06/11/2002 - 8:00
O encontro ocorreu no dia 13 de outubro, em um auditório em São Paulo, e reuniu executivos do setor de tevê paga e autoridades do governo, entre elas o ministro das Comunicações, Juarez Quadros, e o presidente da Anatel, Luiz Guilherme Schymura. A certa altura da conversa, um dos convidados, o discreto Jorge Nóbrega, diretor de coordenação estratégica das Organizações Globo e braço direito da família Marinho, foi questionado sobre a performance dos negócios como tevê a cabo e por satélite, conteúdo, internet e demais áreas que hoje compõem a holding Globopar. Respondeu assim: ?Investimos mais de US$ 2 bilhões nos últimos anos nesses ativos. Me pergunto hoje se aquilo tudo valeu a pena?. Menos de um mês após o desabafo de Nóbrega, a Globopar sacode o setor de comunicação com o anúncio de que irá reescalonar o pagamento de suas obrigações financeiras num processo que deve durar 90 dias. Traduzindo para o bom português, a empresa deixará de honrar os compromissos temporariamente para renegociar seus débitos com os credores. As dívidas totais somam R$ 2,6 bilhões, boa parte atrelada ao dólar. O presidente da Globopar, Ronnie Moreira, atribuiu a situação ?à significativa desvalorização do real e à deterioração das condições econômicas do Brasil?.
A negociação com os credores deverá envolver uma combinação de propostas que inclui alongamento da dívida, redução da taxa de juro e capitalização da companhia. O processo está sendo tocado pelo banco de investimento Goldman Sachs, a americana Houlihan Lokey Howard & Zukin (especializada no aconselhamento financeiro de grupos de mídia) e o Unibanco. Na outra ponta, a Globopar irá rever toda a sua estrutura de negócios. Não descarta a venda de ativos e a fusão de companhias, para reduzir custos e fazer caixa. As empresas controladas pela Globopar são a Globo Cochrane (gráfica), Editora Globo, Globo.com, Som Livre e Globosat (conteúdo para tevê por assinatura). A holding também mantém participações na NET Serviços (tevê a cabo) e Sky (por satélite). Os jornais, rádios e TV Globo são ativos diretos da família Marinho, administrados independentemente da Globopar ? embora a TV Globo seja garantidora de parte dos compromissos da holding. Roberto Irineu Marinho, vice-presidente das Organizações Globo, afirmou, em nota aos seus executivos e funcionários, que a situação da Globopar não interfere no cotidiano da tevê.
?Este é só um processo de renegociação. A Globopar tem força suficiente para sair dessa?, minimiza o consultor Walter Longo, da empresa Synapsys. Segundo ele, a estratégia agora será reavaliar os ativos que necessitam de capital intensivo. Inclua-se nesse rol os negócios de tevê paga, nas quais a Globopar tem participação. Um dos grandes problemas deste segmento é o descompasso causado pelas receitas em reais e as despesas em dólar, o que onera bastante os custos operacionais. Nos últimos dias, os principais executivos do grupo estiveram reunidos para tentar encontrar formas de sanear a empresa. Já está em estudo, por exemplo, a fusão da Globosat e Globo.com e também a absorção do canal Sportv pela estrutura da TV Globo. Em carta endereçada aos funcionários na semana passada, o diretor geral da Globosat, Alberto Pecegueiro, confirmou a intenção: ?… estamos estudando possibilidades de ganhos de uma eventual fusão da Sportv com a TV Globo. O Sportv é um dos canais de maior custo da Globosat…?.
No caso da Sky, até agosto de 2003 a News Corp, do empresário Rupert Murdoch ? que assumiu o controle há dois meses ?, tem o compromisso de arcar com todos os investimentos necessários. Significa dizer que se a situação apertar, a Globopar, na pior das hipóteses, trocaria pendências financeiras pela diminuição de sua participação na operadora. Em relação à NET, ex-Globo Cabo, a situação ainda está indefinida. A direção da operadora diz que suas dívidas (de US$ 300 milhões) estão fora do processo de renegociação da Globopar e tenta de todas as formas desvincular a empresa dos problemas dos acionistas. Mas é provável que em algum momento a NET seja afetada pela reestruturação.
Murdoch e Dantas. Não é de hoje que os Marinho e a família Murdoch conversam sobre a possibilidade de uma atuação maior da News Corp no império brasileiro. Os encontros entre os dois clãs têm sido cada vez mais freqüentes. ?Não será nenhuma surpresa se Murdoch assumir a NET?, afirma um analista que acompanha há anos o setor. No mercado, os comentários vão além. Há a versão de que o empresário australiano, que já é dono da Sky, não só ficaria com a NET como também levaria até uma parte da TV Globo. Em troca, assumiria as dívidas totais de US$ 2,6 bilhões do grupo brasileiro. ?Seria um grande negócio. Ele (Murdoch) ficaria com 2,2 milhões de assinantes no Brasil e com participação na emissora líder de mercado?, comenta o analista. Mas não é só o magnata australiano que espicha os olhos para as empresas da Globo. O banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, corre por fora. Faria a transação por meio da Brasil Telecom, controlada pelo seu banco, com o apoio do BNDES. Dantas está de olho na estrutura de cabos da NET.
A família Marinho tem pressa. Nos últimos seis meses, o grupo investiu mais de US$ 170 milhões na Globopar para tentar
gerenciar o endividamento. Os recursos vieram da redução de participação em algumas empresas (caso da Sky) e da venda de emissoras de tevê. Já foram negociadas 11 delas: 8 no Paraná e 3 no interior de São Paulo. O grupo deve arrecadar cerca de R$ 310 milhões com estes ativos. A estratégia, segundo analistas, está correta. No mercado, é unânime a opinião de que o grupo tem que se ater apenas aos ativos geradores de caixa como os jornais e TV Globo. ?No fundo, tudo isto tem um único propósito: blindar a Globo, evitando que os problemas com negócios periféricos afetem o pote de ouro da família?, diz um analista.