Nos últimos anos, o Brasil ganhou uma projeção internacional sem precedentes. O estilo protagonista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o bom desempenho econômico, com a melhoria de renda dos brasileiros via aumento do emprego e dos salários (e consequente redução do número de muitos pobres), aumentaram a visibilidade do País, que passou a ser ouvido com mais atenção nos foros internacionais. Foi tanta propaganda sobre os bons resultados na redução da pobreza que agora o megafilantropo Bill Gates – que doou boa parte da sua fortuna amealhada nos anos que passou espremendo empregados, fornecedores e concorrentes na Microsoft – diz que o Brasil tem que assumir o novo status que ostenta no cenário mundial. “O Brasil definitivamente precisa deixar de gastar dezenas de milhões de dólares em ajuda a outros países e passar a gastar centenas de milhões”, disse Gates, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. 

Ele argumenta que a ajuda, em porcentagem do PIB brasileiro, ainda é muito pequena e que países que estão crescendo, como Brasil e China, têm que assumir mais responsabilidade nessa área, até chegar ao nível de contribuição dos países desenvolvidos, de 0,7% do PIB. O Brasil, de acordo com cálculo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) doou US$ 1 bilhão, ou 0,05% do PIB, em ajuda humanitária no ano passado, sem contar os projetos de cooperação em que fornece ajuda técnica. O governo brasileiro não tem uma estatística que seja comparável aos dados internacionais. Mas as agências da ONU vêm elogiando o País como um “novo doador”, assim como Índia, Rússia e China, os emergentes a que Gates se refere.

 

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No mesmo dia da entrevista de Gates, que junto com a mulher, Melinda, administra um fundo de US$ 33,5 bilhões e faz um brilhante trabalho de vacinação na África, foram publicados os novos dados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da ONU. E eles mostram que o Brasil ainda tem muita lição de casa para fazer. De uma lista de 187 países, ficou em 84º. O Brasil melhorou um pouco – uma posição se forem considerados os mesmos países do ano passado – mas caiu 11 postos com a entrada de 22 novos países no ranking. Melhoraram os indicadores de saúde e renda, mas os de educação não mudaram. O que atrapalha o Brasil é a desigualdade. Recalculando os dados considerando este quesito, o Brasil cairia para a 97ª posição. É ela que evita que a posição brasileira melhore ainda mais. Nos últimos anos, o País sempre avançou no ranking do IDH. Mas a posição ainda não é boa o suficiente – apenas em 2007 o Brasil chegou ao nível de país com desenvolvimento elevado – e a evolução vem ocorrendo num ritmo lento nos últimos anos.

 

E é este o dilema que o Brasil vai ter que enfrentar, agora na condição de sétima maior economia e já se preparando para subir no ranking nos próximos anos. Ao mesmo tempo em que não pode se furtar a ajudar os mais pobres – por motivos que vão da solidariedade à garantia de uma boa posição no comércio e investimentos quando eles começam a crescer – precisa se dispor a mudar de vez a situação dos 16 milhões de brasileiros ainda em situação de extrema pobreza. A presidente Dilma sabe disso, tanto que, frequentemente, cita o número em discursos. É preciso agora tomar uma decisão política e acabar de vez com o problema. Aí sim o Brasil poderá se orgulhar de sua condição de grande doador internacional, sem dar a impressão de que foi resolver o problema dos outros antes de fazer a lição de casa.