07/12/2024 - 7:00
O acordo entre o Mercosul e a União Europeia fechado nesta semana é um marco histórico no comércio global e apontou concessões possíveis de ambos os lados – com concessões industriais do Brasil, por exemplo, ao passo que o protecionismo do agricultor médio da Europa também foi ‘vencido’.
Na avaliação de Welber Barral, especialista em relações internacionais e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil, o acordo Mercosul-UE é ‘bastante completo’ e ‘muito equilibrado’, mas é necessário se manter vigilante sobre a concretização das medidas e de como será a apreciação do texto pelas autoridades.
“Imediatamente teremos dois efeitos positivos: o maior interesse pelo Mercosul na Europa e vice-versa, já que o acordo chama mais atenção dos empresários. O segundo efeito é que isso tem um impacto global em um momento em que o mundo tem iniciativas protecionistas, como as do Trump nos EUA, para citar um exemplo. Nesse sentido vejo como uma sinalização positiva, ainda mais considerando que a UE negocia com outros parceiros econômicos, como Índia e Japão”, destaca.
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Para entrar em vigor, o acordo ainda precisa passar pelo parlamento de todos os países da União Europeia, ter 55% dos votos da Comissão Europeia e uma representação de 65% da população dentro do comitê.
Acordo terá um ‘debate ainda longo’
“A percepção atual é de que o texto terá apoio, mas será um debate ainda longo”, diz o especialista. Ele lembra que ajudou a costurar o acordo em meados de 2010, em Madri, e que à época a perspectiva era de aprová-lo em dois anos.
França, Itália e Polônia já se posicionaram contra o acordo.
“O agricultor do oeste europeu -França, Bélgica, Holanda -…. eles são muito subsidiados e muito protecionistas. Esses países vão tentar mudar votos na Comissão Europeia”, diz Barral.
O panorama ficou evidente em um imbróglio recente, de um anúncio de boicote da varejista francesa Carrefour à carne vinda do Mercosul. O CEO, Alexandre Bompard, postou nas redes sociais o comunicado da companhia, que gerou uma série de comunicados negativos de autoridades brasileiras – especialmente pelo fato de a carne brasileira cumprir para com o padrão ouro de regulação sanitária, deixando claro que o boicote não tinha uma motivação clara se não o protecionismo do agricultor médio da França.
Brasil tem vitória ao conseguir tirar SUS do acordo
Barral explica que, dentre as perspectivas de apoio de líderes dos blocos econômicos, o Brasil historicamente sempre apoiou o acordo, desde o governo FHC.
Uma das poucas exceções foi a Argentina. Atualmente Milei apoia o acordo, mas o presidente anterior, Alberto Fernández, se mostrava crítico.
Ele destaca que foi uma ‘vitória para o governo brasileiro’ o teor das compras governamentais dentro do acordo. Isso pois o Brasil conseguiu, por exemplo, retirar o Sistema Único de Saúde (SUS) do acordo de livre comércio, defendendo que as compras governamentais compõem uma “ferramenta da nova política industrial brasileira”.
Com isso, o país conseguiu “a completa exclusão das compras realizadas pelo Sistema Único de Saúde” do acordo.
Redução progressiva das tarifas
Após passar pela apreciação de todos os comitês, o acordo implicará na redução de tarifas de uma série de itens.
O acordo prevê que 91% das importações originárias da UE fiquem livres de taxações do bloco sul-americano. Além disso, fornecedores de bens e serviços serão tratados como se integrassem o bloco econômico.
Contudo, as tarifas não serão reduzidas ou cortadas logo após o acordo entrar em vigor.
“Teremos progressividade na redução de tarifas, que é algo natural. Nós temos o que chamamos de prazo de desgramação, que é para que os setores que sofrerão com maior concorrência após o acordo possam se adaptar e ficar mais competitivos, ou então mudar de ramo”, explica Barral.
O especialista ainda acrescenta que uma liberalização generalizada dificilmente passaria dentro do parlamento europeu.
Com o acordo em vigor, Barral também indica que o Brasil e o Mercosul podem surfar em vantagens ainda não mapeadas, dado que o futuro será de um mercado aberto onde o bloco da América do Sul ainda não é competitivo.
“O dinamismo do comércio internacional cria oportunidades que talvez ainda não existam”, destaca.