15/12/2000 - 8:00
A crise que furou a bolha dos preços das empresas de tecnologia na Nasdaq, nos Estados Unidos, multiplicou o poder de fogo dos investidores dispostos a financiar projetos de empresas na Internet. A racionalidade tomou o lugar da exuberância e os preços cobrados pelos empreendedores para vender uma parcela de seus projetos despencaram. Empresas que queimam muito capital durante o período de formação da marca e conquista de mercado recebem agora algo como 70% menos do que no primeiro semestre, segundo gestores de fundos voltados para aplicações em negócios na rede. Projetos desse tipo, maioria entre os que apareciam nas mesas dos analistas na primeira metade do ano, são hoje os que mais sofrem com o rigor estimulado pela queda do mercado, mas o cuidado dos investidores aumentou também para os demais segmentos. Os fundos de investimento brasileiros dedicados à rede passaram o ano praticamente sem fazer aplicações, com o dinheiro em caixa, e só agora, com os preços deprimidos, começam a voltar ao mercado.
O fundo Pactual Internet, com R$ 75 milhões em caixa desde o fim do primeiro trimestre, está para levar a mão no bolso só agora para pôr dinheiro em seus dois primeiros negócios. O presidente do board do fundo, Marcelo Serfaty, ressalta que foram os preços que mudaram, não a qualidade dos projetos. ?Havia projetos de boas empresas que ofereciam rentabilidade muito ruim diante do preço, que era alto. Agora estamos retomando justamente esses contatos?, conta. Os valores, acredita, estão chegando perto de se acomodar em um nível justo. ?Acho que agora estamos perto do piso para o preço?, diz.
Esse ajuste já realizado nos preços beneficiou os investidores que tiveram mais paciência na hora de aplicar ? ou que tiveram apenas a sorte de entrar mais tarde no mercado. ?O impacto no Brasil foi neutro. Aqui os investimentos na rede estavam tão no início que não houve grandes perdas?, diz Ricardo Anhezini, sócio da KPMG. Ou seja, não houve grandes prejuízos para investidores e ainda aumentaram as oportunidades para quem tem dinheiro na mão. O Pactual vai desembolsar apenas R$ 5 milhões para bancar os dois novos projetos. O fundo IP.com, com R$ 40,5 milhões em caixa desde o começo do ano, à espera de oportunidades, adaptou os preços à nova realidade do mercado e fixou o valor de seus investimentos entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão por projeto. ?Como tem menos gente no mercado, os preços cobrados caíram?, explica Ana Dantas, gestora do fundo.
Os investidores no mercado, diz ela, são ainda os mesmos ? os grandes fundos de private equity e de capital de risco. Mas o dinheiro deles está cada vez menos disponível para novos negócios e mais voltado para operações já em andamento. O fim da febre dos IPOs (as operações de abertura de capital nas bolsas), segundo Ana, é o responsável pelo aperto na oferta de capital para projetos em fase inicial. ?Antes, se houvesse uma segunda rodada de aporte de capital em uma pontocom, nós gostaríamos que o dinheiro viesse de novos investidores?, conta, ?porque isso confirmava o sucesso da estratégia e diluía o nosso risco?. Mas agora os investidores só aceitam pôr dinheiro se a participação no negócio sair a preços baixos. Os IPOs, que antes eram previstos para acontecer seis meses depois da partida dos projetos, agora ficaram adiados por pelo menos três anos. ?Então é preferível mudar o ritmo dos nossos investimentos e deixar para o próprio fundo fazer o segundo aporte?, diz Ana.
Nos Estados Unidos, referência mundial para os negócios na Nova Economia, a perda de mais de 40% que a Nasdaq acumula desde fevereiro provocou uma reviravolta nos processos dos investidores para analisar novas aplicações. A diretora-executiva do Deutsche Bank Strategic Ventures, Virginia Gambale, explica que a paciência para os projetos que prometem futuro mirabolante se esgotou. ?O conceito do projeto era o mais importante no começo do ano. Agora nós olhamos com muita atenção para fatores como a validade do conceito de cliente, que costuma orientar o projeto, e para o tempo que deverá ser necessário para que o negócio tenha fluxo de caixa positivo?, compara. Sem passar por essas duas provas, explica, não há investimento.
Mesmo após a aplicação estar decidida, o empreendedor ainda vai ter que pagar alto para ver o aporte de capital entrar no caixa de sua empresa. Um projeto americano tido como viável ainda consegue ter aportes grandes aprovados, de US$ 15 milhões a US$ 20 milhões, mas não há hipótese de o dinheiro sair de uma só tacada. Os recursos são liberados agora em parcelas, condicionadas ao cumprimento de metas acertadas na ocasião da rodada anterior de investimentos. São os chamados ?marcos de validação?. Esse rigor desestimulou muitos aventureiros que enviavam projetos para os grandes fundos de capital de risco na expectativa de ganhar dinheiro rápido com a especulação. A quantidade de planos de negócio aportando nas mesas dos analistas caiu pelo menos 10% depois de a Nasdaq ter começado a derreter. Os que não se intimidam, porém, continuam ambiciosos em seus planos. ?Eu diria que os valores que as pessoas pedem ainda são os mesmos. Nós é que não encaramos da mesma forma?, diz Virginia.
Fim dos IPOs Lançamentos |
Se esse é o cenário no mercado mais rico do mundo, o quadro no Brasil, então, é de muito mais rigor. Os investidores financeiros sabem que só vão conseguir lucro em projetos de Internet vendendo suas participações para empresas com interesse estratégico no setor, como telefônicas ou grandes players do universo pontocom. Por isso, é absolutamente urgente que o projeto seja economicamente viável desde o começo. ?O investimento nesse mercado passou a exigir a consistência que todo negócio deveria ter. Os projetos agora são mensurados normalmente, como qualquer empresa?, diz Serfaty, do Pactual. E, como em qualquer empresa que aceita dinheiro de fundos de capital de risco ou de private equity, os compromissos do empreendedor são grandes. ?A ingerência que os investidores têm nas companhias ficou muito maior?.