No final do ano passado, consumidores formaram filas para entrar nas seis lojas que vendem a marca Piccadilly na Venezuela e, assim, aproveitar a chegada de novos calçados brasileiros. A cena dificilmente se repetirá tão cedo. As altas taxas de inflação e a crise de abastecimento de produtos reduziram o poder de compra dos consumidores e as vendas por lá. Adorada pelas venezuelanas, a gaúcha Piccadilly exporta há mais de 15 anos para o país, que chegou a ser o segundo maior mercado entre os 90 destinos dos embarques da companhia. O volume de sapatos exportados despencou de 400 mil pares para apenas quatro mil, de 2008 a 2014.

A empresa precisa de garantias contra o atraso dos pagamentos, que minguaram e correm o risco de cessar por falta de dólares (as reservas do país caíram para US$ 21 bilhões). “Não queremos deixar de exportar para a Venezuela”, diz Micheline Twigger, diretora da Piccadilly. “Mas está cada vez mais complicado trabalhar no país, principalmente porque só vendemos com pagamento antecipado”, afirma. A calçadista gaúcha não está sozinha. Dados da Câmara de Comércio Brasil-Venezuela (Cavenbra) apontam que nossos vizinhos acumulam dívidas de cerca de US$ 5 bilhões com empresas brasileiras.

O valor supera o que o Brasil exportou para a Venezuela no ano passado, cerca de US$ 4,6 bilhões, segundo o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). O superávit foi de US$ 3,45 bilhões, a favor do Brasil. Com a crise cambial, as empresas estão colocando as barbas de molho. “Quando notamos que o cenário seria insustentável, fomos atrás da carta de crédito, que é uma garantia de que vamos receber”, diz Marcos Antonio de Barros, diretor-financeiro da fabricante de embalagens Dixie Toga.

Uma solução, que estaria em estudo pelo governo brasileiro para driblar a crise cambial da Venezuela e manter as vendas de produtos brasileiros, seria praticar o escambo: em vez de receber dólares por suas exportações, o Brasil poderia ser pago em petróleo e ouro. O MIDC não confirma essa informação, mas diz que um encontro bilateral está agendado para março. Praticamente única fonte de receita da Venezuela, o petróleo tem dado motivos de sobra para o presidente Nicolás Maduro chorar de raiva. O preço do barril no mercado internacional derreteu de US$ 88 para aproximadamente US$ 38 em menos de quatro meses. Isso dificulta os pagamentos de compromissos externos e o serviço da dívida externa do país, hoje de 30,3% de seu PIB.

O índice de inflação alcançou 63,4% ao ano e a agência de classificação de risco Moody’s colocou a nota soberana venezuelana a um degrau do calote. “Não há como fazer milagre. A inflação está muito alta, o governo não consegue mais arrecadar dinheiro e pagar dívida”, diz Paulo Feldmann, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. “Eles terão de dar o calote e isso pode respingar no Brasil, que é um credor importante”, afirma. Uma das possibilidades para equilibrar as contas internas seria cortar programas sociais, alternativa descartada por Maduro. Como ele declarou, o que resta é contar com a sorte divina: “Deus proverá. Ele jamais faltará com a Venezuela”. Será?

Colaborou: Luiz Gustavo Pacete