Na sexta-feira 20, logo pela manhã, o executivo Murilo Pinto de Oliveira Ferreira, um discreto e sorridente administrador de empresas, mineiro de nascença, carioca de profissão e torcedor do Fluminense, assumiu oficialmente a presidência da Vale, a maior empresa privada do País e a segunda maior mineradora do planeta – dona de um faturamento de R$ 85,3 bilhões, no ano passado, mais que o PIB do Uruguai. Aos 58 anos, mais do que explorar sua habilidade como gestor da uma gigante global, Ferreira precisará colocar em prática tudo que conhece de diplomacia. 

O executivo hoje dirige uma empresa que é ferramenta estratégica para o governo federal e, ao mesmo tempo, cobiçada no mercado de ações e cada vez mais pressionada pelos acionistas. Encontrar um equilíbrio entre os interesses públicos e privados, ao que tudo indica, determinará a prosperidade ou seu fracasso à frente da Vale. “Sei que temos desafios enormes pela frente, mas a Vale está bem reconhecida no Brasil e lá fora como uma empresa competitiva”, disse Ferreira, em sua primeira entrevista coletiva como presidente da mineradora. 

 

139.jpg

“A Vale é uma mineradora, ponto. Mas a demanda por participação em siderurgia é um fenômeno mundial” 

 

A julgar pela rotina de Ferreira, nos últimos 30 dias, ele não deverá enfrentar problemas para agradar a gregos e troianos. Os mais próximos definem o novo presidente da Vale como um exímio negociador, flexível no diálogo e rápido nas tomadas de decisão. “As primeiras impressões foram ótimas”, diz Paulo Soares, representante dos funcionários no Conselho de Administração da Vale. “Ele conhece a Vale como poucos e faz questão de estar presente nos momentos de decisão.” 

 

Essa percepção tem sido quase uma unanimidade na empresa. Desde o dia em que foi nomeado, Ferreira sinalizou que implementará uma gestão mais próxima dos funcionários, em contraponto ao modelo sisudo e olímpico de seu antecessor, Roger Agnelli. Não por acaso, Ferreira, antes mesmo de ser empossado, pouco permaneceu no 19º piso, onde fica a sala da presidência, do QG da Vale, na avenida Graça Aranha, no Rio de Janeiro. Preferiu visitar andar por andar do edifício, apresentando-se e apertando as mãos dos funcionários. 

 

Para muitos deles, distribuiu breves elogios e frases de motivação, com a clara intenção de se diferenciar e desfazer o distanciamento entre a diretoria e o corpo de funcionários, institucionalizado na era Agnelli. O comportamento inicial de Ferreira entusiasmou também os sindicalistas, justamente por seu perfil oposto ao do ex-presidente. “Agnelli não tinha diálogo com os movimentos sociais”, afirma Valério Vieira dos Santos, presidente do sindicato Metabase de Congonhas, Ouro Preto e região, um dos 15 que reúnem empregados da Vale. “O discurso de Ferreira, indicando que levará em conta o desenvolvimento do País, que nos deixa animados para iniciar uma nova relação.” 

 

Segundo ele, os sindicatos começam a campanha salarial em junho para a data-base em novembro e pretendem reivindicar aumentos superiores à inflação, considerando os recentes resultados da companhia. No ano passado, a mineradora anunciou um lucro recorde de R$ 30,1 bilhões. No primeiro trimestre de 2011, o lucro foi de R$ 11,2 bilhões, alta de 325% sobre o mesmo período do ano passado. 

 

Embora tenha capitalizado positivamente seu desempenho no período de transição no comando da Vale, Ferreira terá sua prova de fogo, a partir de agora. Ele terá a missão de demonstrar que não leva para a mineradora interesses ou prioridades – do governo ou de partidos políticos – que sejam prejudiciais aos acionistas. Ao mesmo tempo, ele terá de estar mais alinhado e atento aos pleitos do governo do que Agnelli. Será uma missão para um equilibrista. Logo em seu primeiro pronunciamento, o executivo começou a exercitar o seu lado diplomático. 

 

140.jpg

após dez anos na vale, Agnelli deixa companhia com lucros recorde e com forte presença no Exterior 

 

“Na questão da siderurgia, é importante salientar que a Vale é uma mineradora, ponto”, afirmou. “Mas sabemos que essa demanda de aumentar a participação no setor da siderurgia é um fenômeno mundial”. Entre a indicação formal de Ferreira e sua posse, a Vale anunciou a entrada no consórcio que administrará a hidrelétrica de Belo Monte, assumindo a participação do grupo Bertin. Não por acaso, o anúncio foi feito informando todos os cálculos de retorno do investimento, para demonstrar que a empreitada não será prejudicial à companhia nem atende a caprichos ou exigências dos sócios estatais. 

 

“A Vale já queria entrar em Belo Monte, mas o consórcio em que ela participava perdeu”, diz Pedro Galdi, analista-chefe da corretora SLW. “Não considero este investimento uma ingerência do governo.” O analista lembra ainda que entrar na hidrelétrica faz sentido, pela necessidade de energia da companhia no Pará.

Apesar de ter um estilo mais flexível, Ferreira garantiu que não irá alterar o plano de investimentos da companhia. Neste ano, a Vale planeja investir US$ 24 bilhões.

 

Desse valor, 63,8% (US$ 15,3 bilhões) serão aplicados no Brasil, onde se encontra a maior parte dos seus ativos.  Ferreira terá também a missão de enfrentar uma cobrança de royalties, estimada em R$ 4 bilhões. Nesse ponto, o novo presidente da Vale, em seu discurso de posse, engrossou o tom de voz. “Nós temos de ter um diálogo franco e aberto com as autoridades e dentro desse diálogo buscar o entendimento comum para interpretar a legislação”, diz Ferreira. “A Vale é uma empresa que cumpre a legislação. Cabe a nós defender o melhor interesse da Vale.” Para repetir um bordão usado por um famoso locutor esportivo da televisão: vai que é tua, Murilo.

 

141.jpg