20/04/2005 - 7:00
“Esse chanceler (Amorim) me faz acusações totalmente infundadas”
DINHEIRO ? Que motivos levaram o sr. a se lançar candidato, concorrendo com o brasileiro Seixas Corrêa?
CARLOS PÉREZ DEL CASTILLO ? A minha candidatura foi anunciada primeiro e era para ser o consenso da região. O presidente Jorge Batlle [que passou o cargo no começo de março] avisou pessoalmente ao presidente Lula que o Uruguai teria um candidato durante a realização da Unctad em São Paulo, em junho de 2004.
DINHEIRO ? Então o Brasil atravessou sua candidatura?
CASTILLO ? Qualquer país, inclusive o Brasil, tem o direito legítimo de apresentar um candidato. O fato é que eu me considero mais preparado por conta dos mais de 30 anos da minha vida dedicados às questões ligadas ao comércio e ao multilateralismo, especialmente nas negociações em favor dos países em desenvolvimento.
DINHEIRO ? Mas a diplomacia brasileira parece não concordar com isso. O sr., inclusive, foi alvo de críticas do chanceler Celso Amorim, que o responsabilizou pelo fracasso da rodada de negociações realizada em Cancún, em 2003…
CASTILLO ? O Brasil, ou melhor, esse chanceler me acusa de ter produzido uma discrepância num documento sobre as negociações agrícolas que teria beneficiado os Estados Unidos e a União Européia. Isso não é verdade. Essa é uma acusação totalmente infundada. A atitude do Brasil de tentar desqualificar a minha história como estratégia para reforçar a sua candidatura é no mínimo lamentável.
DINHEIRO ? Por que sua candidatura é melhor que a do Brasil para representar a América Latina?
CASTILLO ? Neste momento, a OMC precisa de alguém com alta credencial e profissionalismo, que domine o funcionamento interno, que conheça os acordos, busque o consenso e com larga carreira dentro da organização.
DINHEIRO ? As pesquisas apontam o sr. como favorito…
CASTILLO ? Fechamos muito rapidamente o apoio de países como Argentina, Paraguai, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia. Temos ainda toda a América Central e o México. Na América Latina, os únicos países que não nos apóiam são Brasil e Cuba.
DINHEIRO ? Quem é o principal adversário?
CASTILLO ? Não entro nessa consideração. Cada um tem suas virtudes.
DINHEIRO ? Mas quem é mais difícil, o brasileiro Luiz Felipe Seixas Corrêa ou o francês Pascal Lamy?
CASTILLO ? Como no futebol, todas as partidas são difíceis e não creio que existam candidatos fáceis. O fato é que eu me considero o melhor candidato, o mais experiente.
DINHEIRO ? Como o sr. vê as declarações do candidato da França, Pascal Lamy, sobre a necessidade de uma internacionalização da floresta amazônica? O sr. concorda?
CASTILLO ? Não. Todo país tem soberania sobre seus recursos naturais e os países em desenvolvimento podem e devem gerenciá-los de forma soberana e sustentável.
DINHEIRO ? No Brasil, há comentários de que o Itamaraty teria fechado um acordo com o Uruguai para lançar apenas um candidato e que teria rompido esse acordo ao lançar a candidatura de Seixas Corrêa. É verdade?
CASTILLO ? Não existiu tal acordo.
DINHEIRO ? O governo brasileiro decidiu ter candidato próprio depois de o Uruguai optar por não integrar o G-20 [bloco de países em desenvolvimento liderado pelo Brasil para se fortalecer nas negociações com os países ricos]…
CASTILLO ? A resposta que eu tenho a dar ao governo brasileiro é que sempre defendi as nações em desenvolvimento na OMC. Prova disso é que os principais países da América Latina apóiam a minha candidatura e não a do Brasil. Nessa lista entram ainda as principais nações agrícolas. Eu tenho o apoio de oito países do G-20.
DINHEIRO ? A China diz que vai apoiar o Brasil. Até que ponto isso tira a sua vantagem?
CASTILLO ? Só posso dizer que não creio que haja uma posição uniforme do G-20 em favor do candidato brasileiro. Se a minha posição na rodada de Doha tivesse sido contra os países em desenvolvimento, eles não me apoiariam.
DINHEIRO ? O Brasil então não tinha motivos concretos para lançar um candidato próprio?
CASTILLO ? Pode haver uma série de razões que não me interessam para o Brasil lançar sua própria candidatura. O fato é que está errada a justificativa de que eu me alinhei aos EUA e à União Européia. Isso me parece uma verdade absoluta.
DINHEIRO ? Qual a seu ver seria o real motivo brasileiro?
CASTILLO ? Não sei. Isso é a diplomacia brasileira que tem de responder.
DINHEIRO ? Seria uma forma de reforçar uma liderança regional brasileira?
CASTILLO ? O Brasil tem e sempre terá uma posição de liderança, tanto pelo tamanho geográfico como pela importância econômica e peso político na própria OMC. Por isso é totalmente legítimo que busque exercer essa posição. O Brasil pode adotar o papel que quiser, fazer o que pretenda. Só não pode impor essa liderança desqualificando com razões infundadas as candidaturas de países como o nosso, apenas por termos um peso menor.
DINHEIRO ? Por que o sr. acredita que o representante de um país pequeno como o Uruguai tem condições para assumir um cargo como o de diretor-geral da OMC? O natural não seria ter um representante de uma grande economia?
CASTILLO ? Não concordo com a opinião de que seria natural sempre ter um país geograficamente grande e economicamente poderoso para dirigir os destinos da OMC. Pelo contrário, penso que um país pequeno como o Uruguai, com uma clara vocação multilateral, um país em desenvolvimento, responsável e conciliador, sem interesses hegemônicos, poderá gerar mais respeito e confiança entre todos os membros, ajudando a formar consensos sem os quais nenhum acordo será possível.
DINHEIRO ? Essa disputa com o Brasil não enfraquece o Mercosul e a unidade da região?
CASTILLO ? A existência de dois candidatos latino-americanos pode bloquear a possibilidade de a região ter um representante na OMC. Isso é uma realidade. O
fato é que não conseguimos definir uma candidatura única. Vamos competir com o candidato brasileiro e ver qual dos dois vai conseguir chegar. Tomara que seja um latino-americano.
DINHEIRO ? Quais seriam os prejuízos para o Mercosul?
CASTILLO ? Isso não terá repercussões negativas para o Mercosul, nem prejudicará as negociações do bloco.
DINHEIRO ? Essa disputa não dificulta ainda mais as novas rodadas comerciais com EUA e União Européia?
CASTILLO ? Muitos problemas nas negociações do Mercosul em relação à Alca e à União Européia estão vinculados à falta de progressos na própria OMC. Se começarmos a ter avanços, sobretudo em questões agrícolas, o impacto será positivo para outras negociações.
DINHEIRO ? A OMC tem sido alvo de críticas. O que o sr. pretende mudar?
CASTILLO ? O objetivo é terminar as rodadas de negociações para recuperar a credibilidade do sistema multilateral.
DINHEIRO ? Mas muitos países têm optado por fechar acordos bilaterais…
CASTILLO ? A assinatura de acordos bilaterais é um problema que temos de atacar. Temos de colocar o multilateralismo novamente no centro das discussões.
DINHEIRO ? Por que acordos bilaterais são um problema?
CASTILLO ? Muitos são fechados com prejuízo para os países menos desenvolvidos. Alguns casos excluem a agricultura e a proliferação de acordos desse tipo tem impacto negativo no longo prazo. Na Ásia, muitos acordos estão sendo fechados dessa forma.
DINHEIRO ? A OMC perdeu força?
CASTILLO ? A OMC tem tido muitos problemas nos últimos anos por conta de uma agenda cada vez mais complexa. Hoje não são discutidos apenas temas comerciais. Entram na pauta serviços, propriedade intelectual, compras governamentais e questões ambientais e trabalhistas.
DINHEIRO ? Mas esses são temas que estão na pauta de acordos como a Alca, por exemplo.
CASTILLO ? Esses temas têm de ficar fora da OMC, que deve ser usada para fomentar o comércio mundial e transformá-lo em instrumento para o desenvolvimento. Se for eleito, quero aumentar o orçamento da organização.
Hoje, a ONG WWF (Fundo Mundial para a Natureza) tem três vezes mais recursos
que a OMC.