13/03/2020 - 13:37
Milhares de mortes, tensão entre aliados, propaganda ofensiva: o novo coronavírus está se transformando em um cataclismo com consequências de longo alcance na política global.
A pandemia do COVID-19, que deixou mais de 5.000 mortos nesta sexta-feira (13) e mais de 134.000 infectados, atinge um mundo já alterado com o surgimento de nacionalistas como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que zombou das regras da “globalização”.
“Quando tudo se resolver, não estaremos no mesmo lugar em que estávamos há apenas uma semana”, afirmou Jon Alterman, analista do CSIS, em Washington.
“Sabemos que os governos hesitarão quando os cidadãos julgarem que responderam mal à crise. Sabemos que as economias serão afetadas, e algumas provavelmente entrarão em colapso”, acrescentou.
Trump, que inicialmente descartou os riscos da COVID-19, impôs abruptamente nesta semana uma proibição de 30 dias à maioria das viagens da Europa continental a partir da meia-noite desta sexta-feira, e prometeu enfrentar o “vírus estrangeiro”.
Os líderes da União Europeia ficaram indignados com a medida, que causou caos nos aeroportos, e disseram que não haviam sido consultados, o que Trump reconheceu.
Kelly Magsamen, analista do Center for American Progress, afirmou que a decisão de Trump apenas levantará questões sobre o papel histórico de liderança em Washington.
“Muitos parceiros e aliados dizem: pode-se confiar nos Estados Unidos para liderar os principais desafios globais, seja uma pandemia ou uma mudança climática ou a não-proliferação de armas nucleares?”, questiona.
“Isso terá efeitos em outras dimensões do nosso relacionamento”, concluiu.
– A briga EUA-China –
A COVID-19 foi relatada pela primeira vez em dezembro na metrópole chinesa de Wuhan. Surgiu provavelmente em um mercado que vendia animais exóticos para o consumo humano, e Pequim tentou esconder as notícias, inclusive detendo o médico que soou o alarme.
Mas a China tentou contrariar sua resposta inicial à COVID-19, com a visita do presidente Xi Jinping a Wuhan, na semana passada, para anunciar o êxito em conter o surto.
A China enviou equipes médicas para a Itália, o segundo país mais afetado, e para a Espanha, destacando que seu modelo autoritário foi decisivo para deter a disseminação.
Também usou a crise para atacar os Estados Unidos que, desde que Trump chegou ao poder, tenta combater a influência de Pequim em todas as áreas.
Um artigo do jornal estatal chinês Global Times sugeriu que a China pode parar as exportações de máscaras faciais e outros equipamentos médicos, se Washington continuar pressionando contra a expansão da gigante tecnológica Huawei.
China e Rússia também promoveram teorias infundadas de conspiração para desacreditar os Estados Unidos.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijan, sugeriu no Twitter que o Exército americano poderia ter levado o novo coronavírus para Wuhan.
O governo Trump, que ofereceu 100 milhões de dólares em assistência em todo mundo para ajudar no combate à pandemia, tentou por sua vez associar a China ao COVID-19.
O secretário de Estado, Mike Pompeo, falou sobre o “vírus Wuhan”, e o senador republicano Tom Cotton prometeu que os EUA “responsabilizarão aqueles que infligiram isto ao mundo”.
– A vingança dos tecnocratas? –
Michael Green, principal assessor do ex-presidente George W. Bush para assuntos da Ásia, duvida de que a China convença muito com seus “argumentos sobre as falhas da democracia”.
Mas acrescentou: “Isso não significa que os Estados Unidos vençam essa batalha de informação”.
Green, agora vice-presidente sênior do CSIS, observou que uma consequência mais ampla de tudo isso pode ser uma narrativa política instável.
Xi, uma vez visto como intocável na China, enfrentou críticas, pois os cidadãos apoiam os médicos nas redes sociais. Americanos de todas as cadeiras políticas elogiaram Anthony Fauci, chefe do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas.
A vitória surpresa de Trump em 2016, a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia e outras vitórias populistas foram vistas como prova “de que os tecnocratas fracassaram” após a Grande Recessão do final da década de 2000 e a guerra do Iraque, afirmou Green.
“Acho que é muito possível que o resultado macro desta vez seja que os populistas políticos falharam e são os tecnocratas que emergem como heróis”, acrescentou.
“Vamos ver. Mas pode ser assim que a história política muda neste capítulo”, completou.