22/02/2012 - 21:00
No auge da crise financeira que atingiu as maiores economias da Europa, no início de 2011, o recém-nomeado chairman do grupo hoteleiro Accor, o francês Denis Hennequin, reuniu-se com seus principais executivos em Paris. Naquele primeiro encontro, Hennequin repetiu por várias vezes, olho no olho dos interlocutores, a expressão ça va aller – algo como “vai ficar tudo bem”, em português. À frente da terceira maior rede hoteleira do planeta em número de estabelecimentos, com um faturamento de € 6,1 bilhões no ano passado, Hennequin, ex-presidente do McDonald’s na Europa, sabia que a confiança de seus líderes na solidez do Accor seria fundamental para transmitir segurança aos investidores e evitar tropeços diante dos períodos difíceis que surgiam no horizonte.
Roland Bonadona, presidente da empresa para américa latina: “Vivemos a melhor e mais confortável
fase de crescimento e investimento da história da rede no País”
E deu certo. Em 2011, o faturamento cresceu 5,2%, enquanto seus principais concorrentes no segmento premium, os americanos InterContinental, Marriott, Hilton e Starwood, que mantêm suas operações muito concentradas nos Estados Unidos, patinaram nos resultados financeiros, em decorrência dos problemas na economia americana. A confiança de Hennequin não se baseava apenas em seu otimismo, mas tinha como pano de fundo o ambicioso plano que havia rascunhado, no qual o Brasil é peça-chave. O projeto, batizado por ele de “34 em 4” – e que sintetiza a meta de erguer entre 2012 e 2015 o mesmo que foi feito entre 1976, ano da estreia da Accor no Brasil, e 2011 –, prevê nada menos do que dobrar o tamanho da rede no País.
Patrick Mendes, diretor de operações da empresa: “Os parceiros da Accor
nunca foram tão simpáticos aos investimentos no Brasil como agora”.
Atualmente, o grupo possui 150 hotéis em operação em todas as regiões brasileiras, número que deve chegar a 300 nos próximos quatro anos, com a injeção de mais de R$ 2,5 bilhões. Com isso, a operação brasileira também ganhará uma participação mais relevante na formação dos resultados mundiais do grupo francês. Enquanto o País responde atualmente por apenas 6% do resultado global da companhia, terá de superar, por determinação da matriz, 10% até 2015. “Vivemos a melhor e mais confortável fase de crescimento e investimento da história da Accor no País”, afirma o presidente da rede para a América Latina, Roland Bonadona, um parisiense que desembarcou por aqui em 15 de março de 1990, em plena posse do então presidente, Fernando Collor de Melo, em meio a um clima hostil para os negócios, marcado por uma economia hiperinflacionária e por uma forte instabilidade política.
“Há uma demanda reprimida aqui, uma vontade imensa de investimento, que estava represada, e um cenário esplêndido para o crescimento da hotelaria”, diz o executivo, empolgado, escandindo suas palavras com um forte sotaque francês. Formado em administração de empresas pela Universidade de Paris IX, Bonadona, casado, quatro filhos, 59 anos, ingressou no Accor em 1973, como estagiário. Para colocar o plano “34 em 4” em operação, Hennequin, de seu QG em Paris, não só deu carta branca a Bonadona como também escalou um dos melhores executivos do grupo, seu compatriota Patrick Mendes, para ajudá-lo a conduzir a revolução da empresa no mercado brasileiro. “A vinda de Patrick simboliza que o Brasil é a bola da vez”, diz Bonadona.
Aparentemente, não se trata de uma mesura protocolar de Bonadona. Mendes, 43 anos, um superatleta, aficionado por corridas de longa distância, que agora comanda a diretoria de operações na América Latina e se mudou com a mulher e dois filhos para São Paulo há um mês, ganhou status de curinga dentro da corporação ao fazer deslanchar os negócios na Ásia. A região, em cinco anos, passou de uma operação modesta ao bloco que responde pela maior fatia dos resultados financeiros do grupo em todo o mundo, com uma participação de 30%, à frente até dos 23% da França e dos 20% das Américas. “Temos sinal verde da Accor para investir no Brasil o quanto for preciso”, afirma Mendes, com o sotaque lusitano de quem viveu muitos anos em Portugal, a serviço do grupo.
Denis Hennequin, o novo chefão do grupo: ex-presidente do McDonald’s na Europa assumiu o comando
da companhia no auge da crise e exergou no Brasil um mercado de oportunidades.
“Os investidores, os acionistas e os parceiros da Accor em todo o mundo nunca foram tão simpáticos às propostas de multiplicar os negócios no Brasil quanto agora.” O aval dos investidores faz todo o sentido e não tem relação direta com eventos como a Olimpíada, a Copa do Mundo nem com a privatização dos aeroportos. A explicação está nas cifras. O Brasil possui a maior taxa de retorno sobre o investimento em todos os 90 países em que a Accor atua. A taxa de transformação no País – uma equação matemática que mede o percentual da tarifa que vai para o bolso dos investidores – varia entre 50% e 55%, de acordo com a região em que o hotel opera. A média mundial em todos os 4,4 mil hotéis da Accor está entre 41% e 47%, e as suas maiores concorrentes têm taxa de retorno inferior a 40%.
“Os investidores e parceiros da Accor, sem dúvida, foram os que tiveram os melhores retornos nos últimos anos proporcionalmente ao valor investido”, diz o empresário Julio Serson, dono da rede Hotéis Vila Rica e franqueado da cadeia Ibis, uma bandeira de categoria econômica da Accor, em Porto Velho, a capital de Rondônia, e Belém, no Pará. “O custo de aquisição de uma bandeira da Accor é caro e as taxas mensais pelo uso da marca são altas, mas o retorno compensa porque, com hotéis cheios, ganha-se em escala”, diz Serson. A elevada taxa de ocupação dos hotéis da Accor, definitivamente, é um dos trunfos da empresa para atrair investidores e turbinar a expansão da rede. Enquanto o índice médio de ocupação do setor hoteleiro no País atingiu 71% em 2011, um aumento de 7% sobre 2010, segundo a consultoria Jones Lang LaSalle, o percentual na Accor está entre 75% e 95%.
“A capilaridade da rede e o forte movimento de interiorização dos investimentos, que vão para onde as empresas se instalam, estão alimentando esse crescimento da ocupação”, diz Manoela Gorni, diretora da consultoria. “Para a indústria hoteleira, o Brasil é o melhor mercado do mundo.” O entusiasmo da Accor e dos investidores pela promissora expansão do mercado brasileiro está expresso nos números da companhia. Enquanto há no País 106 projetos de novos hotéis já aprovados pela matriz, chamados de pipelines, e um impressionante volume de quase 300 estudos em desenvolvimento, na China, o segundo colocado no ranking de expansão da Accor, existem apenas 50. Além disso, todas as 12 bandeiras do grupo – das quais sete já atuam no Brasil – deverão estar operando aqui nos próximos anos.
Sai a marca Formule 1 e entra Ibis Budget: reposicionamento das marca
terá foco na hotelaria econômica, voltada a clientes da classe C.
Até mesmo as mais sofisticadas, como a MGallery, que exibe um luxuoso conceito de hotel-butique, estão nos planos da Accor para o mercado local. “O Brasil está bem servido de opções de categoria intermediária, que chamamos de midscale, e também de hotéis de baixo custo”, diz Bonadona. “As alternativas voltadas a executivos e de turismo de luxo, as de categoria upscale, terão, provavelmente, a maior expansão num futuro próximo, graças ao crescimento da economia brasileira.” Segundo ele, a Accor tem a vantagem de contar com um boa distribuição geográfica, nas cinco regiões do País, e de operar em todas as categorias de tarifas e serviços. A capilaridade e a diversidade de categorias de serviços, de fato, têm se mostrado uma das maiores armas da estratégia da rede francesa.
Na semana passada, a Accor anunciou a construção com parceiros locais de um hotel Ibis de 96 apartamentos em Não-Me-Toque, município agrícola com 16 mil habitantes, no interior do Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo, locais que costumam ficar ao largo dos investimentos hoteleiros foram alvos do plano expansionista da Accor. É o caso de Parauapebas, na região de Carajás, no Pará, e de Dourados, em Mato Grosso do Sul. “O processo de interiorização tem garantido um retorno impressionante a redes como a Accor e provado que a indústria hoteleira não depende apenas de pontos turísticos e da criação de polos econômicos”, diz Enrique Fermi Torquato, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih). Um outro lance do plano brasileiro da Accor pôde ser observado na semana passada.
Na terça-feira 14, foi anunciada a construção, em parceria com a incorporadora paulista Setin Empreendimentos, dos primeiros cinco hotéis da bandeira Adagio no País. Serão quatro em São Paulo e um na Bahia, previstos para 2015. A Adagio vai explorar um novo segmento hoteleiro no País, com foco no cliente de longa estada – a partir de quatro noites. “O cliente pode decorar o apartamento como quiser, receber e cozinhar para amigos, trazer o animal de estimação”, diz Mendes. “A cozinha é equipada com panelas, talheres, microondas e máquina de lavar louça, um conceito de hospedagem que ainda não existe por aqui.” Além da segmentação dos hotéis, parte do segredo do plano “34 em 4” está no modelo de captação de recursos que financiará o crescimento da Accor brasileira.
Dos R$ 2,5 bilhões já programados, cerca de 30% virão do próprio caixa, para a construção de unidades próprias. O restante, no entanto, será bancado por investidores, acionistas do grupo e empresários independentes, que assumirão unidades franqueadas. “Seremos fortes como rede, fortes como gestoras de hotéis, fortes como marcas”, afirma Bonadona. “Todas as metas serão alcançadas graças a esse modelo misto de expansão dos negócios.” Faz parte também do plano elaborado pelo chefão Hennequin o reposicionamento de algumas de suas marcas. A principal marca de baixo custo, a rede Ibis, será dividida em três: Ibis Budget, Ibis Style e a tradicional Ibis, no molde que já existe. Além disso, as 26 unidades da rede Formule 1 deixarão de existir ainda neste ano e serão transformadas em Ibis Budget.
Novas bandeiras e serviços inéditos no país: decisão de trazer a rede Adagio, como a de
São Francisco (EUA), revela que a Accor não quer apenas a hospedagem de curto período.
As outras bandeiras, Sofitel, Pullman, Novotel e Mercure, serão reforçadas nos principais centros econômicos do País. Trata-se de uma tarefa urgentíssima: afinal, nos últimos anos, a Accor tem tentado, infrutiferamente, ampliar sua presença nas grandes metrópoles. Tanto a cidade de São Paulo, com 41 mil leitos – muito próxima do estrangulamento da capacidade em razão de quase cinco anos sem a ampliação da rede hoteleira –, como o Rio de Janeiro, com apenas 25 mil leitos, precisariam ter, no mínimo, um número 50% maior que o atual para dar conta da demanda já existente. “As maiores cidades brasileiras são grandes preocupações nossas”, afirma Bonadona. “O elevado custo de terrenos e aquisições de prédios dificulta os investimentos, mas já estamos com planos para retomar, com força, o desenvolvimento hoteleiro em São Paulo.”
Há quatro anos sem abrir novas unidades na capital paulista (a última foi o Ibis Morumbi, em 2008), a Accor acabou de anunciar a construção do Adagio São Paulo Barra Funda, que será entregue em 2015. A ofensiva da Accor está em sintonia com os esforços de outras redes hoteleiras internacionais. Segundo a BSH Travel Research, divisão estatística da BSH International, empresa especializada no setor, há R$ 7,3 bilhões em investimentos anunciados até o fim de 2014, para abertura de 198 hotéis. Para Bonadona, esse número, que deve se multiplicar nos próximos anos, reforça a convicção de que o grupo francês está no rumo certo. “Daremos o maior salto em nossa história no País porque estamos enxergando as oportunidades, mas também porque sabemos que toda a indústria hoteleira também enxerga o mesmo que nós”, afirma. “Pode apostar, a Accor vem com tudo.”