O bilionário Jorge Paulo Lemann, 71 anos, não frequenta eventos sociais, foge de badalação e procura se manter longe dos holofotes. Quem o conhece o define como um homem extremamente inteligente, equilibrado e de comportamento espartano. Não esbanja dinheiro e evita excessos. 

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Com os sócios Marcel Telles e Beto Sicupira, Lemann (foto) desembolsará US$ 4 bilhões pela rede americana

 Mas sua ambição é inversamente proporcional ao seu modo de vida. Lemann, dono de uma fortuna de US$ 11,5 bilhões, não tem limites quando o assunto é multiplicar seu patrimônio. Ao lado de Marcel Telles, 62 anos, e Carlos Alberto Sicupira, 63 anos, mais conhecido como Beto, ele protagonizou alguns dos maiores negócios dos últimos tempos. 

O mais famoso é o que culminou na criação da InBev, junção da AmBev com a belga Interbrew, e, posteriormente, na compra da Anheuser-Busch, a fabricante da Budweiser, por US$ 52 bilhões. Com a AB InBev, já dominava o setor de cervejas nos Estados Unidos. Na semana passada, ele deu mais uma tacada ousada. 

 

Por meio do fundo 3G Capital, que concentra os investimentos do trio, Lemann e seus sócios compraram a rede de fast-food Burger King por US$ 4 bilhões, entre aquisição de ações e pagamento de dívidas. 

 

Agora, além de rei da cerveja, Lemann se converte em um dos reis do hambúrguer. Com essa tacada, ele e seus sócios se tornam de vez protagonistas de primeira linha no mercado americano, o mais rico e dinâmico do mundo – dali saem as principais tendências e hábitos de consumo que rapidamente se espalham por todo o planeta.

 

A notícia sobre as negociações, divulgada na quarta-feira 1º pelo jornal The New York Times, acelerou o processo de compra e revelou um traço muito famoso de Lemann e seus sócios: o sigilo absoluto. 

 

Há cerca de seis meses, eles vinham conversando com os executivos do Burger King sem que ninguém desconfiasse. As negociações foram coordenadas por Alexandre Behring, 50 anos, atualmente no 3G e ex-presidente da ALL, empresa da qual Lemann, Telles e Sicupira são acionistas. 

 

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Concentração nos Estados Unidos: quase 70% das 12 mil lojas do grupo estão em território americano

 

“Estamos felizes que o 3G Capital tenha reconhecido o valor que criamos na revitalização da marca”, disse John W. Chidsey, CEO e presidente do conselho do Burger King. Behring faz coro. “O Burger King é perfeito para o 3G Capital, que possui muita experiência em investimentos em marcas globais e em companhias de varejo”, disse o executivo brasileiro. 

 

Pelo acordo, o 3G pagará US$ 24 por ação, um prêmio de 46% sobre o valor estimado antes das negociações ganharem o noticiário. O Burger King ainda terá o direito de vender seus ativos para outro grupo, caso surja uma oferta melhor até 12 de outubro. Analistas, porém, acham improvável que isso aconteça. “Os acionistas ficaram contentes com o valor pago”, disse à DINHEIRO Tom Forte, da Telsey Advisory Group, de Nova York. 

 

Behring será copresidente do conselho de administração, ao lado de Chidsey. Mal esquentou na cadeira e já definiu o nome do novo presidente da companhia. O encarregado de comandar a rede com mais de 12 mil restaurantes é o jovem executivo Bernardo Hees, 40 anos. Na semana passada, ele deixou a presidência da ALL, às pressas, e foi para os Estados Unidos se inteirar sobre o seu novo desafio.

 

Considerada uma espécie de patrimônio cultural dos americanos, essa é a segunda vez em menos de oito anos que a rede é negociada. Em 2002, a inglesa Diageo, antiga controladora, vendeu a cadeia de fast-food para o Texas Pacific Group (TPG), a Bain Capital e o Goldman Sachs. Os então donos abriram o capital da companhia, em 18 de maio de 2006, mas não tiveram muito sucesso. 

 

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Desde que estrearam na Bolsa de Nova York até  a terça-feira 31 de agosto, antes das negociações serem divulgadas, as ações do Burger King tiveram uma queda de 3,2%. No mesmo período, os papéis do McDonald’s, seu maior rival, subiram 137,3%. Hees tem a missão de mudar esse jogo. 

Para isso, levará à empresa a cultura do banco Garantia e do fundo GP, ambos criados por Lemann. A ideia é empregar a redução de custos nos mínimos detalhes e transportar para o Burger King o ambiente de competição e a meritocracia cultuados pelos discípulos de Lemann. 

 

Mas não será fácil. Os novos donos do Burger King terão de reinventar a companhia. Embora o hambúrguer esteja impregnado no DNA dos americanos, nos últimos anos, esse tipo de alimentação passou a ser visto como um dos vilões da saúde pública nos Estados Unidos. 

 

Cinco anos atrás, um levantamento do Departamento de Saúde do país constatou que 53% dos americanos adultos estavam com sobrepeso e colesterol acima dos padrões máximos. E, para o governo, isso se traduz em gastos. Enquanto o setor de fast-food movimenta US$ 110 bilhões anuais, o setor de saúde gasta US$ 147 bilhões com tratamentos contra a obesidade e campanhas educativas. 

 

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“Assim como aconteceu com o cigarro em várias partes do mundo nos anos 80 e 90, o setor de alimentos rápidos tem enfrentado uma batalha sem precedentes”, disse à DINHEIRO Steve West, analista de varejo da consultoria americana Stiefel Nicolaus.

 

Os recentes resultados do Burger King no mundo endossam essa afirmação. A receita de US$ 2,5 bilhões da companhia no último ano fiscal – de junho de 2009 a junho de 2010 – recuou 1%, na comparação com o mesmo período anterior. A queda expõe uma reversão nos padrões de consumo alimentar das novas gerações. 

 

Prova disso é o caso do rival McDonald’s. Em 1998, a rede adotou uma postura ousada e passou a oferecer opções mais saudáveis, como saladas, frutas e iogurtes. Enquanto isso, o Burger King manteve a aposta nos lanches tradicionais e acabou perdendo mercado. 

 

Resultado: nos últimos 12 meses, as vendas do McDonald’s cresceram 11,2%. Há também aí uma outra vantagem da rede dos arcos dourados diante do Burger King. O McDonald’s é muito mais globalizado. De seus 32 mil restaurantes, 13 mil estão nos Estados Unidos e os demais espalhados pelo mundo. 

 

Isso torna a empresa menos exposta a uma crise como a que aconteceu nos Estados Unidos recentemente. Já o Burger King tem quase 70% de suas lojas em território americano. Ou seja, uma gripe nos EUA tem o mesmo efeito de pneumonia. Para reduzir essa dependência, o plano é abrir 500 novas lojas na América Latina.

 

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No Brasil, os números do Burger King ainda são modestos, se comparados aos do mercado americano. A rede, trazida pelo pecuarista Luiz Eduardo Batalha, possui apenas 93 restaurantes, 0,7% do total de unidades existentes no mundo. Acredita-se que a compra do Burger King deverá ter um impacto direto também nas operações da marca no País. 

 

Indagado sobre a nova estrutura, Guilherme Batalha, diretor da BGK do Brasil, empresa que comanda a maior parte das franquias no Estado de São Paulo, não dá mais detalhes. “Também fomos pegos de surpresa”, disse à DINHEIRO. Não é surpresa para ninguém, contudo, que os países emergentes tenham um papel crucial nos próximos passos da companhia. 

 

“O futuro do Burger King depende de sua capacidade de ganhar escala em nível global, especialmente nos países emergentes como o Brasil”, disse Rodrigo Bandeira de Mello, professor de estratégia da Escola de Administração e Economia da FGV. “Nesse quesito, a cultura empresarial desenvolvida por Jorge Paulo e seus sócios é bastante consistente”, completa.

 

Economista formado em Harvard,  Lemann é um ídolo entre seus pares no mercado de private equity. “Ele e os sócios são um paradigma nesse setor”, disse o investidor Marcus Elias. O bilionário e seus sócios, de certo modo, criaram uma escola de gestão no Brasil. 

 

Todos que trabalham com eles parecem ter saído da mesma forma: obsessivos por redução de custos, competitivos ao extremo e com sede voraz de subir na estrutura de suas empresas. Até o estilo de se vestir é semelhante – a gravata, por exemplo, raramente faz parte de seu guarda-roupa. 

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Ele criou essa cultura no banco Garantia, fundado na década de 70, levou-a para o GP, originado em 1993, e disseminou o conceito não só em suas empresas como também em outras companhias. Sua fórmula parece simples, mas é muito complexa: comprar empresas em dificuldade ou estagnadas, recuperar suas finanças, valorizar suas ações e depois vender por um valor muito acima do que pagaram. 

 

A história de Lemann e seus sócios no mercado de cervejas reflete muito bem essa cultura. Eles compraram a Brahma, em 1989, por US$ 60 milhões. Encontraram uma empresa com estrutura envelhecida e a transformaram em uma mina de ouro.

 

“No caso da Brahma, se tivéssemos feito o due diligence adequadamente, nunca a teríamos comprado”, disse Lemann em uma rara entrevista para a revista HSM Management. “Logo depois da aquisição, descobrimos grandes problemas financeiros, especialmente no fundo de pensão. 

 

Mas nós compramos. Por quê? Porque nosso feeling dizia que somos um país de população jovem, com muito calor, e acreditávamos que cerveja era um bom negócio mal tocado aqui.” Resultado: dez anos depois de adquirir a Brahma, eles incorporaram a rival Antarctica, criando a AmBev. 

 

Em 2004, se uniriam com a belga Interbrew, dando forma à InBev, que se tornou a segunda maior companhia de cervejas do mundo. Na época da transação, os US$ 60 milhões haviam se transformado em US$ 4,1 bilhões. Não bastasse isso, Lemann e sua turma compraram a Anheuser-Busch criando o maior conglomerado cervejeiro global (leia quadro na página ao lado). A julgar pelo no que a Brahma se transformou, é bom que o McDonald’s se cuide.  

 

Lemann é fã assumido de Sam Walton (1918-1992), fundador da rede varejista Walmart, e do megainvestidor Warren Buffett, um dos homens mais ricos do mundo, de quem se tornou amigo pessoal. Com Walton, aprendeu a importância da redução de custos e com Buffett entendeu como identificar boas oportunidades. 

 

Ao estilo do famoso Oráculo de Omaha, Lemann, Telles e Sicupira passaram a comprar participações em empresas nos Estados Unidos. Além da Anheuser-Busch, eles possuem 8,3% da CSX, uma das maiores ferrovias americanas, e também têm uma participação de 6,3% da cadeia de fast-food Wendy’s. Mas não entraram nos negócios da maior economia mundial apenas com dinheiro. 

 

Eles cultivam bons relacionamentos e, diga-se de passagem, possuem um funcionário no 3G Capital que está intimamente ligado ao poder. Trata-se de Marc Mezvinsky, 31 anos, marido de Chelsea Clinton, filha do ex-presidente americano Bill Clinton e da atual secretária de Estado, Hillary Clinton.  Com esses e outros ingredientes, souberam aproveitar as oportunidades que surgiam em um mercado abalado pela maior crise financeira desde 1929.

 

A aquisição de empresas americanas por companhias brasileiras se intensificou muito nos últimos anos. “O Brasil passou a ter uma economia estável, uma moeda forte e empresas com boa gestão empresarial”, diz Sherban Leonardo Cretoiu, professor de negócios internacionais da Fundação Dom Cabral. 

 

“Para quem se criou na adversidade, fica mais fácil deslanchar em uma economia estável.” A Coteminas, por exemplo, é controladora da Spring, a maior fabricante de artigos de cama, mesa e banho dos Estados Unidos. A Gerdau possui várias empresas siderúrgicas no país; o JBS-Friboi domina o mercado de carnes nos Estados Unidos; o Marfrig fornece para o McDonald’s; a Vale do Rio Doce tem 50% da California Steel Industries; a Votorantim possui companhias de cimento e concreto… 

 

“No Brasil, as empresas e os investidores têm caixa para aproveitar as oportunidades que aparecem no Exterior”, diz Roberto Padovani, estrategista-chefe do WestLB. Foi exatamente o que Lemann e seus sócios fizeram com o Burger King. 

 

Só precisam resolver uma questão aparentemente boba. É notório que os controladores da AmBev não gostam de ver seus funcionários bebendo outro refrigerante que não sejam do grupo. Coca-Cola, então, nem pensar. 

 

Será que, pelo menos nas lojas do Burger King, eles poderão tomar uma Coca? Ou será que, para resolver isso, vão comprar a Pepsi, como já vem sendo especulado?  É sensato não menosprezar Lemann, Telles e Sicupira. 

 

 

O gosto amargo do estilo Ambev

 

Por Milton Gamez, de Saint Louis (EUA)

 

Os turistas americanos que visitam a mítica sede da Anheuser-Busch em Saint Louis, no Missouri, sentem orgulho de ver e pisar no solo sagrado da maior cervejaria dos Estados Unidos.  

 

Nos tours abertos ao público, a guia exalta a grandeza da companhia e, como se estivesse em uma máquina do tempo, conduz os visitantes a um passado que não existe mais. 

 

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Nenhuma palavra sobre os verdadeiros proprietários – os brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira – é pronunciada durante o passeio. Ao final do tour, eles podem degustar duas cervejas, também de graça, desde que sejam Budweiser ou Stella Artois. 

 

Nada de Brahma, muito menos Skol. Num país nacionalista como este, não convém cutucar o humor dos cidadãos com a incômoda realidade, o avanço dos capitalistas brasileiros, especialmente quando os novos gestores não são tão queridos na terra natal da principal loira gelada americana. 

 

O agressivo estilo de gestão da tríade Lemann, Telles e Sicupira, que agora arrematou a rede Burger King, deixou marcas profundas em Saint Louis. “A venda da Anheuser-Busch teve um impacto muito grande na comunidade. 

 

A empresa empregava mais gente, patrocinava mais eventos sociais e esportivos”, afirma um funcionário aposentado da Monsanto, outro ícone da economia dos EUA com sede na mesma cidade. 

 

Aqui, todo mundo tem um parente ou conhece alguém que foi demitido pelos novos donos e levou um ou dois anos para arrumar outro emprego, já que a mudança coincidiu com o começo da maior recessão do país desde os anos 30 do século passado. 

 

No mesmo bairro onde está a fábrica da Bud, há inúmeras casas abandonadas e imóveis para alugar. Ao todo, foram 1,4 mil demissões. A ordem dos brasileiros, executada a ferro e fogo pelo presidente Carlos Brito, é cortar custos, fazer mais com menos recursos e aumentar a rentabilidade do negócio. Em Saint Louis, o orgulho ficou ferido. Os funcionários da rede Burger King só têm que torcer para que seus sanduíches também não desçam quadrados.