11/05/2001 - 7:00
DINHEIRO ? A reclamação dos empresários é: ?o governo nos incentivou a investir em produção, mas agora faz racionamento e nos pune?. A crítica é justa?
ALCIDES TÁPIAS ? Não. É conversa fiada, discurso de quem quer preservar prerrogativas num momento em que todos terão de dar sua contribuição ao País. Ninguém, nenhum empresário atende a chamamento de governo se não vislumbrar, com seus próprios olhos, possibilidades reais de ganhos. Essa é a verdade, o resto é bobagem.
DINHEIRO ? Mas a grita é geral.
Tápias ? Eu sei. Aqui no ministério recebo e-mails, cartas, faxes e telefonemas de vários empresários que tentam justificar as especificidades de sua atividade, para preservá-la. Mas nós não podemos tomar decisões a partir da realidade de uma ou outra empresa. Temos de pensar em setores.
DINHEIRO ? A crítica é maior ainda nos setores eletrointensivos, como os de alumínio, papel e celulose e aço.
Tápias ? Eu sei. Mas aí, para resolver esse problema, o que tem de ser visto é o desempenho do setor. Temos de fazer uma conta na qual a base é quanto cada um deles gasta de energia e o que, na ponta, eles produzem de valor agregado. Se dois setores consomem 100 unidades de energia e um deles produz mil peças com valor agregado e o outro produz cinco mil, é evidente que este último tem de ser preservado em primeiro lugar. Se for preciso negociar com um setor inteiro da economia até que passe o período de racionamento, defendo que isso seja feito. Acho até que alguns setores serão mesmo convidados a paralisar temporariamente suas atividades. Nossa obrigação é encontrar um cálculo de matriz que represente a menor perda no PIB. Naturalmente, os que contribuem com mais valor agregado e consomem menos energia têm de ser olhados com mais atenção.
DINHEIRO ? Quais são esses setores?
Tápias ? Ainda não sei, mas em breve saberei. A Secretaria de Desenvolvimento da Produção e o próprio BNDES já dedicaram várias horas de estudos e análises sobre essa questão. Eles é que estão fazendo as contas. Quando as informações estiverem completas, vamos cruzá-las com as regras de contenção de energia divulgadas esta semana. Aí, então, veremos o que podemos fazer.
DINHEIRO ? Qual é a sua conta de queda no PIB?
Tápias ? Eu não tenho conta nenhuma e acho que essa discussão não tem nexo. Antes de qualquer cálculo temos de avaliar os primeiros resultados do processo de racionamento. Se a produção e o emprego forem preservados, que é a nossa intenção primeira, o PIB não vai sofrer nada. Já temos crise de energia, não podemos ter crise social.
DINHEIRO ? Para os que não gostaram do pacote do racionamento, qual é o seu conselho?
Tápias ? A conjuntura é adversa. Numa hora dessas é preciso ser prudente e guardar o que ainda temos, que é o estoque de água. Na busca de soluções que preservem tanto o estoque de água nas barragens como a manutenção de produção, a criatividade vai ser mais necessária do que nunca.
DINHEIRO ? Como é isso na prática?
Tápias ? O empresário vai entender que o importante é preservar a atividade fim do seu negócio. Para isso, terá de cortar na atividade meio, que é a burocracia, o escritório. Cortar custos fixos como o gasto com ar-condicionado, o freezer, o elevador e até a máquina de café. Em muitos casos, a economia que ele obtiver com essa penalização na atividade meio vai manter tanto quanto possível a produção que ele tinha antes.
DINHEIRO ? Mas isso será o bastante?
Tápias ? É um começo. Também será preciso adotar soluções transitórias a serem negociadas entre o governo, o setor produtivo e os sindicatos de trabalhadores. O bem maior, agora, é preservar emprego, não discutir benefícios trabalhistas. Vamos entrar num período de 8, 9, 10 meses em que a prioridade será evitar a crise social, já que a energética está aí.
DINHEIRO ? A redução da jornada de trabalho entra no cardápio da crise?
Tápias ? Sim. A redução da jornada pode ser compensada com a criação de bancos de horas e também com antecipação de férias. Essa também é a hora do empregado pagar um preço de alguns direitos adquiridos. Não se trata de abrir mão deles, mas adequá-los por um período certo, determinado. É hora de mostrar maturidade.
DINHEIRO ? As primeiras reações dos sindicatos são de protestos. É possível convencê-los a sacrifícios?
Tápias ? Hoje, o Brasil tem duas grandes lideranças sindicais. O Paulinho, da Força Sindical, e o Marinho, que comanda os trabalhadores da indústria automobilística no ABC paulista. Fiz recomendações ao ministro Dornelles no sentido de que eles fossem incentivados a participar de perto do processo de elaboração das medidas para o racionamento. Isso foi feito. Sempre percebi nesses dois dirigentes uma grande maturidade e disposição para o diálogo. Serão interlocutores importantes nesta fase.
DINHEIRO ? Ao lado de adotar as medidas que o sr. sugere, talvez alguns falem em redução de salários também. O que o sr. acha dessa possibilidade?
Tápias ? Por que não? Se isso for importante para preservar o emprego, é válido. O injusto é haver demissões e deixar uma parte dos trabalhadores com salário zero e outra com o salário 10. Se uma situação de equilíbrio evitar demissão, acho que é uma hipótese a ser discutida.
DINHEIRO ? Talvez seja mais fácil aceitá-la se ocorrer um movimento de queda geral de preços na economia.
Tápias ? É, mas essa é uma situação mais difícil de imaginar. A energia é um componente importante em qualquer estrutura de preços e seu custo vai aumentar.
DINHEIRO ? Quem é o culpado pela crise energética?
Tápias ? Não estou interessado em descobrir. Não é momento para se procurar culpados, mas, sim, construir soluções. Os espíritos devem estar desarmados para enfrentar uma situação que é conjuntural e da qual podemos sair mais fortes do que entramos. Estruturalmente estamos bem.
DINHEIRO ? Como ficam as privatizações no setor elétrico?
Tápias ? É de bom senso parar as privatizações neste momento. Não se trata de parar para sempre, não fazer mais. Nós continuamos a favor da privatização do setor, mas muitas vezes para seguir adiante é preciso dar um ou dois para trás. Manter o processo de privatização de Furnas, por exemplo, só iria aguçar a questão política no momento em que travamos uma enorme batalha econômica. Isso não nos traria nenhum ganho e acrescentaria muito ruído. O melhor a fazer agora é parar o processo, avaliar os resultados das medidas de racionamento e, mais tarde, retomar as coisas.
DINHEIRO ? O sr. acredita que o governo agiu certo ao montar uma estrutura especial para tratar do racionamento?
Tápias ? Sem dúvida, agiu muito corretamente. Fez como se faz na iniciativa privada. Quando há uma situação especial, montamos nas empresas um, podemos dizer, gabinete de crise. E isso foi feito aqui. Me lembro do tempo do Plano Cruzado, em 1986, quando as regras mudaram e todos tiveram de entendê-las e se adaptar. Ninguém sabia o que era e muito menos os efeitos de uma mecanismo como a “tablita”, por exemplo. Mas era preciso decifrar isso e, ao mesmo tempo, continuar o trabalho do dia-a-dia. Eu estava no Bradesco e, lá, montamos um gabinete de crise para entender o plano enquanto outros diretores tocavam a operação cotidiana. É o que estamos fazendo agora no governo.
DINHEIRO ? O que o sr. achou da escolha do ministro Pedro Parente para chefiar esse grupo?
Tápias ? Foi a melhor escolha. Antes de o presidente anunciá-lo, nós ? eu, o José Jorge, o Parente e outros ? estávamos conversando a respeito e o nome dele surgiu como uma alternativa natural. Ele logo reagiu dizendo que estávamos jogando um abacaxi nas suas mãos. Foi engraçado. Três dias antes do anúncio oficial do presidente, o próprio Pedro, nessa nossa conversa, reclamava dizendo que iria ser chamado de ministro do Apagão. Foi o que aconteceu.
DINHEIRO ? Por que ele é melhor do que o ministro da Energia para exercer a função?
Tápias ? Você pode excluir o fato de que o José Jorge está chegando agora ao governo e teria os problemas naturais de quem é recente num grupo. Mas mesmo que você esqueça isso, tem de lembrar que, como ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente tem ascendência sobre todos os demais ministros. Minimamente, porque seu gabinete fica ao lado da Presidência da República. Ele está lá, é chamado a todo momento, tem todas as facilidades de comunicações. Entre ministros iguais, ele é mais igual que os outros. Com essa posição e os poderes que a medida provisória lhe atribuem, ele poderá dar diretrizes aos outros ministros.
DINHEIRO ? Por falar em ministro, o sr. parou de brigar com o ministro Pedro Malan?
Tápias ? Vocês é que não ficam sabendo.
DINHEIRO ? Quais têm sido os motivos?
Tápias ? Não se trata de brigas, como às vezes a imprensa coloca. Nós podemos, e é natural, ter divergências. Afinal, num País deste tamanho, com um governo com essa estrutura, divergências são absolutamente naturais.
DINHEIRO ? Como o sr. acha que a população vai reagir?
Tápias ? Acho que a mesma indignação que a população brasileira demonstrou diante da posição do Canadá no caso da vaca louca vai se transformar, agora, em responsabilidade diante do novo momento. Naquele instante, olhamos para o Canadá e todos nos sentimos injustiçados. Agora, vamos enfrentar a crise energética com a mesma união e administrá-la com maturidade.
DINHEIRO ? Para enfrentar o racionamento, o sr. utiliza algum elemento de comparação?
Tápias ? A guerra. Os europeus já a enfrentaram e, com ela, mudaram seus hábitos para melhor. Acho que o mesmo pode acontecer aqui no Brasil. Temos de entender que agora é como se estivéssemos em guerra.