Apassagem pelo Centro Preparatório de Oficiais da Reserva (CPOR) mudou a vida de José Martins Pinheiro Neto. Antes de cumprir a obrigação militar, ele não sabia bem o que fazer da vida. Na verdade, nem era um aluno brilhante na escola. O pai queria que ele fosse médico. Mas a aversão a sangue o levou ao Largo São Francisco, a mais famosa faculdade de Direito do Brasil. ?Fui porque era mais fácil de entrar?, dizia ele. Depois de formado, durante a Segunda Guerra Mundial, ainda arriscou a sorte como jornalista, transformado em correspondente da BBC em Londres. Mas na volta ao Brasil, a herança jurídica ? era filho e neto de advogados ? falou mais alto. A história mostrou que ele fez a escolha certa. Pinheiro Neto faleceu aos 88 anos, na última quarta-feira, mas deixou como legado um dos maiores escritórios de advocacia da América Latina. Um negócio que ele fundou, em 1942, e hoje é a referência em causas empresariais do País. Foi a Pinheiro Neto Advogados, por exemplo, que fez toda a costura jurídica da venda da Kibon para a Unilever. Os sócios do jurista também perderam a conta de quantas vezes ele recuperou aviões da Vasp, arrestados por falta de pagamento.

A firma, como o próprio Pinheiro Neto se referia ao escritório que começou com um office-boy, uma secretária e ele, conta hoje com cerca de 1000 funcionários e 61 sócios. Atualmente, a equipe toca mais de 20 mil casos, a partir de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília e de várias parcerias nos EUA, Europa e América Latina. Nada muda com a saída do seu mentor. Pinheiro Neto começou a preparar a sucessão há 15 anos, priorizando a gestão profissional. Levou a questão tão a sério que os dois filhos, advogados, não fazem parte da empresa. Hoje, três dos sócios eleitos por um comitê diretivo, administram o escritório. Cada um deles tem no máximo 2% de participação. Começam a se desfazer das cotas a partir dos 60 anos e, aos 65 anos, saem da sociedade. ?Ele deixou a lição de como tornar uma obra imortal, com trabalho e desprendimento?, diz Sérgio Farina, sócio e membro diretivo do Pinheiro Neto Advogados.

O ícone da advocacia empresarial vai passar para história como o responsável por derrubar fronteiras no campo do Direito, ao começar a atender empresas estrangeiras que se instalaram no Brasil no pós-guerra. ?Ele antecipou, em muitas décadas, as necessidades de um mundo globalizado?, diz o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. ?Pinheiro Neto soube crescer junto com as multinacionais que chegavam por aqui, sempre respeitando os parâmetros da Justiça?, lembra o jurista Dalmo Dallari. Até deixar o comando da firma, há seis anos, Pinheiro Neto conduziu a equipe com firmeza. ?Ele era exigente, mas muito justo?, conta Alexandre Bertoldi, sócio-diretor do Pinheiro Neto. O maior concorrente também reconhece o papel de Pinheiro Neto. ?Sempre admirei a sua conduta ética?, diz o advogado Rogério Lessa, diretor-geral da Demarest e Almeida.