“Ainda Estou Aqui” fez história no Oscar e criou janela de oportunidade para que a produção audiovisual brasileira seja usada para lançarmos um novo olhar na nossa cultura – inclusive em sala de aula.”Vocês americanos são muito bons em vender a sua cultura”

A frase acima é uma resposta da fabulosa Fernanda Torres em uma entrevista concedida a Jimmy Kimmel, um dos mais famosos apresentadores americanos de talk shows da atualidade. Foi um inteligente complemento ao simples “sim” de quando foi perguntada se conhecia Mary Tyler Moore.

A sutil provocação da Nanda me tocou profundamente e confesso que a “carapuça serviu”. A força do imperialismo americano é absurda e assume as mais diversas formas, inclusive as mais sutis e delicadas como a cultura. Brilhantemente, o maior presente da vitória de Ainda Estou Aqui no Oscar foi criar uma ruptura nesse imperialismo e nos mostrar que a cultura brasileira “presta”. Quem ganha com isso? Todos nós, inclusive nossa educação.

Crescendo, muitos de nós olhávamos só para os EUA

Sou nascido em um bairro da periferia e não cresci num lar com cultura de teatro, cinema ou música. Desde cedo, escuto músicas e assisto filmes e séries americanas.

Só adulto, me abri para a cultura brasileira. No entanto, havia sempre a predominância americana. Curiosamente: não alemã, francesa, espanhola e tampouco peruana, mas sempre americana.

Hoje, entendo, envergonhado, que a maior consequência do imperialismo americano sobre mim era uma diminuição, gritante, do meu olhar sobre o Brasil, da nossa história e do nosso passado, algo que a cultura pode nos proporcionar. Garanto que não estou só. Como podemos avançar assim? Como ensinar a história do nosso próprio país nos colégios com essa lacuna?

Qual foi o maior prêmio?

Agora temos o primeiro Oscar do Brasil, mas não acho que foi nosso maior prêmio.

É uma pena que tenha requerido furar a bolha da resistência do mundo à nossa cultura e recebido indicações em premiações americanas para nosso cinema ter a nossa atenção, mas o maior prêmio foi a oportunidade de olhar para o nosso cinema com uma real valorização.

Qual a relação com a educação?

Esse prêmio criou uma janela de oportunidade para olharmos para nós: nossa cultura, história, passado e futuro. O momento não poderia ter sido mais oportuno.

Mas as chamas que surgiram por esta janela precisam ser alimentadas, ou, temo, podem se apagar. Fernanda Montenegro furou a mesma bolha décadas atrás com outra indicação e não soubemos aproveitar plenamente. O mesmo movimento, em uma brilhante simbologia, foi feito novamente pela sua filha.

Educação e cultura estão intimamente interligadas. A educação transmite e transforma a cultura, enquanto a esta pode influenciar e moldar os valores e a nossa identidade.

Não podemos falar sobre educação sem falar de cultura. Nossa produção audiovisual, agora em destaque, deve ser uma importante aliada de nossos colégios, em salas de aula e em conteúdos pedagógicos, sobretudo nas disciplinas de humanas. Vivemos as consequências negativas de não olharmos para a própria história e a escola é o mais importante canal para quebrar este ciclo. É possível um futuro diferente e menos desigual, mas ele precisa ser estrategicamente construído e não deixado à própria sorte.