Produtor alemão mostra na prática os benefícios da abordagem regenerativa e se diz convencido de que é possível produzir tanto quanto com a agricultura industrial.O estado de Brandemburgo não é o mais indicado para quem quiser se dedicar à agricultura na Alemanha. As terras são pobres em nutrientes e arenosas. E os agricultores ainda enfrentam frequentes estiagens.

Mesmo assim, Benedikt Bösel resolveu arriscar. Em 2016, ele deixou de lado a carreira de banqueiro de investimentos e assumiu a fazenda que os pais, depois da Reunificação da Alemanha, reergueram.

São 3 mil hectares, dos quais 2 mil de floresta e mil de lavoura. Os pais já haviam optado pela produção de orgânicos, e Bösel resolveu inovar ainda mais.

Para ele, o futuro estava nas digitalização da agricultura. “Ainda no setor financeiro, trabalhei principalmente com start-ups do setor agrícola, e isso me deu uma visão muito boa dessas tecnologias”, explica.

Dois verões de seca logo no início de sua carreira de agricultor lhe trouxeram lições. “Ficou cada vez mais claro para mim que a tecnologia é frequentemente usada para lidar com os sintomas de um sistema produtivo doente”, diz.

O solo é a base de tudo

Hoje ele está convencido de que os desafios impostos pelas mudanças climáticas, principalmente a imprevisibilidade do tempo, não se deixam superar apenas com soluções tecnológicas.

Mais importante é restaurar ecossistemas. Assim, hoje a saúde do solo e a manutenção da biodiversidade estão no centro dos esforços de Bösel.

Ele encontrou inspiração para a criação de um sistema produtivo agrícola saudável no suíço Ernst Götsch, que usou a agrossilvicultura no Brasil para tornar novamente fértil uma área que havia sido declarada inutilizável.

Quem for hoje à propriedade de Bösel encontrará lavouras ​​que são divididas a cada poucos metros por faixas estreitas nas quais crescem árvores e arbustos, que formam uma barreira contra o vento e assim reduzem a erosão do solo.

Essas barreiras também garantem um microclima mais úmido, fornecem habitat para insetos e pássaros, armazenam gás carbônico no solo, ajudam a formar húmus e ainda fornecem nozes, bagas ou frutas, que podem ser colhidas.

Mais de 150 vacas pastam ao ar livre durante todo o ano. Não em pastagens, mas em terras aráveis. Nelas crescem forragens aráveis ​​​​perenes, como gramíneas, leguminosas e ervas diversas.

Os animais pastam em pequenas áreas cercadas. De duas a quatro vezes por dia, são redistribuídos com o uso de cercas móveis. Assim, as vacas sempre ficam juntas. Elas pastam e pisoteiam as forragens. Depois se movem rapidamente para o próximo cercado, deixando para trás esterco. Esse método simula o pastoreio natural.

“Mordidas pelos animais, as plantas reagem com o crescimento das raízes”, diz Bösel. Ao mesmo tempo, as plantas pisoteadas protegem o solo do sol e fornecem alimento aos organismos do solo. “Essa forma de pastoreio é um dos poucos métodos para armazenar carbono no solo de forma muito eficaz, rápida e em longo prazo.”

Alimentos para todos?

Essas são apenas algumas das abordagens da agricultura regenerativa. E elas logo mostraram resultados. Bösel se diz satisfeito por as árvores e arbustos cultivados a partir de sementes não terem apresentado problemas, apesar do último verão ter sido extremamente quente. O pastoreio também teria levado a uma melhora na qualidade do solo e na capacidade dele de absorver água.

“Mas também deve ser dito que nem sempre é possível cobrir constantemente o solo. Especialmente quando são plantados cereais anuais, essas áreas têm de ser continuamente cultivadas”. Se houver uma situação climática desfavorável na hora errada, por exemplo uma seca, o agricultor volta à estaca zero.

Por melhor que tudo isso soe, fica a questão: é possível alimentar mais de 8 bilhões de pessoas sem recorrer à produção agrícola industrial? Há argumentos a favor. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), um terço dos alimentos produzidos em todo o mundo hoje provém de propriedades com menos de dois hectares — ou seja, da produção não industrial.

Além disso, a demanda não precisa ser tão alta como ela é. Um estudo da consultoria McKinsey mostrou que 2 bilhões de pessoas comem até ficar doentes e que até 40% de todos os alimentos do mundo são perdidos porque são jogados fora ou desperdiçados.

Além disso, 40% das terras agricultáveis são usadas para cultivar ração animal, de acordo com a Fundação Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde da Alemanha. Portanto, há margem para alimentar as mais de 735 milhões de pessoas que sofrem com a fome sem produzir mais.

“Com uma utilização inteligente, regenerativa e ambientalmente correta do solo é possível produzir tantos alimentos como com a agricultura industrial”, assegura Bösel.

Qualidade em vez de quantidade

Muitas pessoas dizem que assim os alimentos ficarão mais caros, mas elas esquecem que a produção industrial gera muitos dos chamados custos externos, que não estão refletidos nos preços dos produtos, por exemplo sob a forma de esgotamento do solo, diminuição da biodiversidade ou piora da qualidade da água.

Ao fim, todas as pessoas acabam tendo de arcar com esses custos externos porque todas têm de arcar com as consequências da produção industrial para o meio ambiente.

Se esses custos fossem levados em conta, os preços finais dos produtos agrícolas industriais já não difeririam tão significativamente daqueles produzidos de forma orgânica e regenerativa.

Num estudo, a consultoria Boston Consulting concluiu que a agricultura alemã gera custos externos de cerca de 90 bilhões de euros todos os anos, aí incluídas as emissões de gases estufa e a perda de serviços ecossistêmicos (os serviços que a natureza oferece para as pessoas).

Já o Valor Acrescentado Bruto (VAB), ou o resultado final da atividade produtiva num período determinado, da agricultura alemã é de cerca de 21 bilhões de euros. Com métodos agrícolas sustentáveis ​​e tecnologia moderna, esses custos poderiam ser reduzidos em um terço, segundo o estudo.

Diante das alterações climáticas, não são apenas os agricultores que têm de repensar sua forma de produzir. A política agrícola alemã continua voltada para produzir a maior quantidade possível com preços os mais baixos possíveis para o mercado mundial.

Isso levou os agricultores alemães a investirem na produção e também a se endividarem pesadamente, afirmou Bösel durante uma audiência no Bundestag, onde foi convidado como especialista. Segundo ele, esse endividamento dificulta uma possível transição para a agricultura regenerativa.

Com ajuda da pesquisa científica

Outra dificuldade é que a agricultura regenerativa não é a mesma em todo o lugar. Ao contrário, cada agricultor deve analisar cuidadosamente sua própria situação e localização, diz Bösel. Os métodos dele não são necessariamente adequados para todos os outros lugares.

Ele próprio diz ter buscado ajuda e apoio de cientistas durante a transição agrícola. Hoje ele trabalha em conjunto com diversas instituições de pesquisa, incluindo a Universidade Humboldt de Berlim e a Universidade Eberswalde para o Desenvolvimento Sustentável.