10/08/2025 - 5:04
Nos anos 1970, um jornalista alemão persegue a história de uma cidade mítica revelada por um suposto indígena de um povo desconhecido. Anos depois, estrangeiros que tentaram chegar ao local desapareceram.Diz a lenda que uma das civilizações mais antiga do mundo teria sido fundada por volta de 15 mil a.C. por seres extraterrestres na Amazônia. Essa cidade perdida teria ainda abrigado mais de 2 mil nazistas que deixaram a Alemanha por volta de 1930. Eles teriam vivido escondidos em túneis subterrâneos junto aos nativos, e eram protegidos por essa tribo secreta.
Parece loucura, mas nos anos 1970 um respeitado correspondente alemão no Brasil acreditou na história. Mergulhou fundo na investigação e até publicou um livro sobre a cidade mítica Akakor. Anos depois, ele foi assassinado quando se preparava para viver na Amazônia e tentar encontrar essa civilização. O caso do jornalista não foi o único: todos os que partiram atrás da cidade mítica jamais retornaram.
A trama atraiu até Jacques Cousteau, além de inspirar obras como Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008), de Steven Spielberg. Hoje, 40 anos depois da morte ou desaparecimento de vários exploradores estrangeiros, o mito de Akakor contina a fascinar os que buscam desvendar os mistérios dessa história.
O documentarista Rapha Erichsen, autor do livro recém-lançado O enigma de Akakor: Farsas e segredos na Floresta Amazônica, é amigo do cineasta Jorge Bodanzky, que trabalhou nos anos 1970 com Karl Brugger, o jornalista alemão que propagou o mito da cidade perdida.
À DW, conta que soube da história do eldorado amaldiçoado por acaso, quando viu o livro Crônica de Akakor na estante do colega de trabalho, Bodanzky. “Deixa esta história para lá, ela tem um mal agouro”, teria dito o cineasta. Mesmo assim, Erichsen tomou o livro emprestado, sem pedir.
Desde então, tornou-se mais um dos fascinados pelo mito. Em seu livro-documentário, percorre rotas inóspitas e reúne arquivos da época para tentar desvendar os mistérios da lenda amazônica. “Apesar da fantasia, a trama de Akakor inspira e cativa todos os que se envolvem com ela. Quando você se envolve, nunca mais sai.”
Um jornalista alemão fascinado
Quando, em meados de 1971, Karl Brugger ouviu os relatos de um suposto indígena que se autodenominava Tatunca Nara em um bar no município de Barcelos, localizado a 370 quilômetros de Manaus, os seus olhos brilharam diante do que seria a grande reportagem da sua vida.
Tatunca Nara – um homem branco, que falava alemão fluente – disse ao jornalista que era o herdeiro da civilização mais antiga do mundo na Amazônia, e que só ele sabia como chegar lá. Segundo o suposto indígena, Akakor ficava em algum lugar entre Peru, Brasil e Bolívia, e tinha outras duas “cidades irmãs”: Akahim (no noroeste da Amazônia) e Akanis (em Yucatán, no México). As três localidades seriam unidas por túneis subterrâneos.
O suposto indígena também dizia que era filho de um príncipe Ugha Mongulala, a tribo que viveria na cidade mítica, e de uma freira alemã que chegou nos anos 1930 à Amazônia. Contou ainda que o seu povo acolheu (e viveu muito bem) com 2 mil nazistas enviados à floresta tropical brasileira por Adolf Hitler, pouco antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial.
De fato, os nazistas enviaram uma expedição à Amazônia em 1935, para pesquisar a região. A expedição, no entanto, era formada por dois alemães, um teuto-brasileiro e ajudantes locais.
Também por isso, a mítica Akakor fascinou Karl Brugger. Segundo os relatos do estranho indígena, a cidade podia ser reconhecida por suas montanhas em forma de pirâmide, mas seu caminho permanecia oculto, escondido atrás de uma cachoeira de acesso quase impossível. O jornalista resolveu encontrá-la e pouco tempo depois organizou uma expedição em busca da cidade perdida.
História boa demais
O então cinegrafista brasileiro Jorge Bodanzky – hoje um dos mais renomados cineastas do país – acompanhava Brugger na empreitada. Eles haviam se conhecido alguns anos antes na Alemanha. Juntos, eles cobriram reportagens na Amazônia, temas sociais críticos e até o golpe de Estado no Chile.
Bodanzky contou que, desde o início, desconfiava daquele suposto indígena que falava alemão. Ainda assim, a perspectiva de registrar a descoberta de uma cidade mítica no meio da floresta era tentadora demais para ser ignorada. “Aquela primeira expedição foi frustrante. Tatunca nos encalhou em frente a Barcelos. Ele saiu prometendo trazer uma permissão oficial dos líderes Ugha Mongulala para entrarmos em Akakor, mas nunca voltou, e tivemos que regressar”, relembra o cineasta.
Apesar do fracasso da missão, o entusiasmo de Brugger em encontrar Akakor permaneceu intacto. “No fundo, Brugger acreditava que poderia encontrar Akakor. Ele disse certa vez: ‘Se em 1911 descobriram Machu Picchu, por que não seria possível encontrar outra cidade na Amazônia? Era perfeitamente plausível que pudesse haver uma cidade escondida por lá'”, relata Bodanzky.
Além disso, “a história era boa, e para o jornalista o que conta é a história”, relembra Bodanzky as palavras do amigo jornalista alemão. A busca incessante por Akakor se tornou um projeto de vida para Brugger. Em 1976, ele publicou o livro Crônica de Akakor, escrito a partir dos relatos de Tatunca Nara.
O correspondente alemão, mergulhado na história, já nem temia perder a sua reputação. No livro, aborda a origem do universo até a história moderna na perspectiva dos supostos Ugha Mongulala. Fala ainda de contatos desse povo com os egípcios, fenícios e outros, muito antes da chegada dos espanhóis e portugueses.
Apesar de inusitada, a obra causou um verdadeiro frisson nos anos 1970, especialmente entre os círculos esotéricos e da contracultura. O prefácio era assinado por Erich von Däniken, autor do célebre Eram os Deuses Astronautas?. O livro conquistou uma geração, atraindo viajantes e curiosos para a Amazônia em busca de Tatunca Nara. Mas quase todas essas histórias acabaram mal.
Contornos macabros
Em setembro de 1971, o município de Sena Madureira, no Acre, sofreu seu pior acidente aéreo: um avião caiu após falha no motor, matando todas as 33 pessoas a bordo. Entre as vítimas estava o bispo Monsenhor Giocondo Grotti, que, segundo relatos, teria recebido de Tatunca Nara documentos e relatos sobre a civilização perdida, embora nunca a tivesse conhecido pessoalmente.
Nos anos seguintes, uma série de estrangeiros fascinados pela lenda de Akakor desapareceria na Amazônia após encontros com Tatunca. Em 1980, o americano John Reed, de 28 anos, escreveu aos pais dizendo estar a dois dias da cidade mítica antes de desaparecer. Em 1983, o suíço Herbert Wanner, de 22 anos, sumiu durante uma expedição com Tatunca; seu corpo foi encontrado no ano seguinte com um tiro na cabeça.
Já Karl Brugger foi morto a tiros em Ipanema, no Rio de Janeiro, em 1° de janeiro de 1984, supostamente durante um assalto. Tinha acabado de deixar o posto de correspondente e se preparava para ir morar na Amazônia. No dia da morte, estava com o colega Ulrich Encke, que afirmou que Brugger tentava pegar a carteira quando foi baleado no peito – exatamente onde tinha uma tatuagem de tartaruga igual à de Tatunca Nara.
Na época, o autor dos disparos foi reconhecido como um morador da comunidade Cantagalo, embora a única testemunha tenha viajado para a Alemanha no dia seguinte. Até hoje, o caso permanece sem solução, cercado de suspeitas e teorias conspiratórias.
Outra história envolve Christine Heuser, professora de yoga da Alemanha que, após ler Crônica de Akakor, acreditava ter sido casada com Tatunca Nara em uma vida passada. Fascinada pela ideia, viajou à Amazônia, apaixonou-se pelo “príncipe indígena” e, em 1987, decidiu viver na selva. Após uma discussão com Tatunca, partiu sozinha floresta adentro. Nunca mais foi vista.
As suspeitas sobre Tatunca chegaram às autoridades. O suposto indígena se chamava na verdade Hans Günther Hauck, um alemão que abandonou a família nos anos 1960 para adotar uma falsa identidade na floresta brasileira. O Ministério Público do Amazonas e a Polícia Criminal Federal da Alemanha (BKA) investigaram Hauck por envolvimento em homicídios e desaparecimentos. Nada foi adiante. Os processos acabaram arquivados, e Tatunca seguiu vivendo da fama que criou em torno de si mesmo.
Nos anos 1990, o programa Fantástico, da TV Globo, foi atrás do “último descendente dos Ugha Mongulala”, mantendo viva a lenda de Akakor e seu enigmático narrador. Em 2024, um documentário da emissora pública alemã ARD também abordou a história.
Sem comprovação científica
“Ugha Mongulala? Parece nome japonês!”, disse à DW, aos risos, um indígena que é profundo conhecedor dos mitos amazônicos e vive em Yauaretê, na região do Uaupés, fronteira entre Brasil e Colômbia. Arlindo Maia conta que “nunca ouviu falar de Akakor”.
O arqueólogo italiano Filippo Stampanoni Bassi, diretor do Museu da Amazônia (MUSA), também nunca ouviu falar sobre Akakor, tampouco sobre os supostos Ugha Mongulala. Apesar da recente descoberta de ruínas de uma cidade com 3.500 anos, a mais antiga da América do Sul, no Peru, Bassi explicou que não há nada nas pesquisas sobre a arqueologia na Amazônia brasileira que indiquem a existência de pirâmides, muito menos túneis subterrâneos.
“Temos uma tecnologia capaz de mapear com precisão estruturas no solo. Sabemos que existiram civilizações conectadas entre si, mas não ao alto nível de complexidade”, disse.
Além disso, uma questão ainda mais intrigante sobre Akakor e Tatunca Nara tem a ver com o contexto geopolítico da época. Segundo o documentarista Rapha Erichsen e outros jornalistas que têm investigado o tema, há uma hipótese de que o “indígena” alemão possa ter sido informante do regime militar sobre as atividades de Karl Brugger.
“Por que Tatunca recebeu um documento de identidade do governo brasileiro? E por que as investigações não avançaram no Brasil e na Alemanha?”, também questionou Bodanzky.
Conhecedores do tema levantam ainda a hipótese de que Tatunca Nara teria relação com o serviço secreto militar e estrangeiros interessados em minerais, principalmente no urânio, que poderia ser usado em programas nucleares. Na época, depósitos de urânio estavam sendo identificados em várias áreas da região amazônica.
Mas todas essas teorias não têm nenhuma comprovação. Já Tatunca Nara ainda está vivo e continua morando em Barcelos, na Amazônia, onde oferece tours guiados a quem queira conhecer Akakor.