27/08/2021 - 11:22
Entre os afegãos que fugiram de seu país nas últimas semanas há um grande número de profissionais altamente qualificados, uma “fuga de cérebros” que preocupa inclusive os talibãs no poder.
Durante suas operações de retirada, os ocidentais priorizaram jornalistas, intérpretes, membros de ONGs, intelectuais e artistas que podem estar em perigo com a volta do Talibã a Cabul.
Mais de 100.000 pessoas fugiram do país desde meados de agosto, temendo um retorno do regime fundamentalista e brutal que os talibãs já impuseram no país entre 1996 e 2001.
“Nunca pensei em ir embora do meu país, em ter que começar do zero em outro lugar. No Afeganistão, eu tinha um trabalho de que gostava, 50 pessoas sob minha responsabilidade, prestígio social. O que fazia era útil para meu país”, afirma Rashid, um ex-funcionário afegão de 40 anos, que encontrou refúgio na França junto com a esposa e seu bebê.
“As 30 ou 40 pessoas que estudaram comigo no exterior se foram. Deixamos o Afeganistão nas mãos de selvagens. Mas como podíamos ficar e trabalhar sob o Emirado Islâmico? Nossa única salvação era o exílio”, lamenta.
Frédéric Docquier, diretor do programa Cross Border do Instituto Luxemburguês de Pesquisa Socioeconômica (Liser), afirma que, embora não haja um “conhecimento preciso da composição dos fluxos de refugiados afegãos, quando há uma crise em um país, como vimos com o êxodo sírio em 2015, o percentual de pessoas com estudos entre os solicitantes de asilo é alta”.
– “Capital humano” –
Esta fuga de cérebros preocupa os próprios talibãs. Na terça-feira (24), o grupo pediu aos ocidentais que retirem apenas os estrangeiros, e não os especialistas afegãos, como os engenheiros, que são necessários no país.
“O capital humano é um fator muito importante para o desenvolvimento (…). Um país privado de mão de obra qualificada carece dos fatores determinantes para o crescimento e para a competitividade”, disse Docquier.
Os talibãs, muitos dos quais foram criados em áreas rurais e não têm “a qualificação necessária para governar”, “sabem que precisam de um mínimo de técnicos, pessoas muito treinadas, para fazer as administrações funcionarem”.
Então, por que permitiram a saída de dezenas de milhares de pessoas nessas condições?
“Com esta concessão, eles ficam bem com a comunidade internacional e, ao mesmo tempo, se livram de possíveis dissidentes”, explica o acadêmico americano.
“Em uma sociedade onde há muita opressão, os intelectuais são veículos de protesto. Quando se vão, levam consigo a possibilidade de protestar e, portanto, de mudar”, destaca Docquier.
O objetivo é, “na medida do possível, manter um número mínimo para que o maquinário essencial continue funcionando”, acrescenta.
Este especialista em migrações internacionais destaca que o exílio nem sempre é negativo, já que as diásporas contribuem para as trocas com seus países de origem, em termos de comércio e investimentos, por exemplo.
Ele alerta, contudo, que isso pode ser diferente no caso do Afeganistão.
“Muitos se foram com suas famílias e terão menos motivos para contribuir para o desenvolvimento do país (…). Podemos temer que isso seja uma perda seca para o Afeganistão, que provavelmente terá sua capacidade de recuperação a longo prazo reduzida”, completou.