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Desabafo: “Empresa que não cresce não interessa. O mesmo vale para um país”

 

Estamos em 1995. Francisco Macri é o maior empresário argentino. Suas empresas vendem US$ 5 bilhões por ano e empregam 55 mil pessoas. Chegamos a 2002. Os negócios de Macri na Argentina faturam US$ 1,5 bilhão, 30% do que rendiam há sete anos, e mantêm 25 mil postos de trabalho. Mesmo encolhido, Macri ainda é o maior empresário de seu país. Só que agora ele está de partida. A sede do grupo virá para o Brasil.

Eis uma forma resumida de narrar a catástrofe da economia argentina, mergulhada há quatro anos em profunda recessão e vivendo uma convulsão social sem precedentes. Se a grande História costuma ser retratada pela sucessão de tragédias cotidianas e fatos políticos ? como o bloqueio das contas bancárias, o desemprego recorde, os cinco presidentes em duas semanas e a violência das ruas ? há uma forma mais sutil de registrá-la. Pode-se também contar a história através de seus protagonistas. E ninguém simboliza tão bem o lado real da economia argentina quanto Francisco Macri, um imigrante italiano que chegou a Buenos Aires ainda criança e ergueu com o próprio suor um império empresarial que, a cada ano, encolhe um pouco mais. Hoje, ele é o retrato do desencanto. ?Uma empresa que não cresce não existe. O mesmo vale para um país?. É esse o caso da Argentina.

Francisco Macri chegou a ser o maior produtor de automóveis do seu país, trabalhando em associação com a Fiat e a Peugeot. Hoje, depois de vender as participações nas montadoras, seus negócios são diversificados. Vão desde os correios argentinos às principais concessões de estradas da província de Buenos Aires, passando por várias indústrias de alimentos e ainda uma rede de pagamentos eletrônicos. Mas os anos dourados ficaram para trás. ?Só entro em novos negócios na Argentina se as regras do jogo forem muito claras?, conta Macri. Não é difícil compreender sua desconfiança. Nos correios, seu maior negócio, ele vem tentando renegociar as condições do contrato de concessão com o governo federal porque a inadimplência, no caso do setor público, é de 100% ? o Estado exige que as entregas sejam feitas mas não paga. Por isso, não faz muito sentido para Macri discutir se a Argentina fez bem ou não ao decretar a moratória da sua dívida. No que lhe diz respeito, o default já é uma dura realidade há bastante tempo e não se trata de pouco dinheiro. Da receita de US$ 550 milhões dos correios, US$ 150 milhões deveriam vir do setor público. Entre os clientes privados, os atrasos nos pagamentos ocorrem em 10% dos casos.

Levando calote na Argentina e sem perspectivas de crescimento, Francisco Macri tomou a decisão radical de transferir o comando da Socma ? holding que controla todas as suas empresas ? para o Brasil já em 2002. É como se, de repente, Antônio Ermírio de Moraes decidisse mudar a sede da Votorantim do Brasil para Buenos Aires, por estar descontente com os rumos do País. A mudança de Macri é a prova mais contundente de que a Argentina é um território destroçado. Seu mais reluzente empreendedor hoje confia mais no Brasil do que no próprio país. Por aqui, Macri já tem uma série de negócios de peso. Ele controla a Chapecó e a Adria, duas das principais empresas de frango e massas do País, e uma de suas subsidiárias, a Sideco, explora concessões de estradas no interior de São Paulo. Faz parte de seus planos entrar nas privatizações das rodovias federais e também do setor de saneamento. Ao todo, seus negócios no Brasil faturam US$ 750 milhões por ano. ?Em três ou quatro anos, seremos maiores aqui do que na Argentina e já me considero brasileiro?, diz Macri. Ele prevê que em pouco tempo o Brasil começará a crescer 6% ou 7% ao ano. Na Argentina, ele acha que, talvez em 2003, o país possa crescer 1% ou 2% ? 2002 já é um ano perdido.

 

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Rumo à Casa Rosada: com o filho Maurício, a família Macri tem a esperança de chegar à Presidência em 2007

 

Francisco Macri tem ainda um outro motivo para trocar a Argentina pelo Brasil. Seu filho mais velho, Maurício, será candidato à Prefeitura de Buenos Aires em 2003 e pretende disputar a Presidência em 2007. ?Não dá para misturar política e negócios?, diz Macri. ?Só o Silvio Berlusconi conseguiu?, brinca. Presidente do time de futebol do Boca Juniors, Maurício Macri é um tipo popular na Argentina e tem boas chances eleitorais. Em um país movido a paixão e onde o futebol tem sido um dos poucos motivos de alegria, ele assumiu a gestão da Boca quando a equipe estava praticamente falida e hoje o time é bicampeão da Taça Libertadores. Mas, embora a preocupação de Francisco Macri faça sentido, a mudança não deixa de ser sintomática. Michael Bloomberg elegeu-se prefeito de Nova York e nem por isso sua empresa deixou Manhattan. Antônio Ermírio de Moraes já tentou ser governador de São Paulo e não consta que tenha algum dia pensado em deixar a Praça Ramos, no centro de São Paulo.

?O BRASIL APÓIA OS EMPRESÁRIOS?

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DINHEIRO ? Como a Argentina chegou a uma crise tão aguda?
FRANCISCO MACRI ?
O país há pelo menos oito anos não tem uma administração firme, não lançou medidas para o crescimento e não tem
programas de apoio aos empresários. Para piorar, o governo gasta muito. Além disso, as exportações também precisariam de políticas ativas, que nunca foram feitas, e a taxa de câmbio argentina não era competitiva.

DINHEIRO ? A desvalorização resolve?
MACRI ?
A Argentina é diferente do Brasil. A explicação está nas décadas anteriores. O país havia se acostumado a desvalorizações permanentes, mas, para defender seus patrimônios, as empresas sempre aumentavam seus preços. A inflação acabava sendo igual ou maior. Isso não acontece no Brasil, onde uma desvalorização de 100% gerou uma alta de 5% nos preços. Na Argentina, se por milagre não houver inflação, nada garante que o país possa retomar suas exportações.

DINHEIRO ? Por que?
MACRI ?
A maior parte das indústrias que poderiam exportar está paralisada há muitos anos. O setor de automóveis é o melhor exemplo. Todas as empresas de autopeças se transferiram para o Brasil. Na Argentina, toda a indústria, em 80% dos casos, se transformou em importadora. O que sobrou ? Peugeot, Fiat, Ford ? trabalha três meses por ano. As empresas não têm o que exportar porque a cadeia de fornecedores foi desmontada.

DINHEIRO ? Como tem sido trabalhar na Argentina nos últimos anos?
MACRI ?
Muito difícil. Neste momento, estamos tentando renegociar com o governo as condições do contrato de concessão dos correios. Nas entregas para clientes do setor público, a inadimplência é de 100%. Hoje, eu só entro em novos negócios na Argentina se as regras do jogo forem muito claras.

DINHEIRO ? Por que o sr. vai transferir a sede dos seus negócios para o Brasil?
MACRI ?
O Brasil é um país que apóia seus empresários. Se alguém tem um bom projeto, o BNDES empresta a juros baixos e a empresa pode crescer. Na área de alimentos, aqui no Brasil, onde temos a Chapecó e a Adria, nós queremos expandir nossos negócios com esses recursos do BNDES. Temos ainda concessões de estradas e vamos entrar em outras privatizações de rodovias e saneamento. No Brasil, já temos um faturamento de US$ 750 milhões e, em três ou quatro anos, vamos superar em tamanho a Argentina. Em poucos anos, o Brasil pode crescer 5%, 6% ou 7% ao ano. A Argentina talvez volte a crescer um pouco em 2003, 1% ou 2%. Um banqueiro americano me ensinou há muitos anos que um país é como uma empresa. Se não cresce, não interessa.

DINHEIRO ? O sr. já se considera mais brasileiro?
MACRI ?
Seguramente.