03/03/2004 - 7:00
O custo é alto, as obras incomodam e nem todas as melhorias podem ser percebidas à primeira vista. Mas o fato é que um pacote de R$ 4,5 bilhões em investimentos está fazendo com que os principais aeroportos brasileiros passem, neste momento, pelo que a linguagem internacional da aviação define como o bom e velho upgrade. Endereços historicamente enquadrados na frugal categoria turística agora oferecem todos os requintes da primeira classe. Cenários futuristas com terminais transparentes, paisagismo arrojado, lojas sofisticadas, restaurantes estrelados e cadeias de cinemas delineiam esse perfil. Até mesmo uma nova palavra começa a circular para definir com mais precisão no que eles estão se transformando. Quem gostava de freqüentar os românticos aeroportos agora entra na era dos aeroshoppings.
Dez grandes aeroportos inauguram este ano instalações que têm movimentado cerca de 50 mil empregados em seus canteiros de obras. Uma das mais radicais acontece no de maior movimento do País, Congonhas, no coração de São Paulo. Com 12 milhões de passageiros e 220 mil pousos e decolagens no ano passado, ele é o retrato acabado do caos. Nunca passou por uma grande reforma desde a sua inauguração, nos anos 40 do século passado. Tanta defasagem faz com que os passageiros, sempre mal acomodados nas três salas de embarque, ainda tenham de andar a pé pela pista até chegarem aos aviões. Neste trajeto, dois anos atrás, um deles morreu, colhido por um ônibus de translado de usuários. Até o segundo semestre, ao se concluírem investimentos de cerca de R$ 150 milhões, mais um saguão de embarque e oito novos terminais irão extinguir em definitivo as filas indianas pela pista. Também vão sendo erguidos um edifício-garagem, uma ponte para que o acesso local de veículos não fique emperrado nos faróis de trânsito e, entre as novas alas, nada menos que 50 pontos comerciais. Outra novidade em Congonhas é a de que sua pista única vai servir apenas para ligações com Belo Horizonte e o Rio de Janeiro, com o restante do tráfego desviado para o Ayrton Senna, em Guarulhos. Inaugurados entre os anos 30 e 40 do século passado, Pampulha, em Belo Horizonte, e o Santos Dumont, no Rio, igualmente jamais passaram por grandes reformas. O primeiro vai ganhar um segundo andar, enquanto o segundo terá novos fingers cujo material dominante será o vidro, para que os passageiros não percam a vista da Baía de Guanabara.
No Juscelino Kubitschek, em Brasília, as maiores mudanças já foram feitas. Uma ampliação orçada em R$ 200 milhões proporcionou a abertura de mais de 130 lojas em seu piso superior e uma área de lazer de 12 mil metros quadrados que inclui sala para exposições de arte. Um toque de extrema sofisticação é o sistema de redução de ruídos aéreos, montado pela conjunção de paisagismo e paredes acústicas. Ali, até o final do ano uma segunda pista de 3,3 mil metros vai permitir pousos e decolagens para os Estados Unidos e a Europa. Em Porto Alegre, o Salgado Filho foi o primeiro do País a se adequar aos novos tempos. Dois anos atrás, ganhou um hall central semelhante ao dos hotéis cinco estrelas e exibe, após as reformas estimadas em R$ 50 milhões, três cinemas e uma renovada praça de alimentação. Em maio, o aeroporto dos Guararapes, em Recife, mostra sua nova face. Sob o impacto de R$ 300 milhões em investimentos, terá sua capacidade de operação duplicada, passando a poder receber simultaneamente 18 aviões em suas duas pistas e terminais e receber até 5 milhões de passageiros por ano. Contando ainda com um inédito queroduto, equipamento para abastecer aviões sem a necessidade dos tradicionais caminhões-tanque de querosene, será o maior do Nordeste, mas talvez não o mais bonito. Fortaleza, com grandes áreas de seu aeroporto iluminadas naturalmente, em razão da ampliação de áreas envidraçadas, pode requisitar este título. Na região Norte, Belém com mais de 40 pontos comerciais possui um dos mais elegantes aeroshoppings do País. Florianópolis entra nesta disputa em breve, com a abertura nas próximas semanas de um concurso para a escolha de um novo projeto arquitetônico para o aeroporto Hercílio Luz.
No ano passado, 300 milhões de passageiros domésticos e 8,1 milhões de viajantes internacionais usaram pelo menos um dos 65 aeroportos brasileiros. Ao todo, esses endereços já reúnem 518 lojas, sem dúvida um ótimo negócio para a Infraero, estatal que detém o monopólio na administração dos aeroportos brasileiros. De sua receita anual de R$ 1 bilhão, a maior parte é extraída das licitações para exploração de espaços comerciais e aluguéis de lojas. Em Belo Horizonte, no aeroporto da Pampulha, apenas a concessão temporária de um ponto de venda de jornais e revistas foi arrematado no ano passado por R$ 25 mil. A segunda fonte de renda vem de cobranças para embarque, desembarque e alojamento de cargas. As tarifas obtidas dos passageiros das companhias aéreas, em média de R$ 21 nos embarques nacionais, aparecem depois. ?O contingenciamento de verbas federais não nos afeta?, diz o presidente da estatal, Carlos Wilson. ?Tocamos as obras com as nossas receitas e, sempre que possível, firmamos convênios com Estados e municípios.? O plano de R$ 4,5 bilhões em investimentos começou no ano passado e deve se estender até 2007.
Entre os que tocam negócios nos novos aeroportos as opiniões são assimétricas. Dono da rede Brasif, que detém 23 lojas de free shopp e outras nove em áreas de trânsito aberto, Jonas Barcelos está otimista. ?A evolução está acontecendo na direção certa, acompanhando a tendência mundial de modernizar o espaço aeroportuário?, julga. ?Mais lojas estimulam mais consumo, mas ninguém intenciona concorrer com os shopping centers tradicionais. Aqui, o público age mais por impulso?. Em Salvador, o gerente da loja de refeições rápidas Bob?s observa que seus clientes têm passado mais tempo no aeroporto renovado. ?Nosso faturamento aumentou depois das reformas?, diz Luiz Antônio Campos. Mas há reclamações em Porto Alegre. ?O aeroporto ficou muito grande e muita gente nem sabe que nossa ala existe?, conta o responsável pela churrascaria Missões, Paulo Sérgio Dias. ?Precisamos de marketing.? Na confecção Bee, com lojas em seis aeroportos há cerca de 10 anos, a gerente Patrícia Arleide, de Recife, conta as horas para o fim das obras. ?Nesta fase a clientela fica reticente?, aponta. Para o consultor de mercado de consumo Nelson Barriseli, a estratégia de criar os aeroshoppings é arriscada. ?Pode ocorrer uma superoferta de pontos comerciais?, diz. ?Aeroportos são bons lugares para vendas, mas tudo tem um limite.?
De saída, as mudanças de paisagismo, ampliação de salas de embarque e melhorias nos acessos aos aviões fazem com que o usuário saia ganhando. ?Não esperava encontrar por aqui aeroportos tão modernos?, afirma o turista português Marcelo Amaral, que na semana passada chegou a Brasília depois de embarcar em Lisboa e fazer escala no Rio. ?O nível de conforto é semelhante ao dos grandes aeroportos europeus.? Com melhor fluxo de passageiros, em razão da ampliação do número de terminais e aumento de capacidade das salas de embarque, ocorre uma tendência à diminuição dos atrasos em pousos e decolagens. E bem mais que um bom filme ou uma boa compra, quem vai a um terminal aéreo quer mesmo é voar na hora combinada ? uma promessa que começa a aterrissar nos aeroportos brasileiros.