03/09/2018 - 18:24
Exatos 196 anos antes de ser acometido por um incêndio, o antigo Palácio de São Cristóvão, que hoje abriga o Museu Nacional, foi local de um dos episódios mais marcantes da história brasileira. Naquele 2 de setembro de 1822, a princesa Leopoldina, então princesa regente, era a primeira mulher a governar o Brasil. Na ocasião, presidiu uma reunião com o conselho do príncipe regente Dom Pedro II, que resultou na recomendação da independência do Brasil.
“Eu não me conformo de ter sido no 2 de setembro. É meio icônico”, diz o historiador Paulo Rezzutti, autor dos livros “D. Pedro: A história não contada” (Editora Leya) e “Domitila – A Verdadeira História da Marquesa de Santos” (Geração Editorial).
Em processo de escrita de um livro sobre Dom Pedro II, Rezzutti iria participar de uma palestra sobre a Imperatriz Leopoldina no Museu Nacional neste feriado da Independência do Brasil. “A decadência do prédio era gritante. Logo na entrada você via que a construção não tinha um bom cuidado, pelo lado de fora mesmo, antes de entrar”, conta.
Durante as pesquisas para seus livros, Rezzutti chegou a visitar locais que “não tinham condições de ter público”. “Escrevi sobre duas gerações que moravam lá dentro. Se tivesse começado agora, não teria ideia de como foi o prédio. Mesmo hoje fico pensando no meu leitor, que terá essa referência agora só pelos livros”, conta. “É triste, agora está tudo perdido. O que me dói mesmo é a parte das coleções”, lamenta.
Dentre os itens, estão múmias egípcias que seriam originalmente vendidas em Buenos Aires. Como a Argentina estava em guerra, contudo, o navio que transportava as peças atracou no Rio de Janeiro, notícia que chegou a Dom Pedro I, que resolveu comprar os itens. “São as primeiras múmias que se tem notícia na América Latina”, relata o historiador.
O acervo reunia também peças arqueológicas retiradas de escavações nas antigas cidades de Herculano e Pompeia, doadas pela imperatriz Teresa Cristina. De origem italiana, foi no jardim do entorno do museu, então Palácio de São Cristóvão, que ela ensinou as filhas, princesa Isabel e princesa Leopoldina, a fazerem os primeiros mosaicos noticiados no Brasil. As peças foram criadas com conchas e pedaços de porcelana quebrada.
Rezzutti também lembra que foi no Palácio, situado dentro da Quinta da Boa Vista, que nasceu o imperador Dom Pedro II e morreu a imperatriz Leopoldina. “Quando vinha gente de fora, nobres estrangeiros, a recepção era dada em uma mesa de jantar colocada no antigo gabinete da Imperatriz Leopoldina para mostrar as peças mineralógicas da coleção.”
Depois, com a queda da monarquia, foi lá que se realizou a primeira assembleia constituinte da era republicana, de 1891. “A ciência também é muito ligada à família imperial. Foi Dom João VI que criou o museu (então chamado de Museu Real)”, lembra o historiador. Originalmente na região da Praça da República, no centro, o Museu se mudou para a Quinta da Boa Vista após a proclamação da república.
“A única coisa que nos resta hoje é ter esperança. Sensação é de que hoje estamos vivendo um processo de luto”, desabafa. “Não sei, a partir do momento em que assassina uma vereadora eleita (Marielle Franco) e você não tem um resultado. Se a vida humana é tratada desse jeito, uma peça de museu não é nada.”
Para Rezzutti, museus ligados a instituições educacionais são alguns dos que mais têm carências no Brasil. “É o caso também do Museu do Ipiranga, que não acontece desgraça maior porque está fechado. Precisou alguém ver que o prédio iria desabar para ser fechado. Não existe investimento preventivo.”
“São dois problemas no Brasil: a Educação e a Cultura. O investimento é muito pouco, é ridículo perto de outros lugares”, ressalta. “O que tem de gente lamentando o que aconteceu e nem sabe o que é, que morador do lado do Museu e nunca foi. O brasileiro quer conhecer o Louvre, não o que tem em casa, quer conhecer a modinha.”