Estamos em 1958. Roberto Campos, secretário do Conselho de Planejamento do governo, recebe uma ligação de Juscelino Kubitschek. Convocado para uma reunião de emergência, Campos nunca tinha visto JK, notório por seu bom humor e pelo riso fácil, tão tenso. O Brasil corria o risco de perder concessões para explorar petróleo na Bolívia porque o governo do país não permitia mais a atuação de estatais estrangeiras. Campos, um homem prático, em instantes apresentou a solução. Bastaria, num contrato de risco, associar a empresa a capitais americanos para fechar o negócio. A Petrobras seria minoritária. Na mesma reunião, o advogado Nehemias Gueiros aproveitou para zombar da idéia e fez uma tradução literal do nome do economista. Assim nasceu Bob Fields. Foi a senha perfeita para uma esquerda engajada, que buscava um bode expiatório para todos os problemas do País. Como Roberto Campos era um diplomata refinado, com queda pelo pensamento anglo-saxão e até mesmo pelo estilo americano, com seus bem cortados ternos risca de giz, o apelido caiu como uma luva e ganhou as ruas. Desde então, ele foi o burocrata mais patrulhado da história do País.

Anos mais tarde, quando os fatos começaram a lhe dar razão e o socialismo ruiu junto com o Muro de Berlim, Roberto Campos se vingou. Aos amigos, adorava citar uma frase do ex-presidente Castello Branco: ?Não é verdade que eu seja teimoso; teimoso é quem teima comigo?. Ex-seminarista, parlamentar, embaixador e ministro, o mato-grossense que adorava polemizar sobre tudo e sobre todos foi uma figura central do debate público no Brasil dos últimos 50 anos. Esteve em tudo que aconteceu de importante na história econômica brasileira e até mesmo internacional. Participou da reunião de Bretton Woods, que deu origem ao FMI e ao Banco Mundial, criou a Petrobras, no governo Getúlio Vargas, e elaborou o Plano de Metas que fez de JK um mito do desenvolvimentismo brasileiro. Depois, como ministro do Planejamento do próprio Castello, fez as reformas que lançaram as bases do milagre econômico dos anos 70. É dele o projeto que resultou na criação do Banco Central e do FGTS. Mais do que um intelectual, foi um homem de ação. ?O Brasil perdeu um grande liberal?, disse Armínio Fraga, presidente do BC.

Adversário histórico dos monopólios estatais, das reservas de mercado e das restrições ao capital estrangeiro, Roberto Campos foi acusado durante muitos anos de ser um ?entreguista?, a serviço das multinacionais. No seu livro de memórias, a enciclopédica Lanterna na Popa, com 1.417 páginas, Campos exibia o ar de um vencedor. ?Muitas das minhas teses heréticas hoje são consensuais?. Entre as heresias de Campos, estava a crítica permanente aos monopólios da Petrobras e da Telebrás, empresas que ele apelidou de Petrossauro e Telessauro nos seus implacáveis artigos dominicais. Outro de seus alvos foi a Lei de Informática, de um tempo remoto, em que quase todos os computadores no País eram feitos por uma empresa chamada Cobra, ligada ao Banco do Brasil. Melhor deletar.

Hoje, pouca gente discute se Campos tinha ou não razão. ?Ele foi a voz da racionalidade no debate brasileiro?, diz o deputado Delfim Netto, ex-czar da economia no período militar. Mas mesmo tendo vencido o combate ideológico, o patrulhamento o perseguiu até seus últimos dias. Na eleição para a Academia Brasileira de Letras, na vaga aberta após a morte do dramaturgo Dias Gomes, vários escritores protestaram contra a sua posse. No discurso, Campos adaptou a frase do marechal Castello Branco. ?Não sou controvertido. Controvertido é quem controverte comigo.? Com sua morte, aos 84 anos, o Brasil perdeu um visionário.