03/11/2000 - 8:00
DINHEIRO ? Como o sr. avalia a venda do Banestado para o Itaú? Críticos dizem que o preço mínimo foi baixo demais.
CARLOS EDUARDO DE FREITAS ? É preciso esclarecer que o preço de um banco não é igual a um preço de uma commodity. O banco é uma empresa, cujo valor é diferente para cada comprador. Isso vai depender de vários fatores, como estratégias de investimento, importância de tirar o concorrente da região e a qualidade dos ativos do banco à venda. O Banestado que o Itaú comprou por R$ 1,625 bilhão valia R$ 700 milhões para o Bradesco. Há uma confusão no Brasil sobre o que é preço mínimo. Ele não leva em conta os pontos de vista dos diversos compradores, ele não pode simular os desejos dos compradores. Esse preço é a projeção de fluxo de lucros e usa o crédito tributário para pagar as parcelas de imposto de renda e CSLL. O banco não foi subavaliado. No leilão disputado, o preço mínimo não faz sentido. Ele adquire uma certa importância em leilões menos disputados.
DINHEIRO ? O sr. espera que o ágio no leilão do Banespa também seja tão alto?
FREITAS ? Acho que sim. Acho que as sinergias entre compradores e Banespa vão acirrar muito a disputa no leilão.
DINHEIRO ? A venda do Banestado para o Itaú foi contestada na Justiça por senadores, que disseram que o banco tinha créditos tributários de R$ 1,4 bilhão. Quanto o governo vai arrecadar com esse negócio realmente?
FREITAS ? R$ 1,625 bilhão. O cheque foi compensado na segunda-feira retrasada. Agora, há uma confusão quando se trata de crédito tributário. Para usar o crédito tributário, é preciso gerar lucro. Se o novo comprador conseguiu se beneficiar do crédito tributário é porque ele gerou lucro. Se ele gerou lucro, ele pagou impostos para o governo. Então, ele ganhou o crédito mas, ao mesmo tempo, pagou mais impostos. Há dois tipos de crédito tributário. Um vem do prejuízo e é usado apenas quando a empresa gera lucro. Pode-se usar para abater 30% do imposto a pagar no exercício. Se o Itaú usar o crédito, significa que entrou ainda mais dinheiro para o governo porque o Banestado deu lucro e pagou impostos.
DINHEIRO ? Há quem afirme que muitos bancos querem comprar instituições públicas apenas para obter créditos tributários.
FREITAS ? Então por que o Banco do Maranhão não foi vendido? Ele tinha créditos tributários, mas ainda assim não foi vendido. Crédito tributário não é doação.
DINHEIRO ? Qual é o esquema de emergência que o Banco Central está preparando para garantir que o Banespa seja vendido mesmo com a chuva de liminares?
FREITAS ? Estamos trabalhando no esquema de emergência agora com a Advocacia Geral da União. O trabalho está funcionando melhor do que eu esperava. No dia do leilão, entre técnicos e advogados, teremos oito pessoas de plantão.
DINHEIRO ? Mas o processo de leilão não sofreu adiamento por causa das liminares?
FREITAS ? Foram seis liminares que atrasaram em seis meses o processo. Faz parte do jogo. Mas o leilão vai sair agora. Tenho certeza disso por causa das decisões do Supremo, que já transitaram em julgado. A oposição levantou muitas contestações contra o leilão, que foram rebatidas. Eles despejaram muita munição. Não existe nenhuma ilegalidade contra o leilão, senão a imprensa já teria descoberto. Há muita gente envolvida. O processo está sendo muito transparente.
DINHEIRO ? Os candidatos reclamaram que não havia informações suficientes para avaliar o Banespa. O sr. concorda?
FREITAS ? Tem muita conversa de comprador em véspera de leilão. Um comprador diz para o outro: olha, tem um buraco de R$ 4 bilhões no Banespa. E aí, quem ouve fica apavorado. Aí outro diz que o patrimônio do banco vai ficar negativo com o rombo. Depois, aparece a história de uma multa de câmbio aplicada pelo Banco Central. É o tipo de boato terrorista para afastar alguns adversários. Isso sem falar nas histórias da caixa de previdência do Banespa. Um diz para o outro que vai desistir, mas só está blefando.
DINHEIRO ? Esse jogo de compradores atrapalhou o processo?
FREITAS ? Não. É claro que nós tivemos que correr para rebater as informações erradas que circulavam.
DINHEIRO ? Com tantos blefes dos potenciais compradores, o sr. está se preparando para que tipo de surpresa no leilão?
FREITAS ? O preço no leilão pode ser muito maior do que estamos esperando. O caso do preço oferecido pelo Banestado foi um choque para sindicalistas, para os políticos que se opunham ao leilão. E olha que a venda do Banestado não teve dinheiro do BNDES, nem FCVS, nhém nhém nhém nhém. Foi furo na veia, à vista.
DINHEIRO ? Como será a venda dos outros bancos estatais?
FREITAS ? Estamos saindo com cinco editais de contratação: Ceará, Amazonas, Piauí, Santa Catarina e Maranhão.
DINHEIRO ? O leilão do Banco do Maranhão não atraiu nenhum comprador. Qual foi o erro nesse caso?
FREITAS ? Eu não esperava. Acompanhei todo o processo com a Delloitte Touche, a empresa que fez a modelagem de venda e avaliação. Checamos tudo, estava tudo certo. Três dias antes do leilão, o Bradesco descobriu no estatuto do banco uma regra de participação dos empregados no lucro da instituição. O banco disse que o sistema de benefícios era muito generoso em relação ao dele. Foi um acidente de percurso.
DINHEIRO ? O Bradesco só soube disso três dias antes?
FREITAS ? Acho que ele também estava envolvido com a compra do Boavista na época. Talvez a própria administração tenha descoberto isso três dias antes.
DINHEIRO ? Essa situação pode acontecer novamente?
FREITAS ? Não vai acontecer mais porque aprendi com a derrota. Eu confiei em uma série de informações que agora não confio mais. São informações como aquelas fornecidas pelo assessor do serviço de avaliação e modelagem de venda do banco (Delloitte).
DINHEIRO ? Mas a Delloitte não foi contratada exatamente para fazer aquele tipo de serviço?
FREITAS ? Foi contratada pelo Estado do Maranhão. Agora, os bancos são federais. Nós mesmos é que vamos fazer esse trabalho daqui para frente.
DINHEIRO ? Isso significa que o sr. vai falar mais com os potenciais compradores antes de vender um banco para eles?
FREITAS ? Isso mesmo. Já começou com o Banestado. No caso do Maranhão, mantive uma posição de absoluta distância e foi um erro. Eu conversava com o presidente do banco e a empresa do serviço B (Delloitte Touche). Na hora agá, percebi que cometi um erro. No caso do Banestado, perdi a inibição e conversei com todos. Perguntava para os bancos: há algum problema, alguma dúvida no edital ou no estatuto? Foi então que percebi que o Santander e o ABN não iam participar do leilão. É possível perceber que o entusiasmo de um é maior que do outro. Isso é bom para garantir o sucesso do leilão.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia o processo de liquidação de grandes bancos como Econômico e Bamerindus?
FREITAS ? Antes, as liquidações eram administradas pelo antigo Depad, onde havia as áreas de liquidações e de processos administrativos. As liquidações eram a segunda prioridade desse departamento que, por sua vez, era 19ª prioridade do diretor de fiscalização. Agora, a parte de processos administrativos está no departamento de ilícitos cambiais e financeiros e as liquidações vieram para essa diretoria de finanças públicas. Outra mudança é a criação de grupos de inspeção nos bancos de liquidações. Agilizamos o processo. Se acharmos que o banco deve ir à falência, fazemos isso logo.
DINHEIRO ? E os liquidantes?
FREITAS ? Trocamos cerca de cinco liquidantes e novas trocas deverão ser feitas. Acho que os liquidantes não podem ficar tanto tempo fazendo o mesmo trabalho. É preciso fazer um rodízio. Há liquidantes que estão há seis anos no mesmo banco. Se não dá para fazer a liquidação, temos que levar o banco à falência.
DINHEIRO ?O único liquidante que permanece dos grandes bancos é o Flávio Cunha, do Econômico. Por quê?
FREITAS ? Ele está há muito tempo. Mas temos a venda da Copene marcada para 14 de dezembro. É um processo complexo e a presença dele é necessária até lá.
DINHEIRO ? O sr. participa das discussões em outras áreas do BC?
FREITAS ? Infelizmente, não. O dr. Armínio (Armínio Fraga) estimula as discussões; o BC não é mais compartimentado. Mas o trabalho de privatizações é infernal. É consumidor de tempo e energia.
DINHEIRO ? O que dá mais dor de cabeça: privatizações ou liquidações?
FREITAS ?As privatizações, porque as liquidações são coisas mortas. Não compartilho da opinião de que todas as gestões de bancos estaduais foram desonestas. Há outros fatores relacionados aos problemas nessas instituições. Ali, os funcionários tinham planos de carreiras e de benefícios muito generosos em relação à capacidade genuína desses bancos gerarem receitas para pagar tudo isso. Além disso, os interesses políticos não-genuínos foram contrariados. Em um banco oficial pode ser criado um orçamento oficial paralelo.
DINHEIRO ? No caso Econômico, o ex-controlador, Angelo Calmon de Sá, pode sair com dinheiro e abrir outro banco após o processo de liquidação?
FREITAS ? A possibilidade de sair com dinheiro é remota. No caso de abertura de outro banco, o ex-banqueiro funciona como um presidiário. Se a pessoa é condenada a cinco anos de prisão, ela tem direito a ter trabalho e cidadania depois de cumprir a pena.