Passados 35 anos do fim da Alemanha Oriental, muitas vítimas finalmente terão direito a uma melhor indenização. Muitas sofrem até hoje com as consequências psicológicas e vivem no limiar da pobreza.Quando jovem, Ulrike Findeis sonhava em ser médica ou intérprete. Mas, embora ela tivesse notas muito boas aos 14 anos, não obteve permissão para frequentar o ensino médio. A carta de rejeição de 1958 dizia que faltava a ela “a maturidade política para justificar a frequentação de uma escola secundária em nosso Estado socialista”.

O regime comunista na Alemanha Oriental esperava fidelidade incondicional até mesmo das crianças e dos jovens, o que incluía rejeição da Igreja e da religião. Só que Findeis fora educada e confirmada na fé cristã por seus pais. Mas o Estado comunista esperava que ela participasse da Jugendweihe, uma festa tradicional alemã que marcava a entrada na vida adulta, mas que o regime da República Democrática Alemã (RDA) incorporara, com outra finalidade.

Oficialmente, a participação na festividade era voluntária, mas na prática equivalia a um juramento de fidelidade aos princípios do Estado. A maioria dos pais permitia que seus filhos participassem da Jugendweihe para não sofrerem desvantagens em sua educação. Nas décadas de 1970 e 1980, cerca de 90% de todas as crianças da RDA participavam – menos as das famílias ligadas às Igrejas cristãs, como a de Findeis.

Mudanças aprovadas

Assim como Ulrike Findeis, que nasceu em 1943, milhares de alemães-orientais tiveram seu futuro arruinado já no início da ditadura comunista. Com a Reunificação Alemã, em 1990, elas esperavam ser finalmente reabilitadas e indenizadas. Isso aconteceu, mas tardiamente e de maneiras muito diversas.

Desde 2007, qualquer um que tenha passado 90 dias ou mais na prisão por motivos políticos tem direito a uma pensão mensal de 330 euros (R$ 1.990). A partir de 1º de julho de 2025, esse valor subirá para 400 euros, passando a ser reajustado com na mesma proporção das aposentadorias. Além disso, as vítimas de reassentamento forçado receberão um pagamento único de 7.500 euros.

Essas mudanças, aprovadas no fim de janeiro pelo Bundestag (câmara baixa do parlamento alemão), fazem parte de um pacote de melhorias legais para quem até hoje sofre as consequências da injustiça cometidas pela RDA.

Oferta de emprego na criação de porcos

Na década de 1990, Findeis recebeu um pagamento único de 3.000 marcos alemães, o equivalente a 1.500 euros. Hoje com 81 anos, ela nunca teve uma pensão para vítimas, embora as vítimas de perseguição profissional também tenham direito ao pagamento regular de uma indenização, sob certas condições.

No caso dela, porém, isso foi rejeitado porque, no cálculo de avaliação, a renda do marido foi adicionada à sua pequena aposentadoria por idade. “Isso de novo me magoou muito”, diz Findeis, lembrando-se das humilhações que sofreu sob o regime comunista.

Findeis, que sonhava ser médica ou intérprete, recebeu uma oferta de emprego como assistente de criação de porcos numa cooperativa de produção agrícola. Ela recusou a oferta. Mais tarde conseguiu, longe de sua cidade, fazer um curso técnico de enfermagem.

Ela espera que, com as mudanças agora acertadas nas indenizações das vítimas de injustiças na Alemanha Oriental, ela finalmente receba uma compensação financeira regular.

“Francamente, no meu caso, eu espero isso”, enfatiza a aposentada, que mora em Dresden. As chances são, de fato, boas, pois a indenização das vítimas de perseguição profissional deverá ser independente da renda de seus cônjuges.

Apesar das experiências traumáticas com o regime comunista e da longa espera por uma indenização adequada, Findeis está feliz com sua vida. Isso se deve principalmente à sua família: ela é casada, tem quatro filhos, é avó e bisavó. As sombras do passado, porém, nunca a deixaram.

Décadas depois de seu sonho de uma carreira acadêmica ter sido frustrado, ela reencontrou por acaso o responsável por sua infelicidade na época: o antigo diretor da escola onde ela só pôde estudar até a oitava série.

“Eu me aproximei dele e quis fazer as pazes com ele. Eu queria dizer que, apesar de tudo, a minha vida tinha sido boa, mas que o que ele fez naquela época não estava certo.” Ele rejeitou veementemente essa acusação, “me disse que, se tivesse ido para a Jugendweihe, eu teria sido poupada de tudo isso”.

Muitas vítimas de injustiças com doenças crônicas

Findeis conseguiu lidar bem com esse encontro, mas nem todas as vítimas de injustiças no regime comunista têm a força para superar essas experiências. Muitas têm hoje doenças crônicas, sofrem de ansiedade ou outros problemas de saúde. Também elas vão se beneficiar com as mudanças na lei de indenizações, pois não terão mais de provar que sua doença resulta de prisão ou perseguição na Alemanha Oriental: essa correlação passará a ser dada como certa.

A mudança é elogiada pela encarregada do Bundestag para as vítimas do regime comunista alemão, Evelyn Zupke: “As experiências com injustiças e violências políticas não são episódios após os quais alguém possa simplesmente seguir a vida normal. As consequências para a saúde acompanham muita gente por toda a vida.”

Muitos não conseguem mais trabalhar e prosperar, ou só de forma limitada. Por isso, muitas vezes vivem à beira da linha da pobreza. Um novo fundo, também aprovado pelo parlamento e pelo qual Zupke lutou por muito tempo, é destinado a essas vítimas de injustiças da República Democrática Alemã.

A empresa de móveis Ikea contribuiu com 6 milhões de euros para o fundo, porque prisioneiros políticos da RDA foram forçados a trabalhar para ela. A firma sueca alega que, na época, não tinha conhecimento dessa exploração.