09/02/2019 - 8:45
Responsável pela negociação de acordos como o da Odebrecht, o advogado Caio Farah Rodriguez, sócio do escritório Barros Pimentel Advogados e um dos principais especialistas em colaboração premiada do País, diz que a configuração do governo aponta para reforço na busca por acordos de leniência, que podem ganhar novos usos, reduzindo disputas judiciais entre empresas e a União. Segundo ele, empresários começam a enxergar vantagens em fechar acordos para viabilizar novos negócios, como a venda de ativos. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que as escolhas para AGU, CGU e Justiça sinalizam para o uso da leniência pelo governo?
Um reforço fortíssimo. Olhando o perfil dos ministros e a relação deles com Ministério Público, podemos esperar coordenação institucional e diálogo onde antes não havia. Creio que esse instrumento será fortalecido de todos os meios que eles puderem. Acho que o novo governo vai, inclusive, utilizar esse instrumento não apenas para combate à corrupção, mas como exemplo de soluções consensuais para problemas relevantes que tipicamente seriam judicializados.
De que forma?
Percebo inclinação por celebrar acordo também para fixação de danos, permitindo a empresas que ficariam anos na Justiça estabelecerem quanto devem (rapidamente). Podemos esperar ampliação do uso.
A leniência já se incorporou à cultura das empresas?
Ainda é algo em construção. Com o da Odebrecht, houve reconhecimento de que é possível celebrar acordos sobre assuntos sensíveis com órgãos do governo. Vejo também que a leniência servirá para viabilizar outros negócios, como a venda de ativos contaminados por problemas de corrupção. Antes, esses negócios não seriam fechados porque comprar uma empresa contaminada era enfrentar o imponderável: não saber se ela poderia quebrar, se os contratos dela seriam anulados. Ao fechar leniência, aquele ativo fica blindado e pode ser comprado de forma mais fácil. É uma evolução do instrumento que será interessante para o mercado.
Veremos isso nos Estados?
Sim. A Lava Jato começará a germinar nos Estados e municípios, onde as empresas locais poderão se valer do mesmo mecanismo do acordo de colaboração, permitindo que os ativos sejam eventualmente vendidos. A existência de uma força-tarefa, da interação entre promotores civis e criminais, ficou como lição de funcionamento. O fato de ter na União pessoas que são especialistas no assunto facilitará esse processo de aprendizagem.
Qual deve ser o limite para possibilitar uma colaboração?
O limite é uma vez. É como o Refis que, existindo todo ano, faz com que empresas não se preocupem tanto em pagar imposto. Não quer dizer que o negócio deva morrer na segunda vez. Mas criar um mecanismo para aumentar a gradação (da pena), impondo maiores consequências. Não pode haver liberou geral da leniência.
Há debate sobre se donos de empresas corruptas devem ser obrigados a deixar o controle.
A ideia é sedutora, pois parece corresponder a anseios profundos de punição dos envolvidas. Não é de se excluir de todo, mas merece análise mais sutil do que apareceu até agora. É preciso evitar que sirva de pretexto para expropriações arbitrárias, favorecidas pela retórica politicamente oportunista do combate à corrupção, ou que sirva como conluio entre expropriador e expropriado, usando recursos públicos para dar liquidez a ativos que talvez não tivessem. A simples mudança de controle pode ser inofensiva ao combate a práticas antimercado. Muda-se o controlador, mas a estrutura econômica concentrada segue a mesma.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.