Enquanto se preparava para discursar sobre o papel das mulheres na economia, no pré-encontro do Women Vendors Exhibition and Forum, realizado em meados de maio, em São Paulo, a espanhola Arancha González, diretora-geral do International Trade Centre (ITC), braço da Organização Mundial do Comércio (OMC), que auxilia pequenas empresas a exportar, destacava a informação de que cada US$ 1 investido por elas se transforma em US$ 7 na economia. O cálculo pressupõe um gasto com educação e saúde, além do uso do dinheiro na comunidade local. A diretora também dava ênfase a outro dado: empresas que têm mulheres na diretoria apresentam resultados financeiros 70% melhores do que as concorrentes. Por que, em muitos casos, elas ainda exercem papéis secundários? A mudança envolve a tomada de consciência tanto por parte de governos, quanto da iniciativa privada. “É a mesma coisa com a corrupção”, diz ela. “Acontece em todos os lugares, e o que diferencia um país do outro são as respostas que eles dão a esse câncer da sociedade.” Confira a entrevista a seguir.

DINHEIRO – Qual o papel do International Trade Centre (ITC) quando o assunto é participação da mulher na economia? 
ARANCHA GONZÁLEZ – 
Há 20 anos, iniciamos um movimento global para incentivar e mostrar a força da mulher como parte importante na sociedade. Ocorreram muitos avanços relacionados a educação, saúde e política. A América Latina é um bom exemplo disso, já que há mulheres na liderança no Brasil, no Chile e na Argentina. Agora, queremos incentivar a participação das mulheres na economia. Mulheres como executivas, fornecedoras de grandes companhias, e não apenas em empregos informais, com baixos salários. Se não prestarmos atenção nisso, perderemos uma boa oportunidade para a economia global. 

DINHEIRO – Por quê? 
GONZÁLEZ – 
Há estudos que comprovam que companhias que têm mulheres em altos cargos conquistam resultados financeiros melhores. Um deles, feito pela consultoria americana McKinsey, aponta que empresas que possuem pelo menos uma mulher na diretoria apresentam resultados 70% melhores. 

DINHEIRO – Para a sociedade, quais são os efeitos da inclusão das mulheres na economia? 
GONZÁLEZ –
 As mulheres conseguem transformar US$ 1 em US$ 7, ao investir em educação, saúde e alimentação, além do entorno em que vivem. Isso se dá porque gastam 90% do dinheiro na comunidade e com cuidados com a família, enquanto os homens investem apenas 40% dos recursos. É por isso que programas sociais, como o Bolsa Família, destinam a verba para a mulher. Se o mundo está preocupado em erradicar a pobreza, com certeza a mulher é um ponto importante. A questão é: como faremos isso?

DINHEIRO – O que deve ser feito? 
GONZÁLEZ – 
Temos dois caminhos a seguir. O primeiro é aprender a usar o poder dos governos. Eles fazem licitações para comprar desde uniforme militar a roupa de cama para hospitais, mas apenas 1% do dinheiro público é gasto com fornecedoras mulheres. Há países nos quais essa mentalidade está mudando, como Uganda e Quênia, mas ainda são minoria. O segundo caminho é setor privado. Existe uma gama de fornecedores que oferecem equipamentos e insumos, mas muitos empresários fecham negócios às cegas. O que propomos é que avaliem de quem irão comprar e deem mais oportunidades para as mulheres. Não é questão de caridade, é apenas um processo de mudança de mentalidade. Queremos que todos tenham as mesmas chances e condições.

DINHEIRO – O Brasil passa por um momento de crise, com PIB negativo. Mesmo assim, ainda é um País atrativo?
GONZÁLEZ –
 O Brasil é um País muito rico. É um mercado grande, com vários setores em desenvolvimento, não apenas na agricultura, mas em agronegócio, agroindústria. Assim como o setor de serviços, que corresponde a dois terços da economia local, como o mercado financeiro, serviços de meio ambiente, distribuição, energia, logística, transportes. O governo deve investir em inovação, tecnologia e em medidas para que tudo o que foi conquistado não seja perdido. Há muita coisa para ajustar, como a burocracia. É muito difícil fazer negócios no Brasil, precisamos tornar os sistemas mais eficientes, produtivos. Precisamos transformar o País em uma economia que investe mais nas pessoas e em seus talentos. 

DINHEIRO – Como a sra. avalia o desempenho do País?
GONZÁLEZ – 
O Brasil teve um bom crescimento nos últimos anos e tirou muitas pessoas da extrema pobreza. Porém, deve realizar todas as reformas necessárias para que os ganhos se tornem sólidos. Caso contrário, muito do que foi conquistado será perdido. Não significa que os que entraram para a classe média irão retornar à pobreza, mas ainda há um terço da população vivendo em condições não decentes. O Brasil não pode aceitar isso.

DINHEIRO – Na sua opinião, estamos caminhando para tornar os ganhos mais sólidos?
GONZÁLEZ – 
O País vive um quebra-cabeça: os políticos precisam aprovar reformas, mas o sistema não está se movendo suficientemente rápido. Nesse momento, não se trata de governo versus oposição. Não é possível governar um país e fazer reformas tremendas se não houver um certo consenso. Essas reformas são inevitáveis, não porque o FMI diz que são necessárias, mas porque é inaceitável tamanha pobreza. 

DINHEIRO – Qual é o papel do setor privado nesse cenário?
GONZÁLEZ –
 Enorme. Em países como Brasil, o setor privado é parte extremamente importante. As empresas são responsáveis por tirar as pessoas da miséria ao criar empregos. Erradicar a pobreza não é sinônimo de caridade. Pessoas com trabalho formal pagam impostos e geram receita para o governo, e esse dinheiro acaba voltando para a sociedade. É por isso que as políticas públicas associadas à iniciativa privada são tão importantes. O setor privado é a locomotiva de criação de empregos, mas o governo precisa estabelecer as condições para que as empresas progridam. Ou seja, precisa cuidar de educação, inovação, segurança social e infraestrutura.

DINHEIRO – Qual é o impacto da corrupção para a economia?
GONZÁLEZ –
 A corrupção é o câncer das sociedades. Esse câncer está presente no Brasil, mas não só aqui. Isso é tolerável enquanto boa parte da população tem trabalho informal ou é classificada como pobre, porque não paga impostos. Mas a corrupção se torna intolerável quando se tem uma classe média grande, porque o dinheiro que seria gasto em educação, saúde e inovação fica nas mãos de poucos indivíduos. O que se vê no Brasil, na Ma­­lásia, na Turquia é uma de­­manda para que os sistemas funcionem. É uma oportunidade. A questão é que respostas serão dadas para evitar novos casos de corrupção e quais medidas devem ser tomadas para demonstrar que ela não será mais tolerada. O Brasil ainda está descobrindo a dimensão do problema. 

DINHEIRO – Mercados emergentes lideraram o crescimento mundial durante anos e agora estão em desaceleração. O que mudou?
GONZÁLEZ –
 A maior participação dos mercados emergentes na economia global é uma tendência de longo prazo. Há 20 anos, 70% do comércio acontecia entre os países do Norte; 20%, entre Norte e Sul; e apenas 10%, entre mercados do Sul. Hoje, vivemos em um mundo mais equânime: um terço de transações acontece entre países do Norte, um terço entre Norte e Sul e um terço entre Sul e Sul. Os mercados emergentes se tornaram motores do crescimento. Outra tendência é que vamos ver um crescimento menor do comércio. Essa mudança ocorre pelo fato de a China ter passado a concentrar a criação de valores dentro de casa. Até então, era comum que peças de um mesmo produto fossem produzidas em diversos países, o que levou a uma expansão das cadeias de valores. Mas isso não é ruim necessariamente. Significa apenas que a China está produzindo mais valor dentro de casa. A América Latina e a África têm potencial para enriquecer a sua cadeia de valor.

DINHEIRO – Como o ITC pode ajudar a América Latina?
GONZÁLEZ –
 Trabalhamos em três níveis. Ajudamos governos com leis e regulamentações, auxiliando os países a implementar as regras da OMC com a modernização das alfândegas e a redução de custos. Também apoiamos as instituições de fomento ao comércio. Por fim, somos o equivalente à Apex ao redor do mundo, com o intuito de aumentar a qualidade e a competitividade das companhias. Nosso principal papel é tornar pequenas e médias empresas em companhias internacionais. Pequenas e médias empresas representam 95% da economia dos países, incluindo o Brasil. Portanto, o potencial para o PIB crescer está nas pequenas e médias empresas, e não nas multinacionais. 

DINHEIRO – A sra. não gosta do termo mercado livre. Por quê? 
GONZÁLEZ – 
Por dar a entender que não há limitação. No entanto, se o produto não for bom, um país pode barrá-lo. Não existe abertura total. Sou a favor de mercados mais abertos, porque fechá-los, sem bom motivo, cria distorções e penaliza consumidores.

DINHEIRO – O que a sra. acha sobre os acordos que estão sendo discutidos nos Estados Unidos, como o TPP?
GONZÁLEZ – 
Mostram que o sistema global de comércio não funciona muito bem. Por isso, uma série de países decidiu adotar acordos bilaterais ou regionais. Mas os países que anunciaram esses acordos são os mesmos que fazem parte do sistema multilateral. No entanto, decidiram usar a rota mais fácil.