prática, inclusive no que se refere à Lei Geral de Proteção de Dados”, afirma Zangiácomo.
Procurado pela reportagem, o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), que representa as principais empresas do setor, afirmou, em nota, que a iniciativa é positiva, mas que há questões legais que ainda devem ser esclarecidas.
“A exposição de informações envolvendo políticas salariais e remunerações praticadas pelas empresas pode afetar questões como a livre concorrência, além da privacidade dos próprios trabalhadores”, afirma o instituto.
“O preenchimento é basicamente informacional”, afirma Alexandra D’Azevedo Nunes, diretora de Gente e Recursos Humanos da Peers Consulting & Technology. Segundo ela, as empresas devem aproveitar o momento para se atentar às políticas de remuneração adotadas e a possíveis discrepâncias salariais, tanto entre homens e mulheres, como também por consequência de etnia, raça ou idade. “Eu posso ter uma disparidade numa área específica, então, devo fazer um plano de ação para lidar com a questão”, diz.