29/07/2025 - 8:25
Conclusão da disputa tarifária entre os EUA e a UE gera otimismo nas bolsas de valores. Mas políticos e especialistas apontam que liderança do bloco europeu fez concessões demais ao governo Trump.Governos e empresas europeias respiraram aliviados após o anúncio do acordo comercial entre a União Europeia (UE) e os Estados Unidos no domingo passado (27/07), depois de quase quatro meses de incerteza tarifária.
Os mercados financeiros reagiram positivamente: as ações das montadoras europeias subiram até 3% na abertura do pregão desta segunda-feira, e índices amplos de ações europeias atingiram suas máximas em quatro meses. Os rendimentos de títulos europeus caíram, o que é um sinal de que os investidores avaliam que as tensões comerciais transatlânticas podem estar diminuindo.
Pelo acordo, os Estados Unidos vão aplicar uma tarifa de 15% à maioria das exportações da União Europeia. Para alguns setores, as tarifas ainda não foram definidas. E a UE se comprometeu a investir 600 bilhões de dólares nos EUA, o seu maior parceiro comercial.
Embora a alíquota de 15% seja menos severa do que os 25% impostos às montadoras europeias em abril passado e do que os 30% inicialmente anunciados para 1º de agosto, ela ainda representa um forte aumento em relação à tarifa de 2,5% que estava em vigor antes do início do segundo mandato do presidente Donald Trump.
Mesmo assim, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que a nova tarifa é “um bom acordo”, acrescentando que ela vai devolver “estabilidade” e “previsibilidade” ao comércio transatlântico. Ela reconheceu, porém, que a alíquota de “15% não deve ser subestimada, mas é a melhor que poderíamos obter”.
O chanceler alemão, Friedrich Merz, adotou um tom semelhante ao afirmar que o acordo foi um meio para “preservar nossos interesses fundamentais” e evitar “uma escalada desnecessária nas relações comerciais transatlânticas”. No entanto, ele admitiu decepção com o resultado e disse que esperava “um alívio maior” nas tarifas.
Um acordo “escandaloso”
Embora os negociadores da UE destaquem terem conseguido persuadir Trump a reduzir a tarifa inicialmente anunciada, muitos líderes políticos e empresariais europeus criticaram o novo acordo em termos duros e o consideraram prejudicial ao bloco de 27 membros. A UE tinha como meta inicial uma tarifa de 10%.
A crítica mais mordaz veio do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, que declarou numa live no Facebook que “isso não é um acordo” e que Von der Leyen foi “o café da manhã” do presidente dos EUA. Para o premiê húngaro, o acordo dos EUA com a UE é pior do que o fechado pelo Reino Unido em maio. A maioria das exportações britânicas ainda está sujeita a uma tarifa de 10% nos Estados Unidos, e economistas alertaram que o acerto carece de profundidade e deixa setores-chave, como o farmacêutico e o agrícola, expostos.
O primeiro-ministro francês, François Bayrou, disse que se trata de “um dia sombrio” e lamentou que a UE, “uma aliança de povos livres, reunidos para afirmar os seus valores e defender os seus interesses, se resigna à submissão”.
O ex-parlamentar europeu Guy Verhofstadt, chamou o acordo de “escandaloso” e de um “desastre”. Ele observou que não houve “uma única concessão do lado americano” e criticou a abordagem “mal negociada” da UE.
O presidente da Comissão de Comércio do Parlamento Europeu, o alemão Bernd Lange, afirmou que o acordo era “unilateral” e que Bruxelas havia feito concessões que são “difíceis de aceitar”.
O empresário francês Arnaud Bertrand chamou o acordo de “uma transferência unilateral de riqueza” e disse que ele “se parece bastante com o tipo de tratado desigual que as potências coloniais costumavam impor no século 19, só que, desta vez, a Europa é a vítima”.
Os aspectos positivos para a UE
Com o acordo, a UE evitou uma guerra comercial em larga escala que poderia ter afetado gravemente a confiança de empresários e consumidores em ambos os lados do Atlântico.
A Comissão Europeia já havia preparado medidas retaliatórias no valor total de 72 bilhões de euros sobre importações americanas, incluindo impostos sobre aeronaves e automóveis. Outras opções seriam restrições à exportação de certos produtos siderúrgicos e químicos, bem como possíveis medidas contra prestadoras de serviços americanas, especialmente as Big Tech e no setor financeiro, onde os EUA têm um superávit comercial de 109 bilhões de euros com a UE.
Embora o acordo esteja longe de ser ideal, espera-se que o impacto econômico dele seja relativamente brando. O jornal alemão de negócios Handelsblatt cita dados do instituto econômico IfW para afirmar que as tarifas representariam um impacto de apenas 0,1% no Produto Interno Bruto (PIB) da UE. Isso é bem menos que a estimativa feita no ano passado pelo banco de investimentos Goldman Sachs, segundo a qual uma tarifa de 10% já poderia levar a uma queda de até 1% no PIB da UE.
No caso da Alemanha, a queda do PIB seria de 0,15% no intervalo de um ano, segundo os cálculos do IfW, o que representaria uma perda de 6,5 bilhões de euros.
Mas alguns setores poderão até mesmo ser beneficiados. A Bloomberg Intelligence prevê um aumento de 4 bilhões de euros nos lucros do setor automotivo europeu, já que também para veículos e peças da UE a alíquota tarifária agora é de 15% em vez de 27,5%.
O que Bruxelas poderia ter feito melhor
Se recebeu elogios por ter evitado uma guerra comercial, Bruxelas também foi criticada por não ter conseguido obter concessões mais substanciais de Washington.
Analistas argumentam que a UE perdeu oportunidades importantes de garantir cortes tarifários recíprocos para exportações europeias de alto valor, como vinho, bebidas destiladas e artigos de luxo.
Alguns sugerem que a imposição de restrições a gigantes da tecnologia e a instituições financeiras dos EUA poderia ter pressionado Trump a reduzir as tarifas para automóveis e produtos farmacêuticos.
Os críticos também dizem que Bruxelas recuou cedo demais em suas tarifas retaliatórias, o que, segundo eles, enfraqueceu a influência do bloco nas negociações.
Outros observam que os negociadores da UE não jogaram com questões internas dos EUA, como, por exemplo, mirar exportações de redutos republicanos ou incentivar empresas americanas a pressionar o governo Trump para não elevar as tarifas de importação.
As divisões internas entre os países-membros da UE, principalmente por parte da Hungria, enfraqueceram ainda mais a posição de Bruxelas. Em paralelo, as táticas imprevisíveis e as ameaças tarifárias agressivas de Trump mantiveram os negociadores da UE na defensiva durante as negociações.
O que acontece agora?
Trata-se de um acordo preliminar e não de uma negociação abrangente. Nos próximos meses, negociadores de Bruxelas e de Washington redigirão um texto detalhado e definirão uma data para a entrada em vigor da tarifa de 15%.
Dado o histórico de Trump com exigências de última hora, como visto nas negociações comerciais entre EUA e Japão, a UE já pode se preparar para possíveis revisões.
O acordo requer a aprovação dos países-membros da UE e o escrutínio do Parlamento Europeu, o que provavelmente levará várias semanas.
Em paralelo, o governo Trump enfrenta quase uma dúzia de ações judiciais que questionam a legalidade de sua política tarifária. Elas argumentam que é o Congresso e não o presidente que tem autoridade para impô-las. Se alguma dessas ações for bem-sucedida, as tarifas anunciadas pelo presidente poderão ser anuladas, o que levaria a novas negociações.
Taxas setoriais importantes também estão em aberto. Bruxelas ainda pressiona por isenções para vinhos e destilados, produtos importantes para a França e a Itália. Taxas mais baixas para produtos farmacêuticos e semicondutores também estão em discussão.
E há ainda o compromisso da UE de aliviar barreiras comerciais não tarifárias, como limites de importação ou padrões específicos de segurança. Essas, em particular, exigem negociações cuidadosas para garantir a conformidade com os padrões existentes na UE.