08/03/2017 - 16:03
No Dia Internacional da Mulher, há aquelas que lutam pelo “direito de ser”. É assim que a transexual Robeyoncé Lima resume sua maior bandeira de luta. Mesmo depois de virar exceção ao terminar o ensino superior, se tornar a primeira advogada trans de Pernambuco e a segunda do Brasil e a conquistar o nome social na carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ela ainda batalha para usar o nome social no local de trabalho e em seus documentos.
A jovem de 28 anos foi uma das palestrantes convidadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco para discutir a discriminação à mulher no mercado de trabalho, em evento realizado hoje (8) no Recife. Em seu currículo está o diploma em direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e diversos estágios em instituições como a Petrobras e a Justiça Federal. Passou na primeira tentativa no exame da OAB, no ano passado, e atualmente trabalha como assessora jurídica na Câmara de Vereadores do Recife.
Lá, encontrou uma barreira “burocrática”: como não há regulamentação do uso do nome social na casa, foi identificada com o nome civil masculino. Para mudar, ela precisou entrar com um pedido formal. “Não fazia sentido mais de uma dezena de parlamentares usarem o nome social e uma servidora não poder. A gente tem vários vereadores com autorização do nome social. Sai inclusive nos diários oficiais, e o meu não poderia ser utilizado? Entramos com requerimento questionando essa situação”, conta, se referindo aos vereadores e vereadoras que são conhecidos por seus apelidos ou funções religiosas e que levam esses nomes à vida pública sem objeções.
A advogada conseguiu uma vitória parcial. Atualmente a sua identificação traz o nome social, mas, ao lado, o nome civil masculino. Ainda assim, ela argumenta que esse passo à frente só é válido dentro da Câmara dos Vereadores. Para conseguir ser reconhecida como uma mulher trans, ela entrou na Justiça para mudar o nome definitivamente.
“Em termos documentais eu sou Robeyoncé Lima dentro da Câmara de Vereadores, mas fora dela não. E você sabe que em várias situações do nosso dia a dia é preciso mostrar o documento e a gente passa por esse constrangimento, quando vai fazer um concurso público, por exemplo, ou quando vai embarcar no avião”, afirma. Ela aguarda a decisão do Judiciário há mais de um ano.
A luta por ser mulher não esbarra somente em dificuldades burocráticas ou preconceitos. Há ainda um lado mais perverso: a violência que se transforma em homicídios. “Acho que está bem claro [o preconceito] quando a gente vê o assassinato de pessoas trans, como o da Dandara, no Ceará. Vários homens espancando simplesmente por ela ser transexual. Uma pessoa filmando e ninguém fazendo nada. É como se nós, consideradas como anormais, não tivéssemos o direito de viver”, diz Robeyoncé.
Exceção à regra
Robeyoncé começou a mostrar sua identidade transexual quando cursava direito na UFPE. Ela entrou na instituição por meio do sistema de cotas para pessoas negras, iniciativa que ela diz ser fundamental para tornar o ensino superior mais diverso. “Antes a faculdade, muito conceituada, tinha majoritariamente brancos de classe social alta”, destaca. Ela reivindica, entretanto, uma política de assistência estudantil que garanta a permanência dos alunos de baixa renda no curso.
“Foi uma questão lenta e gradual. A descoberta de você mesma varia muito conforme o ambiente. Como eu tenho origem num ambiente periférico, sou da periferia do Recife, a gente na comunidade não ouve falar sobre transexualidade, sobre questões de gênero, e isso dificulta o empoderamento e a autodeterminação de pessoas trans que vivem nesse meio. Até certo ponto eu posso dizer que foi um privilégio eu ter estudado na universidade e ter tido acesso a esses debates que foram fundamentais na minha descoberta.”
Sua trajetória, a partir da transformação, ficou conhecida em Pernambuco. Quando se formou, passou na prova da OAB e quando conquistou o direito de usar o nome social na carteira profissional, a mídia reagiu destacando sua história e comemorando o feito. Robeyoncé diz ter ficado feliz, mas reconhece que é minoria.
“A repercussão é boa porque inspira outras meninas e meninos trans. Mas eu fico triste porque eu sou só uma exceção”, respondeu à plateia no Ministério Público do Trabalho. “Ainda temos a maioria das meninas trans fazendo programa apenas para sobreviver. Esse é o cenário da gente. Por que não trazer essas pessoas para o dia, para o trabalho formal? A própria presença trans em um ambiente institucional, corporativo, traz o debate sobre gênero e sexualidade. O nosso corpo fala”.
Para ela, um dos caminhos para combater a discriminação à população trans está na escola. “A gente tem que levar o tema da transexualidade para a educação. Por meio da educação, a gente vai começar a ser vista e visto como pessoas normais. O que a gente mais quer é o direito de ser.”