A ideia de estarmos vivendo uma verdadeira epidemia de transtornos psíquicos, conforme afirmei em um artigo publicado na coluna Responsabilidade Humanística, no site da DINHEIRO, provocou muitas manifestações de aprovação. Parece que acabei por tocar num tema especialmente sensível não só para o âmbito corporativo, mas para toda a nossa realidade social: o de que a saúde mental se apresenta atualmente como o maior desafio a ser enfrentado no campo das empresas, das escolas e da própria vida familiar. É do ambiente corporativo, entretanto, que provêm muitas demandas e pedidos de esclarecimento, sobretudo em relação ao conceito que propus no referido artigo: o de saúde existencial. Qual o significado por trás dessa ideia e em que sentido ela se distingue da noção, mais familiar, de saúde mental?

No primeiro capítulo do meu livro É Próprio do Humano: Uma Odisseia do Autoconhecimento e da Autorrealização em 12 Lições (Record), intitulado É Próprio do Humano Ter de Sair, resgato a etimologia da palavra existir (do latim ex-sistere, literalmente sair para ficar de pé), descrevendo o gesto daquele que saía de sua tenda e se endireitava para caminhar. Para existir é preciso sair. E sair, no sentido existencial, é partir para a nossa jornada, para a nossa odisseia de autoconhecimento e autorrealização, seguindo aquelas duas demandas clássicas do humanismo grego: conhece-te a ti mesmo e torna-te o que és. Saúde existencial tem a ver, portanto, com esse movimento inevitável de sair para existir; sair para se conhecer, se testar, se provar, ao mesmo tempo em que se conhece o mundo, os outros, o universo. Mesmo sabendo que viver é perigoso e que carece de ter coragem, aquele que decide sair para a vida, enfrentando seus perigos e desafios, disposto a conhecer e a se conhecer, está, ainda que de forma inconsciente, promovendo e garantindo a sua saúde existencial.

Resultado da decisão livre de ser, de existir, a saúde existencial antecede e abarca todas as outras dimensões da nossa existência: física, mental, espiritual. Ao promover a saúde existencial estou, consequentemente, promovendo todas as outras dimensões da saúde humana, e não apenas no âmbito individual, mas também no social, universal. A promoção da saúde existencial é o comprometimento mais radical com a sustentabilidade em sua acepção mais abrangente. E isso porque ela envolve a integralidade do humano: não somente sua dimensão intelectual, mas também a dos afetos e da vontade.

A eclosão de enfermidades psicossomáticas despertou a atenção dos gestores para a urgência de recursos que garantam a segurança psíquica e mental dentro do ambiente corporativo. Entretanto, pouco ou praticamente nada se tem feito para promover a saúde existencial das pessoas ­— aquela que, efetivamente, pode garantir a manutenção de todas as outras instâncias do existir. Ações de saúde mental são importantes e necessárias. Porém, como abrangem apenas uma dimensão parcial do ser — a mente — acabam gerando resultados parciais e temporários. Esse tipo de ação se restringe, geralmente, à dimensão comportamental e visa, quase sempre, ‘ajustar’ o indivíduo às condições disfuncionais do ambiente externo, com o fim de recuperar seu potencial produtivo.

Tal perspectiva utilitarista pode até gerar certo resultado no curto prazo, porém, no médio e no longo prazo, acaba por comprometer não só a saúde do indivíduo como também a da própria empresa, ao pretender ‘curar’ os doentes adaptando-os à doença. Promover a saúde existencial além da saúde física e mental é uma tarefa indispensável para garantir uma existência saudável duradoura e progressiva, a única forma real e efetiva de contribuir para a felicidade — aquela que se identifica com a autorrealização, e não com a noção superficial de bem-estar.

Promover a saúde existencial no ambiente corporativo constitui-se, portanto, em fomentar o processo de autoconhecimento e autorrealização de líderes e colaboradores não com a finalidade simples e utilitária de ‘adequá-los’ à tarefa produtiva, restrita ao resultado, mas com o propósito de propiciar uma existência mais plena, mais saudável. Promover a saúde existencial é se comprometer com a promoção da pessoa humana, algo que repercute positivamente na saúde mental dos indivíduos e na saúde social e econômica das empresas.

* Dante Gallian é doutor em História pela USP, coordenador do Laboratório de Leitura da Escola Paulista de Medicina e autor de Responsabilidade humanística — uma proposta para a agenda ESG (Poligrafia Editora)