Em meio à toada global – e principalmente americana – de revisão de programas de diversidade em companhias, o Presidente da Accenture no Brasil, Rodolfo Eschenbach, relata que a companhia ‘acabou com cotas’, mas tem conseguido manter os mesmos níveis de diversidade.

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Ao Dinheiro Entrevista, o executivo da gigante multinacional de consultoria em gestão e tecnologia conta que a decisão não foi algo necessariamente alinhado com o board ou vinda de forma interna, dos executivos da Accenture – mas sim para cumprir uma ordem executiva do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

“O trigger [gatilho] para isso nos Estados Unidos e globalmente foi uma das executive orders que o Trump fez, na qual ele ordenava que todas as empresas que estivessem trabalhando com o Governo Federal dos Estados Unidos tivessem de parar programas de diversidade, e que poderiam ter sanções que eu diria….bastante severas”, afirma.

“A Accenture é um dos grandes fornecedores do Governo Federal americano. Temos uma empresa específica que se chama Accenture Federal Services, que trabalha para o Governo Federal dos EUA. Ela é bastante representativa”, acrescenta.

Assim, para evitar ser penalizada, a companhia derrubou seus programas de diversidade nos EUA.

Eschenbach relata que a companhia tem uma prática chamada internamente de global consistency, que prevê isonomia nas práticas a nível global – ou seja, com a decisão de derrubar programas de diversidade na divisão dos EUA, outras geografias em que a companhia está presenta passaram a ter a mesma postura.

“A gente quer, na verdade, que a Accenture tenha a mesma cara no mundo inteiro. A gente resolveu, por isso, rever nossos programas de diversidade. A gente tomou algumas ações que valem par ao Brasil, por exemplo, acabamos com as cotas. O que é isso? Quer dizer que eu efetivamente não tenho mais um target de cotas de mulheres, de negros para um país por exemplo como o Brasil. Mas eu continuo fazendo a diversidade acontecer. Isso quer dizer que eu continuo medindo diversidade”, explica.

Durante a entrevista, o presidente da operação brasileira relatou que no ciclo de promoção mais recente da empresa, em junho, as mensurações internas de diversidade se mantiveram mesmo sem as cotas.

“Estamos garantindo que a quantidade de pessoas promovidas, no mínimo, representem a população de negros, de mulheres”, afirma.

A tese é de que práticas de diversidade não dependem necessariamente de cotas e de que, dado que isso já estaria integrado à cultura da empresa, os percentuais de representatividade serão mantidos.

“Eu efetivamente continuo medindo percentual de mulheres e de negros. No primeiro momento as pessoas pensaram: ‘Acabou tudo’. Mas não, isso está tão dentro da cultura que os programas continuam. Quando olhei o resultado do RH, tive uma visão muito positiva. Organicamente, o percentual ficou melhor do que com as cotas. Isso mostra que está dentro da cultura.”

A IstoÉ Dinheiro questionou a empresa sobre o percentual atual de mulheres e de negros no quadro de funcionários no Brasil, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.

Accenture não quer ‘diversidade que cria diferenças’

O presidente da Accenture no Brasil disse ainda que a companhia redesenhou algumas práticas e, por exemplo, parou de realizar treinamentos exclusivos para minorias.

Na visão da gestão, isso é uma prática de diversidade que ‘cria diferenças’.

Além disso, Eschenbach ressalta que a empresa segue apoiando eventos, mas agora tem uma abordagem de incluir a empresa inteira – seguindo o mesmo raciocínio.

Por fim, frisou que a companhia quer seguir sendo representativa olhando para a demografia brasileira.

“O Brasil é um país diverso, então se não tivermos uma força [de trabalho] diversa não estamos representando o país. Essa diversidade de cultura, de gênero, de raça, é muito importante para soluções criativas.”

Entenda a ordem executiva da Trump

A ordem executiva citada pelo executivo é a Executive Order 14173, assinada por Donald Trump em 21 de janeiro de 2025. Essa medida revogou outra ordem executiva de 1965 – a EO 11246 –  e várias outras que exigiam ação afirmativa e prevenção à discriminação em empresas contratadas pelo governo federal.

A decisão do republicano determinou então que os contratos federais não exijam mais cláusulas de diversidade, quotas ou planos afirmativos – com exceção das leis civis já existentes.

Com isso, os fornecedores governamentais tiveram um período de transição de 90 dias para ajustar políticas e cumprir as novas exigências.

Nessa toada, o Escritório de Programas de Conformidade de Contratos Federais (OFCCP, na sigla em inglês) perdeu sua autoridade de interpretar e fazer cumprir políticas de ação afirmativa e passou a centralizá-las no próprio Departamento do Trabalho.

As sanções previstas no descumprimento dessa norma incluem cancelamento ou suspensão de contratos e multas, além de ações civis e criminais por declarações falsas ou violação de exigências contratuais.

O Departamento de Justiça (DOJ, na sigla em inglês) foi inclusive instruído a investigar ou processar empresas privadas cujos programas DEI sejam considerados discriminatórios

Além dessa medida, Trump também assinou em janeiro deste ano a Executive Order 14151, que encerrou imediatamente todos os programas, escritórios, mandatos e financiamentos relacionados ao que é conhecido como práticas de DEI – Diversidade, Equidade e Inclusão.

O que é a Accenture

A companhia, com sede nos EUA, é uma das maiores empresas de consultoria em gestão e tecnologia do mundo. A empresa tem presença em mais de 120 países, fatura mais de US$ 65 bilhões por ano e emprega cerca de 740 mil pessoas.

Inicialmente a empresa nasceu como um braço da Arthur Andersen na década de 1950, empresa de auditoria e contabilidade membro das chamadas big five – hoje são big four (KPMG, Deloitte, PwC e Ernst & Young) dado que a Arthur Andersen encerrou suas operações no início dos anos 2000 após protagonizar o escândalo da Enron.

Ainda dentro da Arthur Andersen, a empresa era simplesmente uma divisão de Administrative Services, voltada para consultoria de negócios. Essa braço da companhia chegou a ser contratado pela General Electric para instalar o primeiro computador comercial nos Estados Unidos, o UNIVAC I, projeto que foi um divisor de águas.

Essa divisão de negócios cresceu muito rápido e com boas margens, se tornou Andersen Consulting, e depois, no início dos anos 2000 se tornou uma empresa desvinculada da Arthur Andersen, e com isso trocou o nome.

A empresa então passou a se chamar Accenture, em referência a expressão Accent on the Future, que significa ênfase no futuro. A sugestão foi de um funcionário da Noruega.