23/03/2013 - 21:00
Desde que assumiu a presidência da Unilever Brasil, em setembro de 2011, o executivo argentino Fernando Fernandez só vinha tendo motivos para comemorar. Afinal, a subsidiária é uma das estrelas da gigante anglo-holandesa cujas receitas globais somaram € 51,3 bilhões em 2012. Desse total, nada menos que 55% foram obtidos nos chamados países emergentes, como o Brasil, que contribuiu com cerca de € 5 bilhões e ocupa a posição de segundo maior mercado para a empresa. De olho na força e na importância desses consumidores para sua estratégia de crescimento, a primeira iniciativa do executivo argentino foi visitar algumas famílias brasileiras, para conhecer sua opinião sobre as marcas que compõem o vasto portfólio de produtos.
Espaço vazio: prateleira no supermercado Futurama, em bairro da zona oeste de São Paulo, após o recolhimento de produtos com a marca Ades
Do sabão em pó Omo ao sorvete Kibon, passando pelo desodorante Rexona e os sucos de frutas em caixa. Mas a sequência de fatos desagradáveis ocorridos nas últimas duas semanas indica que está na hora de Fernandez deixar novamente o escritório. É que a Unilever está às voltas com uma grave crise de imagem, resultante da distribuição de um lote contaminado de suco à base de soja Ades. O caso teve origem na fábrica de Pouso Alegre, em Minas Gerais, em 25 de fevereiro. Era uma segunda-feira que tinha tudo para ser um dia corriqueiro na rotina da unidade, não fosse por um detalhe: um erro no processo de lavagem da máquina da linha TBA3G contaminou um lote de 96 caixas de 1,5 litro de Ades sabor maçã, distribuído em São Paulo, no Rio de Janeiro e Paraná.
Cada uma delas recebeu uma pequena dose de uma solução de limpeza que se assemelha à soda cáustica, que quando ingerida pode provocar queimaduras na boca e no esôfago, de acordo com relatos dos 14 consumidores que até quarta-feira 20 haviam ligado para o SAC da Unilever para reclamar. Episódios desse tipo têm um potencial devastador para a credibilidade de uma marca. Principalmente tratando-se de uma empresa que fabrica produtos identificados com o bem-estar e a saúde e são largamente consumidos por crianças. Eles ficam ainda mais dramáticos quando cenas do produto sendo recolhido das prateleiras dos supermercados correm o País. Não é possível estimar o dano à imagem da Unilever, que detém uma fatia de 45% do mercado de sucos à base de soja, avaliado em mais de R$ 1 bilhão ao ano.
Muito menos qual será a reação dos consumidores quando o Ades voltar às gôndolas. O que se sabe, no entanto, é que a Unilever subestimou o alerta dos próprios consumidores. Isso parece ser comprovado por uma consumidora do Guarujá, na Baixada Santista, que não quer ser identificada. Segundo Airton Sinto, seu advogado, no dia 6 de março, ela teria ligado para o SAC da Unilever para relatar problemas ocorridos após ingerir o suco de maçã Ades durante lanche com amigos, no local de trabalho. Sua queixa, no entanto, não teria sido considerada. O recall do produto, por iniciativa da empresa, ocorreu apenas sete dias depois, envolvendo o lote identificado com o código AGB 25.
Imagem: o caso é o primeiro grande teste da gestão do argentino Fernandez,
que assumiu o comando da subsidiária em 2011
Nesse período, começaram a pipocar, em diversos Estados, relatos de mal-estar, decorrentes da ingestão de sucos Ades até mesmo de outros sabores. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por sua vez, só agiu na segunda-feira 18, quando determinou a suspensão total da linha de produção em Pouso Alegre. Na sequência, o órgão mandou funcionários fazerem uma inspeção na fábrica. De acordo com um consultor que já prestou serviços à Unilever, faltou agilidade e discernimento para reconhecer a dimensão do problema. Só com a crise instaurada, a empresa começou a seguir procedimentos recomendados para lidar com situações como essa, reconhecendo o erro, através de comunicados à imprensa, e admitindo falha humana e operacional.
O atendimento do SAC, por sua vez, foi precário e resultou em queixas dos consumidores. “É preciso algum tempo para que os clientes se sintam confortáveis para voltar a comprar os produtos da marca”, diz Evodio Kaltenecker, professor do MBA executivo da BBS Business School, de São Paulo. A Unilever não é a primeira, nem será a última empresa, a enfrentar um problema como esse. Em 2011, a filial brasileira da PepsiCo encarou crise semelhante. Na ocasião, 80 caixinhas do Toddynho, um de seus campeões de venda, foram contaminadas por uma solução ácida. A reação foi uma queda expressiva de vendas no varejo.
Na época, além do recolhimento do produto, a empresa fez pesquisas junto aos consumidores para detectar os danos à imagem. Antes de resgatar a confiança de seus consumidores, a Unilever terá de lidar com mais exposição negativa. Além de ter de pagar indenizações decorrentes de processos movidos pelas pessoas afetadas, a Unilever ainda corre o risco de ser multada por órgãos governamentais. Tanto o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, ligado ao Ministério da Justiça, quanto a Anvisa consideram essa hipótese. O valor máximo poderia atingir R$ 7,7 milhões, somando-se as autuações dos dois órgãos. O Ministério Público Federal também colocou a Unilever em seu radar.
Só espera o parecer da Anvisa para decidir se move uma ação civil pública. Qualquer que seja o valor, as indenizações cobradas não deverão abalar financeiramente uma companhia do porte da Unilever, que investiu no Brasil, apenas em publicidade, R$ 3,05 bilhões em 2012, de acordo com o Ibope Media. O desafio real, no entanto, é recuperar a confiança do consumidor. “Muitas marcas passaram por problemas semelhantes e conseguiram reverter o desgaste em sua imagem”, afirma Ivan Pinto, professor de gestão de marcas da ESPM, de São Paulo. Ao que tudo indica, o adeus do Ades das prateleiras pode ser um até breve. Procurada, a Unilever não quis dar entrevista.