Lula e Mantega: apostam que a economia brasileira vai crescer à taxa de 5% ao ano.

Foi bonita a festa. O cerimonial do Palácio do Planalto caprichou e o Programa de Aceleração da Economia (PAC) veio ao mundo com pompa e circunstância, na manhã da segunda-feira 22. Foram testemunhas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a primeira-dama, Marisa, e o vice-presidente, José Alencar, que ocuparam o palco principal. Na platéia, quase todo o Ministério, expoentes da política e dos negócios e 25 governadores. A apresentação coube ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Os números, à primeira vista, soaram grandiosos. Nos próximos quatro anos, o governo pretende investir R$ 503,9 bilhões em transportes, energia, saneamento, habitação e recursos hídricos. O objetivo é crescer 5% ao ano, com distribuição de renda e inclusão social. ?É hora, acima de tudo, de romper barreiras e superar limites”, ressaltou Lula, ao abrir o evento. A injeção de dinheiro novo, contudo, será de apenas R$ 81 bilhões e a desoneração fiscal ficou muito aquém do que se esperava. Reformas essenciais, como as da Previdências e da legislação trabalhista, também estão fora da pauta. Como se adivinhasse que havia algo de errado no ar, o presidente tratou de se adiantar aos críticos: ?Antes que os porta-vozes do óbvio digam que falta isso e falta aquilo, esclarecemos que o pacote vai ser implementado em módulos?. Mesmo assim, não conseguiu evitar que o PAC fosse mal recebido. ?Quando vi o PAC, lembrei-me dos planos de desenvolvimento da época da ditadura?, disparou o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nobrega. ?Lá estava o Lula, se sentindo o general Geisel, achando que o Estado pode fazer tudo sozinho.?

Preocupação: governadores temem perder recursos do Fundo de Participação

À medida que Mantega e Dilma foram desatando oambicioso pacote , foi crescendo o desapontamento pelo País afora. Ficou claro para economistas e empresários que o PAC é apenas a consolidação dos investimentos públicos futuros e já em andamento. Imediatamente foram feitas comparações com planos econômicos que não passaram das boas intenções, como o Avança Brasil do governo Fernando Henrique, em 1999. A própria Dilma Rousseff, talvez vencida pelo cansaço, desfez qualquer ilusão: ?Não aumentamos nada, não inventamos nada.? Há pequenas novidades como o reforço de R$ 5 bilhões nas aplicações da Caixa Econômica e a criação de um fundo de R$ 5 bilhões com recursos do FGTS para aplicação em infra-estrutura. Mas são ilhas isoladas no conjunto do PAC. Outro ponto contribuiu para desfazer a força do Programa: mais de um terço dos desembolsos ? R$ 171 bilhões ? faz parte do planejamento estratégico da Petrobras. ?Trata-se de mera colagem?, acusou o consultor político Murillo de Aragão, da Arko Advice. ?Melhor chamá-lo de PCA ? ou Plano do Conselheiro Acácio?, fulminou o prefeito Cesar Maia, em seu ex-blog. Aragão lamenta que o governo tenha relegado as reformas a segundo plano: ?Se o governo não vai aproveitar o momento mágico do início de seu segundo mandato, com os cofres cheios e apoio popular, para fazer reformas, quando o fará?? Para ele, ?frente às expectativas criadas, o plano é quase ?uma montanha que pariu um rato?. Talvez, uma paca?.

“Nós não inventamos nada”
Dilma Rousseff:
ministra da Casa Civil.

Afinal, onde pecou o PAC? Na visão dos críticos, o Programa não gerou as condições ideais para a redução do gasto público, nem para a queda da carga tributária. Também não criou um clima de segurança jurídica para os investidores. ?O gargalo mais importante para o crescimento é a carga tributária, de longe a maior da América Latina?, frisa o economista Ricardo Amorim, diretor do banco West LB em Nova York. Alheio a tudo isso, o PAC ampara-se somente na perna estatal. Satisfaz, no limite, aos armadores que vivem de encomendas da Petrobras e às empreiteiras que giram em torno das obras públicas. ?O Brasil será outro se essas medidas forem cumpridas. Se tudo isso ocorrer, vamos resolver rapidamente os gargalos da infra-estrutura?, comemorou Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base (Abdib). A grande maioria da indústria, porém, ficou a ver navios. O total da desoneração fiscal chegou a ser estimado em R$ 12 bilhões. A Receita Federal reagiu e, ao fim e ao cabo, a renúncia fiscal não passou de R$ 6,6 bilhões. A redução de tributos beneficiará basicamente a produção de computadores, de semicondutores, de TV digital (leia matéria na página 30) e também o consumo de perfis de aço, insumo da construção civil. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, viu-se forçado a reconhecer que muita coisa ficou de fora, principalmente os incentivos fiscais para a compra de bens de capital. ?O PAC é como um avião que não tem assento para todos. Vamos tentar numa segunda etapa.?

Além da reação negativa de setores da indústria que não foram contemplados, o governo Lula vai enfrentar uma árdua negociação com os governadores. Por mais modesta que seja, a renúncia fiscal pode reduzir os recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Mas os governadores não estão dispostos a perder receita. Ao contrário, exigem contrapartida imediata. Ciente disso, o presidente Lula determinou aos ministros que estudem as reivindicações dos Estados e elaborem uma agenda positiva para a reunião entre o presidente e os governadores marcada para 6 de março. Mantega, contudo, descarta qualquer concessão, pois aposta que os Estados serão beneficiados com o estímulo à atividade econômica. ?Estou seguro que os benefícios são infinitamente superiores a alguma perda ocasional que eles terão”, afirma o ministro. Outra frente conturbada ocorrerá nas negociações com o Congresso. As ações do PAC dependem de sete medidas provisórias e cinco projetos de lei, a serem aprovados pelo Parlamento.

Problemas, portanto, não faltam no caminho do PAC. Há dúvidas até mesmo sobre sua efetiva implementação. ?Não há como prever se o PAC vai ou não sair do papel e mais uma vez teremos que esperar. Não sei se o governo vai conseguir dar seguimento aos projetos porque sua capacidade de gestão é muito ruim?, afirma o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. Com a experiência de quem foi responsável pela formulação dos planos nacionais de desenvolvimento entre 1964 e 1978, o ex-ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso acredita que o PAC, como disse o presidente Lula, seja apenas uma primeira etapa da estratégia de crescimento. Mas também está preocupado com a execução dos investimentos. ?O Programa não pode ser alvo de contingenciamento?, comenta. ?É importante perseguir a estratégia e cumprir os investimentos. No meu tempo, os planos não ficaram no papel. Aconteceram?, adverte Velloso. Será que o PAC vai acontecer? Para o governo Lula, é uma questão de fé. Entre os economistas, porém, o ceticismo é grande. O PAC não convenceu e exige correção de rumo. Ou seja, o barco nem saiu do porto e já faz água.