27/11/2020 - 16:40
A agressão de um homem negro por policiais em Paris, que deixou o presidente Emmanuel Macron “consternado”, reabriu um debate sobre racismo e violência policial nesta sexta-feira (27) na França, em meio à polêmica causada por um projeto de lei sobre segurança.
As fortes imagens mostrando quatro policiais espancando um produtor de música negro na porta de seu estúdio em Paris – que foram divulgadas na quinta-feira pelo site Loopsider – geraram uma onda de indignação na França.
Os agentes foram detidos nesta sexta-feira para um interrogatório na sede da Inspeção Geral da Polícia Nacional (IGPN).
Na cena, que dura vários minutos e foi capturada por câmeras de segurança, os agentes são vistos socando, chutando e batendo com um cassetete na vítima, Michel Zecler, a quem a polícia chamou a atenção por aparentemente não estar usando máscara.
A onda de indignação atingiu os mais altos escalões do governo e o mundo do esporte e da música. O presidente francês ficou “muito consternado” após assistir ao vídeo, informou seu gabinete nesta sexta-feira.
Grandes astros do futebol, como Antoine Griezmann ou Kylian Mbappé, e da música, como Aya Nakamura e Benjamin Biolay, também reagiram com indignação ao vídeo, que viralizou nas redes sociais.
O novo caso de violência policial também ganhou destaque nos principais jornais franceses. “Náusea”, diz a manchete do “Libération”, mostrando uma foto do rosto coberto de sangue de Michel Zecler; já à noite o Le Monde publicou, também na capa, imagens da polícia agredindo o produtor.
– ‘Mancharam o uniforme da República’ –
O presidente francês se reuniu ontem com o ministro do Interior, Gérald Darmanin, a quem pediu que tomasse medidas contra os policiais em questão, disseram fontes do governo à AFP.
Após esta reunião, o ministro anunciou a suspensão dos agentes envolvidos neste caso de violência policial, que disse ter “manchado o uniforme da República”.
Os agentes, que estavam suspensos das suas funções, encontram-se presos na sede da Inspeção-Geral da Polícia Nacional (IGPN), para serem interrogados. A promotoria de Paris abriu uma investigação na terça-feira por “violência”, “falsificação de registros públicos” e “racismo”, informou à AFP uma fonte da Justiça.
– ‘Negro de m…’ –
Segundo Michel Zecler, que apresentou queixa, os policiais o chamaram repetidamente de “negro de m…” enquanto o espancavam.
Seu depoimento reabre um debate sobre suposto racismo “estrutural” e violência dentro da polícia francesa, algo que as autoridades negam categoricamente. Mas vários casos nos últimos anos alimentam essa tese.
A violência contra Zecler ocorre após o violento desmantelamento, na segunda-feira, de um campo informal de imigrantes no coração de Paris.
As imagens dessa evacuação, filmadas por jornalistas e ativistas, causaram irritação entre os franceses e levaram à abertura de um relatório da Inspeção Geral da Polícia.
Entre as imagens que foram veiculadas nas redes sociais estão policiais dispersando migrantes ainda dentro das barracas, além de um agente tropeçando em um migrante.
– Lei de ‘segurança global’ –
Além disso, esses casos, revelados por imagens veiculadas nas redes sociais, acontecem em meio a um debate na França sobre um polêmico projeto de lei de segurança que tem como objetivo restringir o direito de filmar policiais durante suas intervenções.
A lei foi denunciada por jornalistas, que a consideram uma violação da liberdade de imprensa, e gerou manifestações nas últimas duas semanas. Uma nova manifestação está marcada para sábado em Paris.
O texto, que foi aprovado pela Assembleia Nacional na terça-feira e deve ser analisado pelo Senado, gerou polêmica nos últimos dias.
Enquanto os sindicatos da polícia, a direita e a extrema-direita o aprovam, a esquerda e os defensores das liberdades públicas veem neste projeto uma violação da liberdade de informação e um sinal de um viés autoritário do governo.
O artigo mais polêmico do texto tem como pena um ano de prisão e 45.000 euros (53.600 dólares) de multa pela divulgação da “imagem do rosto ou de qualquer outro elemento identificador” de membros das forças da ordem em atuação, quando “atenta” sobre a sua “integridade física ou psicológica”.
“Sem imagens, esses casos não viriam à tona”, declararam jornalistas após a revelação do espancamento de Zecler. Para acalmar os ânimos, o primeiro-ministro Jean Castex anunciou ontem a criação de uma “comissão independente encarregada de propor uma nova redação” do polêmico Artigo 24 da lei de segurança global. Mas frente ao protesto dos parlamentares, que veem isso como uma interferência do Executivo em suas prerrogativas, seu gabinete assinalou hoje que a comissão irá se limitar a “fazer propostas”.
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