18/06/2025 - 12:10
Em entrevista à DW, o embaixador André Corrêa do Lago comenta sobre o dilema da exploração de petróleo na Foz do Amazonas e o desafio de incorporar a agenda climática à economia.Enquanto negociadores de quase 190 países se reúnem em Bonn, na Alemanha, para a SB62 — etapa preparatória da próxima Conferência do Clima da ONU —, o Brasil leiloou nesta terça-feira (17/06), sob protestos de ambientalistas, novos blocos para exploração de petróleo na Foz do Amazonas. A coincidência das agendas expõe as contradições e desafios do país que em novembro sediará a COP30, num momento decisivo para a transição energética global.
Para o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, o debate sobre a exploração de petróleo será central no evento em Belém. Diante das contradições entre a abertura de novas frentes fósseis e os compromissos climáticos do país, ele argumenta que as decisões energéticas não são simples e precisam ser guiadas pelo debate das mudanças climáticas.
“O afastamento dos fósseis vai ser um processo que cada país vai ter que fazer de acordo com suas circunstâncias. O Brasil terá o seu modelo — que, talvez, inclua a exploração da Margem Equatorial”, afirma.
Mas o próprio Côrrea do Lago frisa que essas decisões estão tomadas “num contexto em que a ciência nos diz que temos poucos anos para reverter a mudança do clima”. “Acho que é isso que às vezes a gente não coloca na discussão: ‘Podemos reverter a mudança do clima? O que temos que fazer para isso?’ E tomar decisões em função disso.”
Em entrevista à DW Brasil, Corrêa do Lago comenta a exploração na Margem Equatorial e diz ver a COP30 como uma oportunidade para o Brasil se redescobrir como um dos países que mais pode ganhar com a agenda de proteção do clima.
DW: Qual é o principal desafio que o Brasil precisa enfrentar para pavimentar o caminho rumo à COP30 em Belém? E o que é essencial que o país resolva nas negociações nos próximos dias em Bonn?
André Corrêa do Lago: A COP30 de Belém na verdade vai ser um momento num processo, ou seja, não é um evento isolado. Então, acho que a gente está tratando isso num contexto mais amplo de um período de preparação, que a gente tem chamado de mobilização, que inclui o que nós estamos fazendo aqui em Bonn.
Mas o que está acontecendo aqui tem uma importância muito particular para uma outra dimensão da COP, que é a negociação em si. O Brasil propôs esse ano que a gente tentasse já adiantar as negociações de alguns dos temas mais complexos que a gente tem que levar para Belém, inclusive alguns temas que quase fecharam em Baku no ano passado, mas que não fecharam. Queremos que esses 15 dias em Bonn sejam muito produtivos.
Estamos enfrentando um período de conflitos e também tensões geopolíticas. O quanto isso dificulta as negociações climáticas? Como manter a crise climática no centro do debate internacional neste momento?
Sim, é um contexto complexo. O que realmente deveríamos buscar é colocar a mudança climática no lugar que ela merece: como um tema permanente e transversal. Ou seja, independentemente do que esteja acontecendo — e infelizmente temos guerras e situações muito graves acontecendo —, a mudança do clima continua avançando, e representa uma ameaça cada vez maior.
Então, como convencer pessoas que estão naturalmente mais interessadas ou preocupadas com ameaças diretas de que essa ameaça climática não está tão distante — e de que podemos fazer algo a respeito? Acredito que avançamos muito nesse ponto, e que o negacionismo científico diminuiu significativamente — porque as pessoas estão vivenciando os efeitos da mudança do clima de forma muito mais intensa nos últimos anos.
Estamos vivendo uma nova fase — e essa nova fase talvez traga um novo desafio: convencer as pessoas de que podemos desacelerar a mudança do clima, ou até interrompê-la; ou que podemos construir uma infraestrutura que permita que as pessoas tenham uma vida melhor apesar da mudança climática.
Mas acho que o maior desafio hoje é incorporar a mudança do clima à economia e às finanças — e garantir que o combate à mudança do clima passe a ser algo positivo também do ponto de vista econômico.
Um dos temas mais sensíveis do debate climático no Brasil atualmente é a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, que tem o apoio do governo. Ao mesmo tempo que o Brasil avalia a abertura de novas áreas de exploração, o país também tem um papel central neste ano nas discussões climáticas. Qual o impacto disso na imagem internacional do Brasil, especialmente no contexto da COP30?
O petróleo é a fonte de energia mais usada do mundo e, portanto, nós sabemos que é responsável por muitíssimo das emissões que estão afetando a mudança do clima. No entanto, é uma fonte que ainda está estabelecida na maioria dos países e vai continuar durante um certo tempo, apesar de termos decidido na COP28 em Dubai que nós vamos nos afastar dos fósseis.
Agora, esse processo de afastamento dos fósseis vai ser um processo que cada país vai ter que fazer de acordo com suas circunstâncias. O Brasil terá o seu modelo de afastamento dos fósseis, que talvez inclua a exploração da Margem Equatorial de uso de petróleo e de gás por mais anos [para] talvez, através desse processo, conseguir recursos para acelerar avanços em outras dimensões.
Tudo isso está sendo discutido no Brasil. É um debate muito intenso, mas que tem que ser cada vez mais informado e cada vez mais relevante, porque todas as decisões tomadas na área de energia têm consequências por anos.
Com relação à Margem Equatorial, tem duas dimensões aí. Tem uma dimensão ambiental, que é a preocupação com a possibilidade de haver algum vazamento, de afetar certas áreas do bioma amazônico, inclusive a questão dos manguezais. São [questões] muito importantes, e por isso o Ibama tem sempre regras e condições para que isso possa avançar.
Mas também tem a dimensão de mudança do clima: ao explorar petróleo nessa área, você vai usar mais petróleo nesta área durante anos e anos. E como você vai usar esse dinheiro desse petróleo? Como você vai distribuir os recursos que isso pode vir a trazer? Isso é outro debate.
Então, às vezes no Brasil a gente confunde os dois. A questão do Ibama e da autorização [licenciamento] está relacionada a uma questão de meio ambiente, de eventuais acidentes ou vazamentos. A questão de mudança do clima está ligada a quanto tempo nós vamos usar isso. Será que vai haver demanda?
Nós, aliás, estamos vivendo agora mais uma crise do petróleo com a questão do Irã. Então, nós vamos tratar na COP30 desse tema [exploração de combustíveis fósseis] dentro desse contexto de mudança do clima.
Mas então esse tema dos combustíveis fósseis será discutido na COP? Não será deixado de lado por conta de toda a polêmica com a Foz do Amazonas?
Inevitavelmente será discutido. Porque a COP 30 é essencialmente uma negociação econômica. Os países têm que encontrar formas de adaptar o seu crescimento, o seu desenvolvimento, à mudança do clima. E uma das decisões foi o afastamento dos fósseis.
No entanto, nós temos como referência chegar à neutralidade de carbono em 2050. Então, nesse processo, nesses anos, tem vários caminhos. Alguns sustentam que um deles seria explorar petróleo tanto quanto possível para conseguir recursos para fazer as outras coisas que são necessárias.
Esse debate no Brasil é muito importante e obviamente vai ser levado à COP30. Agora, se há uma convenção sobre mudança do clima e você tem o Acordo de Paris que é sobre mudança do clima, obviamente os fósseis estão no centro do tema, porque respondem por 75% das emissões mundiais. Nós temos que tratar desse assunto.
Numa crise climática que se acentua, abrir novos poços de petróleo é olhar para a economia do futuro?
Dependendo da forma como você faz isso, muitos dirão que sim. Por exemplo: a Noruega, que é um país que é muito consciente ambientalmente, está aumentando a exploração de petróleo. Os Estados Unidos também estão aumentando. O Canadá, que tem o petróleo que mais emite no mundo, também está aumentando. Vários países ricos que têm muito mais condições de obter financiamento para acelerar sua transição estão usando petróleo.
Muitas pessoas no Brasil se perguntam: “Mas se esses países que têm tantas alternativas continuam a explorar petróleo, por que nós não podemos explorar petróleo?”
Agora, o que nós não podemos esquecer é que temos que responder essa pergunta num contexto em que a ciência nos diz que nós temos poucos anos para reverter a mudança do clima. E eu acho que é isso que às vezes a gente não coloca na discussão: “Podemos reverter a mudança do clima? O que temos que fazer para isso?” E tomar decisões em função disso.
O Brasil sediar a COP pode ajudar a tornar o debate sobre a crise climática mais concreto e próximo da população?
A Rio92 teve um impacto imenso sobre a conscientização do Brasil da importância dessa agenda. Espero que essa COP também seja uma etapa muito importante de conscientização do Brasil, de aumento do interesse pelo tema, de aumento também de conscientização da qualidade da nossa academia e da nossa ciência nessa área, dos progressos que as nossas empresas estão fazendo.
Acho que a COP 30 pode ser uma ocasião para o Brasil se redescobrir, e disso eu estou absolutamente certo, como um dos países que mais pode ganhar com essa agenda de combate à mudança do clima.